126 – Adeus Timor!

Cheguei ao apartamento às 11h, completamente transpirada, onde o Valério já me espera. Daqui a trinta minutos saímos para o aeroporto. Este calorzinho tão bom. Não há calor que me chegue. Não vale a pena tomar dez banhos por dia. Transpire-se, paciência. Quem não se der bem com o calor é melhor escolher outro destino.

Segue o detalhe final dos quilómetros feitos nesta viagem, a juntar aos reports já feitos na crónica 75 e na crónica 101:

21º Dia
Kefamenanu – Atambua – Mota-Ain
16 km na bicicleta
165 km na pickup
181 km no total

22º dia
Mota-Ain – Maliana – Suai
41 km bicicleta
76 km na pickup
117 km no total

23º dia
Suai – Zumalai – Atsabe
51 km na bicicleta
41 km na pickup
92 km no total

24º dia
Atsabe – Gleno – Díli
76,5 km na bicicleta
35 km na pickup
111 km no total

25º dia
Díli
8 km na bicicleta
12 km na pickup até ao aeroporto

Total:
831 km bicicleta
1.459 km na pickup
Total: 2.290 km

Aeroporto de Díli.

No aeroporto tive a surpresa de estarem à minha espera o Sanches e o Eduardo Massa, para se despedirem. O Valério ofereceu-me esta t-shirt do Tour de Timor, de 2011, quando ele acompanhou os ciclistas em trabalho. A minha viagem teve mais quilómetros, mas foi muitíssimo mais leve, pois eu não me meti a subir as montanhas todas de Timor, como eles fazem no Tour.
E a minha bolsa da cintura já não fecha. Há alguns dias, de facto. O fecho pifou.

E pronto, despedi-me dos três e fui para a zona de embarque, sozinha, pois só quem vai embarcar pode vir para aqui. Eu levo um saco de bananinhas timorenses atado na mochila. “Leva bananas” – disse-me a agente de segurança, nos raios-x. Ai, lá se vão as minhas bananinhas… “Não faz mal” – acrescentou ela. Uf. Efetivamente tenho várias premissas na minha cabeça, como por exemplo:

Fome = comer
Montanha = subir
Fruta = levar para Portugal

E tenho tido algumas dificuldades na vida com esta última premissa, a verdade seja dita. Só o embaraço que passei no Vietname, a querer levar aquelas frutas mal cheirosas (mas que sabem tão bem) e os funcionários do aeroporto a dizerem que não, que iríamos morrer todos dentro do avião com o pivete… São os queijos e são as frutas, temos que sofrer um pouco antes de saboreá-los, então…

Aqui estão a Dirce e o Eliseu. Foi a Dirce que se meteu comigo, em inglês. E eis que deparo com os dois vencedores dum concurso entre todas as universidades de Timor-Leste (quinze, disse-me a Dirce, se bem percebi: dez universidades em Díli, cinco noutros distritos. Eventualmente ela referir-se-á a Faculdades dentro de Universidades). A Dirce e o Eliseu vão representar Timor-Leste nas cerimónias da independência da Indonésia, dado que os seus discursos foram os vencedores. Foram inclusivamente trazidos aqui ao aeroporto com todas as honras: foram acompanhados pelo Embaixador da Indonésia. Vão no mesmo avião que eu, com destino a Bali. A seguir temos outro avião com destino a Jacarta e também vamos juntos. É a primeira vez que vão andar de avião, pelo que sem dúvida será uma grande emoção para ambos. Além da emoção de serem os vencedores entre todas as universidades de Timor-Leste, além da emoção de irem falar em público na Indonésia, ainda mais a emoção de andarem de avião. Cada qual tem um discurso preparado. Vão participar jovens universitários de vinte países, nomeadamente da Austrália, EUA, Holanda, Alemanha, França, Rússia, Inglaterra, Suriname, Uzbequistão, Malásia, Tailândia, Filipinas, Japão, Madagáscar, Índia, Arábia Saudita, Papua-Nova Guiné e Singapura (para além de Timor-Leste, claro). Entre estes vinte, será escolhido um vencedor.

A Dirce está no curso de Finanças, e pensa em ir trabalhar para o Ministério das Finanças, contou-me, e o Eliseu está no curso de Informática. O Eliseu não fala inglês e atrapalha-se com o português, pelo que foi a Dirce a interlocutora de ambos.
O Eliseu é de Gleno, em Ermera, onde eu almocei as deliciosas almôndegas com toucinho  – e o Eliseu conhece a Isabel do restaurante, pois claro (crónica 123); e a Dirce é de Lospalos, e o dono do Hotel em Lospalos onde eu pernoitei é seu cunhado (crónicas 21 e 36). Timor é uma ilha pequenina, todos se conhecem e estão ligados.
A Dirce tem oito irmãos e mudaram-se de Lospalos para Díli quando ela tinha 8 anos, porque em Lospalos não há universidade. Já o Eliseu tem dez irmãos.

Aqui vamos embarcar em Díli em direção a Bali.

Quando aterrámos em Bali, no aeroporto doméstico, tivemos de mudar de avião para Jacarta, agora no aeroporto internacional, e andámos com carrinhos e malas por corredores infindáveis, e inclusivamente pelo exterior do aeroporto. Eu estou habituada e sei que é preciso estar-se atento às placas e sinais indicando o caminho, e se necessário perguntar aos funcionários. Mas para a Dirce e para o Eliseu isto é uma confusão dos diabos, e ainda bem que estivemos juntos e andámos os três para cá e para lá, entretidos, inclusivamente a tirar fotos e a ver as lojas, até entrarmos no avião seguinte. Sempre pude ajudar. Chegámos às 14.10h a Bali e partimos às 16.50h para Jacarta.

Ambos têm dificuldade em dizer o meu nome. Chamam-me “Kuti”, curiosamente como eu era chamada na Índia também. O “R” é meio complicado para os asiáticos, está visto. E a Dirce e o Eliseu dão estalidos com a boca para demonstrar espanto. Também é um hábito timorense que de início – quando cheguei a Timor – eu não percebi. Depois comecei a habituar-me a ouvir os estalidos, enquanto conversava.

Aterrámos em Jacarta às 17.50h, e despedimo-nos. Não há beijinhos em Timor, pelo que foi só um adeus. Fazem-me confusão estes “adeuses” assim – adeus, adeus – trocámos de Whatsapps e convidei-os a visitarem-me em minha casa em Lisboa.
E pronto, a partir daí sigo sozinha o meu interminável caminho até Lisboa.

Antes de arrancar de Díli ainda descarreguei o meu email, com o cartão de telemóvel timorense. Eis que recebo um aviso do Teatro de Pequim a lembrar-me que tenho um bilhete reservado para a semana que vem. Esta é boa. Eu vou para Lisboa agora, mas até nem me importo de fazer um desvio por Pequim… Isto foi no ano passado, meus amigos! Não me digam que agora todos os anos vou receber um aviso. Até me desorientaram por uns segundos.

No avião entre Díli e Bali. Ao fundo a cidade de Díli. Que tristeza, partir. Adeus Timor!

Frango com arroz e legumes, tinha de ser. A comida preferida do Valério! Ficaria contente, ele. E esta é altamente picante.

Apanhei o avião em Jacarta às 21h até Istambul, na Turquia. Cheguei a Istambul às 4.15h da manhã, hora local, e de seguida tive um voo às 7.35h para Lisboa. O aeroporto de Istambul está empanturrado de gente, com muitas crianças a dormirem nos bancos, e adultos também, pelo que foi difícil arranjar um lugar para me sentar. As casas de banho têm filas enormes. Será sempre este movimento entre as 4 e as 7 da manhã? Ainda por cima o meu voo para Lisboa está “overbooked” e tentaram convencer-me a ir noutro, mais demorado. Ofereceram-me um crédito de 300€. Ainda hesitei. Mas estas viagens são uma tortura, não quero atrasar mais, fiquem lá com os 300€ e metam-me já neste voo, s.f.f. Tem onze horas de duração. Onze horas dentro dum avião. Felizmente dormi metade do tempo.

Cheguei a casa, em Lisboa, na 4ª feira, 15 de Agosto de 2018, às 12.15h. Foram 33 horas de viagem. Na ida para Timor foram 40h. O regresso é mais rápido devido às ligações.

Tudo em Lisboa me parece estranho, agora.
Quero ir comprar fruta. Tomar banho. A minha casa é mais uma casa, pernoitei em tantas neste último mês. Esta casa agora tem água quente e uma boa toalha.
Mas amanhã vou já trabalhar.
Dormi dez horas seguidas, sempre a sonhar com caminhos de terra que fotografo. Ao acordar de manhã, no dia seguinte, para ir trabalhar, levo alguns segundos a perceber onde estou, onde está a janela, a mesinha de cabeceira, o relógio para ver as horas, para que lado da cama saio. É a minha própria casa, mas eu experimentei tantas casas que já deixou de ser automático.

Parti com 55 kg, regressei exatamente com o mesmo peso.
O meu carro urbano parece minúsculo a conduzi-lo. Já venho habituada à enorme pickup. A porta é pequenina, o assento é pequenino, e vou aqui tão perto do chão… Parece um brinquedo. E esqueço-me de desligá-lo. Na bicicleta travo e desmonto, é mais simples. Agora no carro travo e saio. Foi abaixo por duas vezes. Falta a embraiagem, Rute, os carros têm embraiagem!
E voltar a conduzir pela direita. Isto está lindo.

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