101 – O Rochedo da Senhora que Chora

Estou agora com 57 km na bicicleta e são 14h. Vamos almoçar o que trouxemos do restaurante, esta manhã (crónica 98).

Nos 2.580 km totais estão incluídos os 838 km ao longo do rio Danúbio, na Europa Central. Estou no 20º dia da viagem em Timor e com 640 km de bicicleta até agora. 1.478 km, portanto, nestas duas viagens, até agora. Os restantes 1.102 km foram feitos em Portugal. Os 600 km da China em 2017 não estão aqui incluídos, pois não levei este GPS. Comprei-o no início de 2016, nada mau. Fiz estes 2.580 km de bicicleta em 2,5 anos, portanto. Mais os 600 km na China dá 3.180 km de bicicleta nestes 2,5 anos. (Agora, aqui em Timor, estou em Agosto de 2018). Espero fazer muitos mais no futuro. Haja saúde e dinheiro para viajar.

Segue o detalhe dos quilómetros feitos até agora, desde o último report na crónica 75:

16º dia
Oecusse
44 km na bicicleta
53 km na pickup
97 km no total

17º dia
Oecusse – Kefa – Soe
27,5 km na bicicleta
123 km na pickup
151 km no total

18º dia
Soe – Kupang
76 km na bicicleta
100 km na pickup
176 km no total

(Nota: a distância que eu fiz entre Soe e o hotel de Kupang foi de 96 km. Ou seja, fiz 76 km na bicicleta e outros 20 na pickup. Os restantes km feitos pelo Valério na pickup – 80 km – referem-se a afazeres ligados à viagem e ao seu próprio alojamento, juntamente com o guia Sanches, dado que não ficaram alojados no centro de Kupang como eu fiquei).

19º dia
Kupang oficina
5 km na bicicleta
149 km na pickup
154 km no total

20º dia
Kupang –  Kefamenanu por estradas alternativas
56,5 km de bicicleta
225 km na pickup
282 km no total

O meu já conhecido arroz embrulhado em folhas de bananeira (comemos o mesmo ontem ao almoço, na oficina), frango frito, e do lado esquerdo do arroz está uma espécie de patanisca, mas feita apenas com legumes, e puré de batata. Absolutamente deliciosa. Do lado direito estão legumes e um molho em pasta. Daquele bloco de arroz comi apenas uma parte. O resto foi para um dos cães equeléticos que por aqui andam. Também há peixe, comi uns bocadinhos de peixe também, que entretanto tiraram dos embrulhos.

O Rui, tendo crescido na Indonésia, come como os indonésios: com a mão. Conforme contei na crónica 98, o Rui é de Baucau, em Timor-Leste, mas veio morar para Kupang quando era criança, em fuga da guerra, e foi adotado pelos tios. Nasceu em 1980. Ora a invasão ocorreu entre 1975 e 1999. Hoje (em 2018, data desta viagem) tem portanto 38 anos. E trabalha na prisão de Kupang. Tem quatro filhos: 15, 11, 8 e 2 anos. A mulher faleceu há dois anos num acidente de mota em Timor-Leste, em que iam os dois, num perfeito azar: uma peça de metal numa casa atingiu-a na cabeça, em andamento. O Rui ainda não quer casar, contou-me, diz que amava muito a mulher. Eu disse-lhe que ela quereria a sua felicidade e que ele devia casar outra vez. Uns cinco anos depois do acidente, talvez, já será um luto mais do que suficiente. Quer que a filha de 15 anos comece a trabalhar primeiro, acrescentou. Está na escola secundária.

Não é sangue, é mesmo o Rui a cuspir a substância vermelha que se masca em toda a ilha de Timor – “Bua Malus”, a qual já apresentei na crónica 80.

E partimos novamente. Conforme expliquei na crónica 98, hoje temos um total de 282 km para fazer. É o dia maior e mais puxado de toda a viagem. Dadas todas as restrições que tive nos últimos dois dias – num tínhamos de passar a fronteira até determinadas horas, noutro a bicicleta avariou-se e passei o dia na oficina – hoje o Valério e o Sanches nem me disseram nada. Eu que pedale o que quiser. Estamos a caminho de Kefamenanu, cidade indonésia. Vamos por estradas rurais, em muito más condições, e não sabemos a que horas vamos chegar. Eu depois de almoço, de barriga cheia, sigo na pickup, ok, vamos acelerar agora.

O “Rochedo da Senhora que Chora” – chama-se assim – porque parece uma mulher grávida sentada. Reza a lenda que era a filha do Rei, a qual amava um homem não pertencente à nobreza. O Rei disse que ela não podia casar com ninguém de baixo nível e que se transformaria em pedra se o fizesse. E ela casou-se e aqui está o rochedo para sempre recordar o seu amor por aquele homem.
(Que romântico, vamos chorar um bocadinho…)

A pickup lá ao fundo.

Rute, a anti-lendas românticas! (Eu defenderia os encontros secretos entre eles… Qual casar e transformar-se numa rocha!… dessem umas escapadelas de vez em quando, e a criança nasceria, hoje seria adulta, já teriam netos certamente, e como o rei entretanto morreria, acabar-se-ia a maldição e eles continuariam vivos! Sejamos práticos).

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