075 – Um Furo!!

Chegámos à fronteira às 16.40h. Recordo que fecha às 17h. O Valério conduziu como na Fórmula 1. Fomos a acelerar loucamente e conseguimos chegar vinte minutos antes de fechar. Estamos na fronteira de Wini.

Vejo na sua farda as siglas DJBC, no ombro. Fazendo pesquisa na internet encontro “Direktorat Jenderal Bea Cukai”, em língua indonésia,  o que significa, segundo o Google Translator, Direção Geral das Alfândegas e Impostos Especiais.

O Benediktus é da Imigração. São as únicas coisas que consigo ler. “Imigrasi”, diz no seu peito.

Há uma multidão a querer passar a fronteira para entrar no enclave do Oecusse, como se pode ver na foto. Mas também são quase 17h, a fronteira vai fechar. Quem queria passar, já passou.

Depois de muitos carimbos, vamos para a última etapa da fronteira indonésia.

Na farda indica “TNI”, ou seja, Tentara Nasional Indonesia – Exército Nacional Indonésio. Metem-me medo, estes TNI, e o seu aterrorizante passado no tempo da ocupação indonésia de Timor-Leste. Mas este militar ainda usava fraldas, nesse tempo.

Agora é a fronteira de Timor-Leste. Já saímos da Indonésia, vamos entrar no enclave do Oecusse, pertencente a Timor-Leste. Oecusse também se pode dizer Oecussi, ou ainda Oecusse-Ambeno, ou Oecussi-Ambeno.

E é a partir da fronteira de Timor-Leste que eu quero fazer os primeiros quilómetros de bicicleta. Acabou-se o stress dos horários e das fronteiras. Irei atrás da pickup até ao hotel.

Mas não vou.
A bicicleta tem o pneu de trás vazio. Curiosamente eu ouvi um estrondo pouco depois de sair de Díli. Foi o primeiro de vários furos. O pneu tem vários furos, já nem enche. O que é muito estranho porque eu tinha câmeras de ar de gel, ou seja, daquelas que quando há um furo, elas fecham automaticamente.
O que aconteceu então? Em Díli a bicicleta foi para revisão, e na oficina do Benfica o mecânico fez o favor de trocar o pneu de trás sem avisar ninguém. Pior: trocou por um pneu normal, sem gel. Eu fiquei possessa. Absolutamente possessa. Estou prestes a pegar numa arma, no meio destas fardas todas,  e dar um tiro ao mecânico em Díli. Ou a esta distância talvez seja melhor um míssil. Eu estou com 430 km de bicicleta feitos até agora, a maior das vezes em terrenos duríssimos. E ele tira-me o pneu de gel. Eu nem dei conta, até agora, que até a jante é outra. Tive de ir ver nas fotos tiradas nos dias anteriores, para comparar. Efetivamente são bastante diferentes.

Agora a prioridade é arranjar a bicicleta. Eu até podia ir a pedalar na bicicleta suplente, mas não há tempo para isso. Temos que ir para a cidade procurar uma oficina, antes que fechem, pois está a anoitecer. E pneus de gel é para esquecer. Vamos ter que andar preparados para os restantes furos que virei a ter no resto da viagem.

Eu nem tirei mais fotos a coisíssima nenhuma a não ser oficinas. A minha entrada na capital do Oecusse, que se chama Pante Macassar, onde pernoitarei, foi em busca de oficinas. Quero lá saber das paisagens. O Sanches ainda tentou acalmar-me, disse para irmos para o hotel, e que depois logo resolveríamos o furo a seguir. Eu respondi-lhe, a deitar faíscas pelos olhos, que nem que tenha de dormir aqui no chão, não saio daqui enquanto a bicicleta não estiver arranjada. Esta foto foi tirada no mercado. Nem fotografei o mercado, só fotografei a oficina que existe ao lado do mercado.
E tivemos mesmo de sair, porém, pois nesta oficina só arranjam motas.
Por esta altura o Sanches ligou ao mecânico, a perguntar-lhe o que se passou. E passaram-me o telefone. Ouvi um pedido de desculpas, do outro lado, e eu não disse nada. Eu nem consegui dizer nada. Se dissesse, porventura diria alguma palavra muito feia, pelo que optei por ficar em silêncio e passei novamente o telefone ao Sanches. As faíscas dos meus olhos estão a incendiar tudo à minha volta, como naqueles filmes de ficção científica.

Finalmente encontrámos uma oficina que arranja bicicletas. Mas não vai ser feito arranjo nenhum. Nem sei porquê. Acho que é por ter tantos furos, isto já não tem solução. Para desenrascar optou-se por colocar a jante e o pneu da bicicleta suplente na minha. É que a bicicleta suplente não tem nem metade da qualidade da minha (que não é minha, é alugada). Andar no terreno pedregoso de Timor com a bicicleta suplente havia de ser lindo. Essa bicicleta é para passear na vila, não para fazer centenas de quilómetros. Ainda me faltam centenas de quilómetros até ao fim desta viagem.
Mas fiquei portanto com a bicicleta a andar, remediada provisoriamente. O mecânico em Díli vai enviar-nos um pneu novo, por avião, assim ficou decidido.
Mal sei eu, por esta altura, as consequências nefastas que esta história do pneu irá ter nos próximos dias. Mais vale manter-me na ignorância, por enquanto. Segue, Rute, segue. Guarda as faíscas. Devia era tê-las usado para matar as melgas que me picaram todo o tempo em que estive na oficina.

Segue o resumo de quilómetros feitos até agora. São 26 dias de viagem, hoje vou no 15º:

4º dia
Díli – Manatuto – Baucau
38 km na bicicleta
86 km na pickup
124 km no total

5º dia
Baucau – Com
47 km na bicicleta
43 km na pickup
90 km no total

6º dia
Com – Lospalos – Tutuala
59 km na bicicleta
10 km na pickup
69 km no total

7º dia
Ilha de Jaco
16 km na pickup
Não houve bicicleta

8º dia
Tutuala – Lospalos
35 km na bicicleta
Não andei na pickup.

9º dia
Lospalos – Loré – Lospalos
20 km na bicicleta
86 km na pickup
106 km no total

10º dia
Lospalos – Viqueque
27 km na bicicleta
108 km na pickup
135 km no total

11º dia
Viqueque – Same – Ramelau
54 km bicicleta
114 km na pickup
168 km no total

12º dia
Subida a pé do Ramelau. Descida de bicicleta até Alieu – Díli.
58 km na bicicleta
19 km na pickup
77 km no total

13º dia
Ilha de Ataúro
23,6 km na bicicleta
A pickup não foi para Ataúro. 6 km num tuk tuk.

14º dia
Ataúro – Díli
12 km na bicicleta.
6 km num tuk tuk.
Pequeno passeio em Díli na pickup, km não contabilizados.

15º dia
Díli – Oecusse
56 km bicicleta
82 km na pickup
138 km no total

Ao 15º dia tenho portanto 430 km na bicicleta, e 564 na pickup, num total de 994 km feitos. Não estou a contar os 12 km de tuk tuk em Ataúro. Se os incluir, então terei 1.006 km feitos. Como se pode verificar, os percursos diários de bicicleta são relativamente pequenos. Nem dão para cansar. Na viagem à Europa Central os percursos diários, com boas estradas sempre a direito, eram bastante maiores. Mesmo na China cheguei a ultrapassar os cem quilómetros diários. O objetivo nesta viagem a Timor é conhecer a ilha praticamente toda, pelo que também não posso alongar-me na bicicleta, temos que despachar-nos, e então passo para a pickup. Senão estas férias, conforme já comentei noutra crónica, em vez de 26 teriam 260 dias.

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