085 – 17º Dia, à Espera do Avião e do Pneu & ZEESM

Hoje vou-me embora do Oecusse, irei pernoitar em Soe, na parte indonésia de Timor, e depois de amanhã vou para Kupang, a capital de Timor indonésio. Entretanto às 8 horas chega o avião “James” aqui a Pante Macassar, diz-me o Sanches, avião esse onde vem o pneu e jante novos para a minha bicicleta. São agora seis e meia da manhã. Já estou cheia de cremes e sprays – protetor solar e repelente de insetos. Esta noite esqueci-me de fechar a mala grande, vamos ver se não tenho nenhuma supresa. Ainda levo um toké timorense para a Indonésia. (Quem não leu as crónicas todas e não sabe o que é um “toké”, remeto para a crónica 30). Também é preciso limpar os dois pares de óculos para andar de bicicleta, de preferência todas as manhãs. Os escuros e os incolores. Têm uma mistura de protetor solar, repelente de insetos, suor e pó. Se não tenho o cuidado de limpá-los todas as manhãs, já que acordo cedo e tenho tempo, simplesmente deixarei de ver.
No quarto, as torneiras estão sempre a pingar – a do lavatório das mãos (em que fecho a torneira de segurança e resolvo o assunto) e a do chuveirinho da sanita (que só fechando a água toda do quarto, e aqui não tenho acesso).

E antes do pequeno-almoço vou ver o que se faz por aqui, nestas terras do Oecusse. Ainda é noite e eu precisaria de um tripé para tirar estas fotos noturnas. E uma câmera de melhor qualidade. Mas já dá para ficar com uma ideia do que é o amanhecer em Pante Macassar. No pátio da pousada esvoaçam imensos morcegos, fazem razias sobre mim e ouço o roçar das suas asas. Lindos morceguinhos esvoaçadores.

Aqui passou uma mulher grávida, a caminhar na areia mesmo junto ao mar, com certeza a fazer exercício. Fiz-lhe adeus e ela fez-me outro de volta.

Um avô com os quatro netos. Estavam em grande azáfama dentro de casa, e eu parada na bicicleta a olhar. Até que me viram e vieram falar comigo. O senhor explicou-me que tem um filho em Díli e outro em Inglaterra. Pelo que percebi ele cuida destes quatro netos. Perguntei-lhe se não vão à escola, respondeu-me que hoje – segunda-feira – é feriado, não há escola.

Este rapaz veio procurar o amigo, nesta casa dos quatro netos. Mas o amigo ainda não está despachado, pelo que ele se foi embora.

A criança, que andará pelos 4 anos, deu o tradicional berro mal me avistou: “Ei malai!”. Até embaraçou os pais, que se riram a olhar para mim. Eu ri-me também. Isto está programado nas crianças. Neste silêncio e tranquilidade, este berro infantil fez-nos rir a todos. Andam os três a passear na praia, também.

Falemos então da ZEESM, que já abordei na crónica anterior.
ZEESM significa “Zonas Especiais de Economia Social de Mercado” e abrange duas zonas: Oecusse e a ilha de Ataúro.
A Região Administrativa Especial do Oecusse é uma autoridade administrativa regional do Governo de Timor-Leste. A ZEESM é um programa de desenvolvimento nacional.¹
O Presidente de ambas é Mari Alkatiri, nascido em Díli, um dos membros fundadores da Fretilin – o movimento de resistência contra a ocupação Indonésia, e por duas vezes Primeiro-Ministro. É um dos raros muçulmanos em Timor-Leste, onde 97% da população é católica.

O governo de Timor-Leste aprovou a criação da Região Administrativa Especial de Oecusse em 2014. O governo refere que a criação desta região vai permitir que o Oecusse passe a ter “autonomia administrativa, financeira e patrimonial.” A proposta de lei inclui a ilha de Ataúro como pólo complementar na área do turismo.
A Zona Especial de Economia Social de Mercado visa o desenvolvimento regional através da criação de zonas estratégicas “atrativas para investidores nacionais e estrangeiros.” “O intuito é retirar ao Oecusse o estatuto de enclave e conferir-lhe o estatuto de pólo de desenvolvimento nacional, sub-regional e regional, ficando Ataúro no âmbito deste pólo, direcionado para o turismo integrado”.²

Esta zona económica especial do Oecusse é um dos grandes projectos do governo de Timor-Leste que visa trazer sustentabilidade económica antes que a sua reserva de petróleo e gás seque.³

Foi pedido ao Banco Mundial para que colaborasse com uma série de estudos relacionados com as oportunidades nesta zona económica especial. O Banco Mundial indica no seu website: “A transferência de responsabilidade significativa para o desenvolvimento do Oecusse à autoridade da ZEESM reflete uma aproximação política e colaboração entre o Primeiro Ministro Xanana Gusmão e o Dr. Alkatiri”. ⁴
O relatório emitido pelo Banco Mundial sobre o Oecusse, em 2016, indicou por exemplo as seguintes restrições ao desenvolvimento do turismo:
“As principais restrições atuais são a infraestrutura, água, analfabetismo e mão-de-obra não qualificada.”
E neste âmbito – o turismo – deixou as seguintes recomendações:
– Fortalecer e apoiar iniciativas culturais. Existe a necessidade de inventariar todos os grupos ligados às artes e ao artesanato para fornecer suporte de qualidade.
– Criar e implementar padrões regulatórios, como programas de classificação de hospedagem, a fim de garantir uma experiência de visitante de qualidade e fomentar o setor.
– Reunir sistematicamente os dados para a elaboração de políticas futuras (estatísticas do turismo e feedback dos visitantes).
– Desenvolver níveis educacionais e iniciativas de formação em hospitalidade.
– Melhorar a infraestrutura de transportes à medida em que a economia de visitantes cresce, em etapas, atendendo à demanda e permitindo ajustes nos planos conforme necessário.
(Pág 9 e 10)

Este relatório do Banco Mundial deixa as seguintes estatísticas sobre o Oecusse:

  • 61% da população está abaixo da linha de pobreza; (pág. 13)
  • 35% da população entre os 5 e 29 anos nunca frequentou a escola; (pág. 13)
  • 3% dos homens e zero mulheres obtiveram um diploma universitário. (pág 14)
  • Já o capital social é alto no Oecusse – o crime é baixo e o tecido comunitário, baseado na confiança, é excepcionalmente alto. O crime é baixo no total de Timor-Leste e ainda mais baixo no Oecusse. (pág. 15)

Sobre o comércio no Oecusse, o relatório do Banco Mundial deixa dados bem claros:
Existem poucas estatísticas formais sobre o comércio entre Oecusse e Timor Ocidental (ou seja, a parte indonésia da ilha), mas é claro em entrevistas que existe algum comércio legal e também ilegal. A maior parte do comércio no Oecusse é conduzida por importadores dedicados que trazem produtos de Timor indonésio. De acordo com entrevistas realizadas a importadores, aproximadamente 75% de todos os bens (em termos de valor) trazidos para o Oecusse vêm da Indonésia, em comparação com 25% do continente Timor-Leste. Os materiais de construção e os bens de consumo embalados, em particular, provêm da Indonésia, enquanto os produtos alimentares provêm mais comumente de Timor-Leste, embora muitos deles sejam eles próprios importações.
Existem sete importadores, e a maioria deles opera dois a três camiões duas a três vezes por mês, de Kupang (a capital de Timor indonésio) até Oecusse. Cada camião tem capacidade para 24 toneladas e transporta mercadorias no valor aproximado de 30 a 40.000 dólares. Isto sugere que, entre todos os importadores, há entre 672 e 1.512 toneladas importadas para o Oecusse todos os meses.
De acordo com os próprios importadores, a maioria desses camiões regressam à cidade de Kupang sem carga, destacando assim que há pouca produção no Oecusse.
(Pág 30 e 31)

O comércio com o resto de Timor-Leste é particularmente desafiador pelo isolamento do Oecusse. O ferry de ida e volta duas vezes por semana que liga Pante Macassar no Oecusse, a Díli, leva 13 horas. O operador do ferry informa que este está quase totalmente lotado durante alguns meses do ano e que animais e mercadorias consideráveis são transportados dessa maneira em ambas as direções. A capacidade limitada do ferry representa uma barreira ao comércio com Díli, embora não esteja claro que a capacidade, em vez do preço, seja a principal barreira. O ferry está frequentemente próximo da capacidade mas existe alguma flutuação. O impacto do preço do bilhete de 40 dólares no comércio deve estar sujeito a um estudo mais aprofundado. No entanto, se o preço for reduzido, a demanda aumentará e uma capacidade maior provavelmente será necessária.

Já o transporte terrestre entre Oecusse e Díli é um desafio. O tempo total de viagem é entre sete e dez horas, dependendo dos procedimentos de fronteira. No entanto, para viajar é necessário obter vistos com antecedência, mesmo para os cidadãos de Timor-Leste. Isto geralmente leva três dias, custa 45 dólares e exige o fornecimento de fotos de passaporte, demonstração de verbas e planos, e formulários preenchidos. Além disso, o veículo que está a ser usado para o transporte tem de ter uma licença. Isto requer o pagamento de mais 20 dólares e quatro documentos adicionais, bem como deixar o registo do veículo junto do Ministério dos Transportes em Díli, o qual só pode ser recuperado no regresso.

Adicionalmente, os procedimentos nas fronteiras são relativamente lentos. Isto é em parte porque no lado indonésio a documentação deve ser apresentada a quatro instituições: alfândega, militar, imigração e polícia. Além disso, a experiência prática e entrevistas sugerem que é comum ser convidado a fazer mais pagamentos ilegais.
(pág 34 e 35)
(Disto já nós sabemos, quando tive de atravessar a fronteira para chegar aqui ao Oecusse – crónica 74).

Este relatório do Banco Mundial é muito interessante, tem 68 páginas, e não posso agora transcrevê-lo todo para estas crónicas. Até sobre a brucelose fala (sobre este tema ver a crónica 46 ou a página 37 deste relatório do Banco Mundial. Aqui referem que um programa de erradicação da brucelose pode custar milhões de dólares, levar dez anos, e não ter resultados 100% garantidos). Recomendo portanto a sua leitura completa, e deixo um último extrato, desta vez sobre as qualificações e ordenados no Oecusse:

O Oecusse tem uma população relativamente baixa, o que restringe as suas oportunidades de desenvolver fábricas e manufacturas. De acordo com o Census de 2010, apenas 11% da população total do Oecusse completou o ensino médio e apenas 3% tem qualificação superior. Neste contexto, é provável que as indústrias transformadoras altamente qualificadas sejam extremamente difíceis de atrair. Dado este nível de capital humano no Oecusse hoje, a única possibilidade que vale a pena ser avaliada na indústria transformadora é a de manufacturas leves especializadas. Há muitos exemplos disto, como produção de vestuário e produção de calçado. Nestes setores, os equipamentos e as matérias-primas são usualmente importados, o produto é processado e, em seguida, os produtos finais são exportados para mercados externos.
Muitos países e Zonas Económicas Especiais basearam o crescimento em manufacturas leves de baixa qualificação. No entanto, aqueles que normalmente são mais bem sucedidos nesta área normalmente são capazes de tirar proveito de custos salariais muito baixos. Por exemplo, o sucesso da Etiópia em atrair indústrias intensivas em mão-de-obra da China baseou-se na sua oferta de salários muito baixos; 35-53 dólares por mês para trabalhos não qualificados, em média. O Vietname teve um sucesso semelhante no passado, embora esteja agora sob alguma pressão de aumento dos salários, apesar do seu salário médio, não especializado, nas manufacturas ainda ser apenas 73-131 dólares e os seus trabalhadores terem produtividade relativamente alta.
Infelizmente para o Oecusse, o salário médio em Timor-Leste para aqueles que estão empregados já é de 503 dólares por mês e o salário mínimo obrigatório é de 115 dólares por mês. Este nível de salários faz com que o Oecusse fique de fora na maioria dos tipos de produção que exige mão-de-obra pouco qualificada. É provável que seja extremamente difícil atrair investidores para fabricar no Oecusse com estes custos salariais, especialmente tendo em conta o relativo défice de competências.
(Pág 43)

Entra então em cena a ZEESM.
Eis um trecho retirado do seu website:
“Construímos pontes de modo a que seja mais fácil atravessar os rios. Construímos estradas para que as pessoas possam ter acesso às escolas, instalações de saúde e mercados. Melhorámos o acesso para e de Oé-Cusse através da melhoria do respetivo porto, aeroporto e acesso terrestre.  Reforçámos a irrigação, uma área crítica da agricultura.
Estabelecemos uma central elétrica que fornece três vezes a capacidade de energia necessária para o desenvolvimento atual e estamos a expandir a rede e o acesso mensalmente, de quilómetro a quilómetro.”⁵

A ZEESM – explicou Mari Alkatiri numa entrevista em 2014 ao jornal “Plataforma Macau” – praticamente vende-se sozinha: afinal não é todos os dias que mesmo a Ásia, uma das regiões do globo em maior crescimento, vê nascer um projeto que representa um investimento de 4,11 mil milhões de dólares até 2025, dos quais 2,44 mil milhões injetados nos próximos quatro anos. Cerca de 67% (2,75 mil milhões de dólares) desse valor é garantido por investimento público, sendo o valor restante (1,36 mil milhões) angariado no setor privado.⁶

Deixo alguns parágrafos deste jornal – “Plataforma Macau”, um semanário publicado em papel (em português e em chinês) e em versão web também em inglês⁷:

Mas afinal o que é que vai ser a ZEESM? “O objetivo central é o combate à pobreza. Mas todos agora falam de combater a pobreza sem que o modelo de desenvolvimento nos leve a isso. Porque não há inclusão, porque não há uma genuína participação dos cidadãos. Há simplesmente desenvolvimento industrial ou zonas de livre mercado. É o que tem acontecido em todas as zonas especiais. E que dá como resultado a marginalização da maioria”, explica o ex-chefe de Governo.
“O conceito de economia social de mercado parte do princípio de que a componente social deve ser considerada central, mas não fugindo da dinâmica do mercado. Porque é o mercado que vai criar o desenvolvimento”, sublinha.
Neste caso, insiste, o objetivo é implementar projetos numa gama variada de setores – que incluem habitação, infraestruturas públicas, zonas industriais, comerciais, turísticas, desenvolvimento industrial e agrícola, investigação e outras – onde “todo e qualquer cidadão seja um participante no processo de trabalho e um beneficiário nos resultados”. “Não só porque é remunerado mas porque pode ter retornos financeiros, económicos e sociais, que em última análise ampliam o mercado. Cria-se mais poder de compra, melhora-se a qualidade de vida das pessoas. Its a ‘win-win’ solution”, refere.
Estes clusters de desenvolvimento integrado serão, na prática, implementadas ao longo de três grandes fases de investimento, uma primeira até 2018, com um investimento total projetado de 2,44 mil milhões de dólares, o maior ‘bolo’ de todo o projeto. A parte pública, de cerca de 1,28 mil milhões de dólares, será destinada a aspetos como o aeroporto, porto, infraestruturas básicas hidroelétricas e de saneamento, distribuição de gás e energia, telecomunicações e estradas. O investimento privado, de até 1,42 mil milhões de dólares seria, por seu lado, para habitação, a reabilitação do hospital de Oecusse, hotéis, um pólo industrial, uma zona logística e escritórios, entre outros.
Para a segunda fase (2019-2021) a previsão é de um investimento total de mais de 966 milhões de dólares dos quais 154 milhões públicos (porto de pesca, central eólica, unidade de biomassa, saneamento e outras infraestruturas básicas) e mais de 812 milhões privados (habitação, escolas, apartamentos, escritórios, zonas comerciais e estações de serviço).
Finalmente na terceira fase o investimento rondaria os 711 milhões de dólares dos quais cerca de 102 milhões públicos e 609 privados, neste último caso para uma universidade, resorts turísticos, mercados, centro cultural e centros espirituais.
“O que se tem feito em Timor-Leste é só injetar dinheiro para o consumo. Há algumas infraestruturas públicas, mas de péssima qualidade, algumas privadas, mas também de qualidade que deixa muito a desejar. O que se pretende realmente é investir nas infraestruturas básicas mas com qualidade e permitir que, com isso, se criem condições para que investimento privado seja produtivo e com qualidade, não apenas para servir o consumo”, defende.
“Continua a não haver economia em Timor. A economia em Timor é de importação e de consumo. Não temos uma economia produtiva. O objetivo de Oecusse é ser a referência, que se prove que é um país pequeno e que, por isso, deve integrar a sua economia numa realidade geopolítica e geográfica maior. É preciso que o país saiba escolher os parceiros certos e saiba fazer essa integração beneficiando os outros”.⁶

De regresso à guesthouse, às 7, para tomar o pequeno-almoço. Desta vez há torradas.

Uma romãzeira.

Ficou desfocada, mas mantive-a. A placa indica “ETV Palaban”, ou seja, Escola Técnico-Vocacional de Palaban (Palaban é o nome da terra, aqui em Pante Macassar – e onde também fica o aeroporto). Quando parei a bicicleta para fotografar, ia um homem a passar, timorense, dos seus 30 anos, e eu perguntei-lhe o que é isto. Ele respondeu-me que é uma escola de televisão. E eu, naquele momento, estranhei, mas porque não haveria de acreditar?… De facto há maiores necessidades no Oecusse do que uma escola de televisão, mas enfim. Afinal ele estava a pregar-me uma partida. Se eu te encontrar outra vez, rapaz, eu te direi.

Loja de fotocópias onde o Valério e o Sanches vão tratar da papelada para passarmos a fronteira novamente para o lado indonésio.

O avião a chegar. Lá dentro vem o meu pneu de gel, supostamente.

Esta placa está na sala de espera do aeroporto. Só então percebi que o avião “James” que o guia Sanches tanto fala, afinal será o avião “ZEESM”. Aqui no aeroporto encontrei o casal de espanhóis que estava na véspera a jantar no restaurante português, e afinal apenas ele é espanhol; ela é portuguesa – e são os donos do restaurante. Vão passear a Díli no avião “James”. Foram eles que me esclareceram – “Que avião James é este?…” – perguntei-lhes. “Avião James?” – devolveram-me a pergunta. “Sim, avião James. É a companhia área?”. E então chegámos à conclusão que deve ser o avião “ZEESM”, mas não ficámos com a certeza, mesmo assim. O avião aterrou às 8.45h e até lá estivemos a falar um pouco. Perguntei-lhes como é que vieram parar aqui ao Oecusse. De onde veio a decisão de abrir um restaurante aqui, e como é cozinhar pratos portugueses, com ingredientes portugueses. Então ele – que é espanhol – já tinha estado em trabalho várias vezes aqui no Oecusse, pelo que conhecia a terra. E juntamente com a mulher decidiram investir por aqui. Não podem ausentar-se muito tempo, disseram-me, é preciso estar sempre a supervisionar o restaurante e a equipa. A cozinha é tipicamente portuguesa, e o cozinheiro (ou cozinheiros?) tiveram de aprender tudo, e cumprir com rigor as regras de confeção.
Entretanto o avião chegou e eles entraram para um pequeno autocarro, juntamente com os restantes passageiros, e foram levados para a pista. Eu continuei sentada à espera, com a bicicleta ao meu lado. O novo pneu e jante já devem ter sido descarregados do avião e devem estar aí a chegar.

E entretanto, para grande surpresa minha, um homem veio a correr na minha direção, pega na minha bicicleta com muito maus modos e dirige-se para fora da sala de espera com ela, a correr. A sala de espera é um cubículo exterior, com bancos de pedra e grades à volta. Se estiver vento, levamos com o vento, por exemplo. E eu fui a correr atrás dele. Isto não está a acontecer – em frente a esta gente toda vai roubar-me a bicicleta? Onde estão o Valério e o Sanches? Preciso de ajuda!
Afinal é um funcionário, muito irritado pelo facto da bicicleta estar ali. Nem disse nada, nem explicou nada, nem me convidou a sair. Simplesmente agarrou na bicicleta e correu lá para fora com ela, furioso. Ia deitá-la ao chão, mas finalmente ter-se-á feito alguma luz no seu espírito. Se calhar é melhor não tratar assim os clientes, nem atirar com os seus bens para o chão, desta maneira. Eu agarrei na bicicleta (e ele largou-a), comigo ainda a tentar perceber o que se passa. Não houve uma única palavra em todo este episódio. Será mudo?
Fui ter com o Valério e com o Sanches, junto à pickup, estacionada ao lado do cubículo, e contei-lhes o sucedido. Eles não viram. O Sanches riu-se e disse que o funcionário não sabe que esta bicicleta dorme todas as noites comigo, que é muito bem tratada. E o Valério tentou perceber quem é o funcionário, tão bruto, e tentou acalmar-me, rindo-se também com o facto da bicicleta ser muito estimada. “Calma, calma” – disse-me.
Cá está o treino em educação e hospitalidade que é preciso dar ao pessoal que lida com o público, nesta área do turismo. Mas foi o único caso que me sucedeu em toda a viagem, diga-se.

Já chegou o novo pneu com gel mandado pelo mecânico em Díli. O Valério mudou-o ali mesmo, eu testei, funciona. Prosseguimos viagem comigo na pickup, para já. Estamos agora em Pante Macassar e temos de passar a fronteira para a Indonésia (o Valério recomenda-me estar dentro da pickup). Vamos em direção a Kefa – ou Kefamenanu – uma cidade na parte de Timor indonésio.


¹ “ZEESM TL e RAEOA” (s.d.). ZEESM TL – Zonas Especiais de Economia Social de Mercado de Timor-Leste. Página consultada a 6 janeiro 2018,
<https://www.zeesm.tl/pt/zeesm-tl-e-raeoa/>

² “Lançada a primeira pedra inaugural da ZEESM” (2014, 26 Maio). Sapo Notícias. Página consultada a 6 janeiro 2018,
<http://noticias.sapo.tl/portugues/info/artigo/1386802.html>

³ Davidson, Helen (2017, 25 Maio) “Timor-Leste’s big spending: a brave way to tackle economic crisis or just reckless?”. The Guardian. Página consultada a 6 janeiro 2018,
<https://www.theguardian.com/world/2017/may/25/timor-leste-spending-big-economic-crisis>

⁴ “Timor-Leste – Oecusse Economic and Trade Potential : Overview of Oecusse Today and Long Term Potential” (2016). World Bank, Washington, DC. License: CC BY 3.0 IGO. Página consultada a 6 janeiro 2019,
<https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/24726>

⁵ “Trabalho” (s.d.). ZEESM TL – Zonas Especiais de Economia Social de Mercado de Timor-Leste. Página consultada a 6 janeiro 2018,
<https://www.zeesm.tl/pt/o-nosso-trabalho/>

⁶ Sampaio, António (2014) “Chineses querem comprar todo o projeto de Oecussi”. Plataforma Macau. Página consultada a 6 janeiro 2018,
<http://www.plataformamacau.com/lusofonia/timor-leste/chineses-querem-comprar-todo-o-projeto-de-oecussi/>

⁷ “Plataforma Macau – Descrição” (s.d.). Diáspora Lusa. Página consultada a 6 janeiro 2018,
<http://www.diasporalusa.pt/empresas/plataforma-macau/>

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