27 – Cemitério central de Sófia
Cheguei às 8h22.
A última foto foi tirada às 11h16.
Esta visita dura três horas, portanto.
Efetivamente é prioritária a visita aos cemitérios dos países por onde passo, bem como o conhecimento dos hábitos e rituais fúnebres das várias culturas. A forma como um país – uma determinada sociedade e cultura – encara a morte, e cumpre rituais fúnebres, varia sobremaneira de país para país, e eu tenho tido oportunidade de observar isso, pela Europa, América, Ásia, África, Austrália. Um cemitério em Timor-Leste, por exemplo, é ricamente colorido. As campas apresentam tons claros: azuis, verdes, amarelos. Nos verdejantes cemitérios em Viena de Áustria, as pessoas andam de bicicleta no seu interior, sentam-se e leem um livro. Aqui passeei de bicicleta entre os túmulos de Beethoven, Mozart e outros. Alguns cemitérios possuem vastas planícies de relvados. Outros, densa vegetação, que praticamente impede a passagem de quem os visita (e não é por abandono, é mesmo uma opção). Outros cemitérios ostentam orgulhosamente os seus túmulos para quem passa na estrada – é o caso da Hungria (ao longo de quilómetros, os túmulos saudavam-me, à minha passagem na bicicleta). Outros países – como é o caso de Portugal – por seu turno escondem-nos atrás de muros.
Toda a filosofia de vida de um povo manifesta-se na morte. Aqui na Bulgária, em Lom, não vi uma coisa que nunca tinha visto? Cartazes das pessoas mortas, por todo o lado? Isto há de ter uma explicação, eventualmente ligada à época comunista. Se alguém souber informar-me, agradeço um email. Aqui em Sófia já não acontece, por exemplo.
Deixo alguns links dos cemitérios de outros países, que mostrei nestas crónicas, ao longo dos anos. Eu diria que o mais bonito foi o da Gronelândia, mas porque não estou habituada a neve. É um cemitério branco. Os de Timor-Leste são os mais originais, de tão coloridos que são. Os da China têm paisagens grandiosas, porque os seus mortos querem ficar a ver bem longe.
Amazónia brasileira (link)
Áustria (link) – túmulos de Beethoven, Mozart e Schubert, entre outros
China (link 1; 2; 3; 4; 5)
Dinamarca (link) – túmulos de Kierkegaard e de Hans Christian Andersen
Gronelândia (link)
Hungria (link 1 & 2)
Ilhas dos Açores, Portugal (link 1; 2; 3; 4)
Índia, cemitério hindi (link)
Índia, cemitério cristão (link)
São Tomé e Príncipe (link 1; 2; 3)
Timor-Leste (link 1; 2; 3; 4; 5)
Falta-me um dos mais célebres: o “Père-Lachaise”, em Paris. Ainda tenho que lá ir de propósito, um fim de semana, só para conhecê-lo. Pelo que vejo no Google Maps, as suas dimensões são idênticas aqui ao de Sófia. E está cheio de celebridades. O de Sófia também tem algumas, mas mais locais, pelo que pude analisar. No site do cemitério, no separador “Sófia Lembra” (link), está uma descrição detalhada dos túmulos que se encontram em cada divisão. Clica-se nos quadradinhos das divisões, e aparecem os nomes de quem está sepultado nessa divisão. Também calhava bem darem os nomes, e depois de escolhermos um nome, é que procuramos o túmulo. Assim parece o jogo da batalha naval.
Faz-me lembrar a minha mesa do pequeno-almoço. Ou a mesa onde eu pintei todos os dias, em Lom.
Eis o meu destino.
Isto parece-me uma prisão, mas pronto.
Traduzi com a câmera do Google Translator o papel que se encontra na árvore. Vou deixar a tradução em inglês, para os leitores estrangeiros. É algo como: “Keep it clean.”
Houve uma rave party, aqui.
Bem me parecia que eu estava a ser espiada.
Tenho a dizer que comi quase 1 kg de fisális, aqui. É difícil calcular o peso; quando for ao supermercado, irei ver as embalagens para ficar com uma ideia. Vejo que andam pelos 15€ o quilo. Eu nunca tinha comido fisális tão doces e tão sumarentas. Aliás, eu nunca tinha gostado assim muito de fisális. E ainda pensei que eu fosse ficar com diarreia, ou dores no estômago… nada. Nunca mais me lembrei de tal.
E só uns dias mais tarde é que ponderei onde é que as raízes da árvore se irão alimentar. Bom, seja lá onde for, o resultado é positivo. No cemitério de São Tomé e Príncipe não haviam batatas-doces, couves e tomates? (Crónica 76). E no Vietname? Onde eu via os campos de arrozais, encharcados em água, com túmulos isolados no meio? Onde é que os arrozais vão buscar a água? É assim a vida, uns morrem, e os vivos alimentam-se.
De qualquer forma, raciocinemos: eu vejo campos cultivados à volta deste cemitério de Sófia (na foto aérea que mostrei na crónica anterior). O cemitério tem mais de 1 km de comprimento. Os campos cultivados só bebem água ali no seu espaço exato, querem acreditar nisto? Não há lençóis freáticos, a água não se espalha ao longo de vários quilómetros… nada, está tudo estanque. Estanques estão os túmulos, supostamente. Tanto que se abrem os caixões, vários anos depois, para retirar as ossadas.
Portanto, onde quer que a terra, as plantas e as árvores se vão alimentar…
Fotografei este túmulo porque foi dos mais antigos que dei conta. Uma pessoa nascida em 1871, que morreu com 81 anos de idade em 1952. Viveu as duas guerras mundiais!
Este é recente, a pessoa nasceu em 1942, e morreu aos 80 anos em 2022.
Muito ansiei por uma bicicleta, nestas três horas dentro do cemitério de Sófia.
Aqui me sentei um pouco, a descansar, naquele banco de pedra negra, ao lado. O que te aconteceu, rapaz? – falei com ele. Morreste com 19 anos de idade, foi cedo demais. Um acidente de mota? Mataram-te? Doença?
Descansei e verifiquei se o meu check-in, no avião amanhã, já está disponível. Ainda não. As premências dos vivos mantêm-se. Mas fiz-lhe companhia, algum tempo. Há gatos também por aqui. Há esquilos, flores, árvores, frutos – tudo brota, cheio de vida. Não está num local morto, este rapaz. Está num local cheio de vida e bastante bonito, valha-lhe isso.
Também vi um casal, que andaria pelos 70 e tal anos, a arranjar um túmulo de um rapaz que morreu em 2013 com 37 anos de idade. Gente que parte cedo demais. Pressupus que fossem os seus pais. Que tristeza tão grande deve ser, ver um filho partir antes dos pais.
Vou explicar em inglês o significado de “Gata”, pois os leitores estrangeiros não vão perceber o meu interesse neste túmulo:
“Gata” (without the “h”) means “female cat”, in Portuguese.
Uma amiga minha disse-me, face à constante presença de gatos na minha vida, que noutra vida eu devo ter sido uma gata. Eu não tenho gatos, entenda-se. Eu cuido dos que me aparecem. Alimento-os, dou-lhes água. E se possível uma casota, no meu terraço. De facto tenho andado rodeada de gatos há alguns anos. Nenhum é meu. Alguns foram adotados entretanto.
Quem será esta (ou este) Gahta? Com uma nota musical? Procurei na net, mas não encontrei nenhum músico, ou música, com este nome.
São agora 10h43. Hoje é sábado. Vai grande movimento de carros dentro do cemitério. Teria sido melhor eu visitá-lo num dia útil; nem aqui tenho paz do tráfico automóvel.
Estamos em plena hora de ponta. Já dei a volta ao cemitério todo, vou agora fazendo caminho para a saída.
O túmulo mostra a fotografia de um homem, e indica que nasceu em 1935 e que morreu com 72 anos de idade a 22 de julho de 2007. Hoje é 22 de julho. Estão a celebrar uma missa privada, portanto. Sentei-me um pouco, num banco atrás, e assisti durante uns minutos. Antes disso, a senhora de azul perguntou-me se eu precisava de alguma coisa. Não preciso de nada. Estou num cemitério público e quero assistir; não conheço as celebrações ortodoxas. (Não respondi isto, limitei-me a dizer que não, e sentei-me. Eles nunca mais me ligaram, continuaram as suas lides religiosas). O padre tem um vozeirão, poderia ser cantor, e rezou a missa num tom monocórdico, semi-cantada.
Fotografei este túmulo porque foi dos raros que vi com estatuária. Através da câmera do Google Translator, leio: “À sua querida esposa”. Ela nasceu em 1880 e morreu com 34 anos de idade, em 1914. Depois diz: “A vida é um sono curto. A morte é um sono longo”.
E assim me despeço do cemitério central de Sófia. Já estou novamente na entrada, junto do que serão talvez os heróis da Bulgária. O Google Translator não me ajudou nisto.