081 – Dança da Capoeira na Roça Uba Budo, Regresso & Almoço

Estou vermelha que nem um tomate, mas a subida para chegar aqui não foi fácil!! Ainda perguntei se por aqui existem táxis-partilhados, mas não. Não há esse serviço aqui. As estradas não são alcatroadas, são de terra, e os táxis não vêm aqui. Bom, irei a pedalar. E tenho uma grande subida até Belém.

Nasceu para sofrer. Não tem mais do que alguns meses de idade, mas aquela infeção na pele não o largará o resto da vida, pois habitualmente ninguém trata os animais por aqui.
Sofrerá e será infeliz com o desconforto permanente, comichões e feridas, até morrer.
Tolda-me o prazer da viagem.
Mas andamos às escuras, sem luz, porque o Estado não está a pagar as contas aos fornecedores, como expliquei na crónica 77. E as pessoas não têm canalização em casa, têm que ir buscar água ao chafariz todos os dias, para cozinhar, lavar, tomar banho… Onde é que ficam os cães nesta história?… Salve-se quem puder. Se calhar nem existem shampoos à venda, nas farmácias, para tratar destas infeções num cão. Só encontrar os adesivos para os meus pés já foi um sarilho. E no caso de existir custará quanto? Uns 30€? Isso é quase metade dum ordenado aqui no país. Esqueçam lá o paraíso. Paraíso é para nós, europeus e americanos com dinheiro no bolso, e prontos a sermos evacuados em caso de necessidade, como recomenda o relatório norte-americano da OSAC, na crónica 78.

As pessoas estão reunidas e disseram-me que vão dançar a capoeira. Hoje é sábado e é meio-dia.

Não pude demorar-me porque se aproxima a hora de almoço e eu tenho que despachar-me. Prossegui viagem. Comi agora a última barra de proteína que trouxe de Portugal. E só tenho um gel energético, consumi o penúltimo. Ainda tenho uma semana pela frente, vou ter de comer bananas e bolachas e fruta-pão e tudo o que me aparecer à frente. A máquina sem combustível não funciona!!
Esta lagartixa observa-me e deixa aproximar-me um pouco. O zoom da máquina está no máximo. Se calhar quer umas migalhas.

E esta centopeia ia a atravessar a estrada. Eu travei a bicicleta e desmontei. Ela voltou para trás, muito apressadamente, a fugir, com as suas 38 patas. Tem 19 patas de cada lado, contei. Mais aquelas duas de trás. São 40 patas. E vai a toda a velocidade, na medida do possível. Eu jamais lhe faria mal, mas ela não sabe. Foge muito assustada., coitadinha. Teve sorte em ser eu a passar na bicicleta. Se fosse outra pessoa talvez a matasse. Algumas pessoas têm tendência para matar tudo. Cobras inclusive. Não percebem que são elas próprias que estarão a mais, se calhar, na floresta.

Pouco depois de ter tirado esta foto, começou a chover. São 13h07. Os últimos 5 km foram a subir debaixo de chuva. Vesti o impermeável. Eu cansada, a chover, a subir devagar na bicicleta, a pedalar pela estrada acima em direção a Trindade, de impermeável vestido e abotoado, a transpirar por todos os lados, e umas crianças metem-se comigo. Uma menina dos seus dez anos diz “Tão bonita!“. Eu até me ri e acenei-lhe com a mão, não parei, a chuva normalmente vai piorando e eu quero despachar-me, já não tenho água e quero chegar sem demoras ao hotel, reabastecer de água, encostar a bicicleta e almoçar.

São 14h18 e vou finalmente almoçar! Um belo peixe vermelho com banana frita, no restaurante da Nelta. Já cheguei a Belém e tenho 36 km na bicicleta.
Mostrei a foto do Eca à Nelta, como ele próprio sugeriu, a avisar que virá 2ª feira trazer-me fruta, para a Nelta me chamar.

A Nelta deu-me uma manga como sobremesa.
Tudo ficou em 40 dobras (1,60€).

Para lavar as mãos depois de comer a manga.
Eu também quis comprar pão para o meu pequeno-almoço amanhã, mas já não há. Fui então ao quiosque do outro lado da estrada, onde comprei dois iogurtes, 10 dobras cada, mas também não há pão. Mau. Então a Nelta vai mandar vir, juntamente com bananas, e irá entregar-me.

Recolhi-me no resort às 15h. As duas amigas aranhas já não estão na casa de banho, não as vejo em lado nenhum. Vou tomar um duche e passo revista à toalha de banho, não vá eu embrulhar-me nela com as aranhas penduradas. Espero que a Virgínia não lhes tenha feito mal. Logo à noite encontrar-nos-emos novamente. Se calhar este quarto é delas, moram aqui, eu é que estou de passagem.

E agora são 17h, hora do lanche. A Nelta trouxe-me pão, bananas e uma carambola de oferta. Tudo 15 dobras. Quando vi a carambola, dentro do saco, fui a correr atrás de si: “Como se come isto?” (Que eu me lembre nunca comi uma carambola). “É lavar e comer assim, com casca.”, respondeu-me. Agradeci. Como eu não posso comer fruta com casca, vou ter de provar de outra maneira. Ficará para o lanche de amanhã.

O segurança Abílio (que apareceu na crónica 74) chegou às 18h. Estive a conversar um pouco consigo. Tem 56 anos e combateu na Guiné. Eu disse-lhe para trazer o colchão para o corredor onde dorme no chão, no alpendre. Diz que lá não há nada, na casinha azul. Eu devo ter-me mostrado desconfiada, o que o fez responder “Pode ir ver!” Efetivamente um segurança noturno quando está a tomar conta de algo, à noite, não é suposto ter um colchão para dormir. Mas não exageremos, este resort não é nenhum banco para assaltar. Então eu fui espreitar nos guarda-fatos dos outros quartos à procura duma colcha ou cobertor para pôr no chão. Encontrei uma colcha branca, e mais uma toalha de banho – tudo branco – e estendi-as no chão. Pois com certeza que eu teria preferido outra cor, castanho, ou azul escuro, para pôr no chão, mas só existe roupa branca. “Que deus a abençoe pelo que fez”, disse-me o Abílio. “Já não tem 20 anos”, disse-lhe eu. “Com 56 anos os ossos já não aguentam dormir no chão. Depois eu escondo as coisas e amanhã voltamos a pôr” – acrescentei. O Abílio traz dois panos na mochila, disse-me. “Panos”, foi a palavra que utilizou. Paninhos para dormir no chão não chegam!

Nasceu no Príncipe, no Picão (onde eu passei na crónica 26, e almocei na 29). A última vez que lá foi foi há cerca de 8 meses quando o barco afundou. Já afundaram dois barcos. Morreu muita gente, disse-me. “As pessoas não sabem nadar?”, perguntei. “O barco vira com a carga, não há hipótese”, respondeu. E por isso gastou 5 mil dobras para voltar de avião.
O Abílio tem uma filha em Portugal. Eu disse-lhe que faltam 6 anos para se reformar, dado que a idade de reforma em São Tomé e Príncipe é aos 62 anos, conforme aprendi ontem com os coveiros do cemitério de Trindade. Mas o Abílio respondeu-me que não lhe dão nada, que não há documentos.

Às 18h30 eu dei sinais de cansaço. “Estou cansada – disse-lhe – não quero estar em pé, e já estou cheia de sono”. “Já?”, perguntou ele. Contei-lhe que acordo às 4 e que fui a Uba-Budo hoje, fiz 36 km na bicicleta. Amanhã não sei se vou a Agostinho Neto ou se durmo até mais tarde. Pedi-lhe para não me acordar quando se for embora, se eu decidir dormir até mais tarde.

Acabei entretanto de tratar das fotos, e tenho que decidir o programa de amanhã antes de ir dormir. E preparar as coisas para amanhã – comida, papel higiénico, água, pilhas, baterias, roupa. Tenho uma certa azáfama.
Amanhã é domingo e calhava bem ir à praia: há mais gente, as praias não estão desertas. Também quero ir ao Pico Cão Grande (cujo vislumbre espetacular tive-o na crónica 71). Tenho que ir de carro até lá perto, e depois tenho que ter um guia pelo meio da floresta para chegar mesmo ao Pico. Mas há muita complicação para a ida. O guia Mayke só quer às 9h. É tarde demais, eu quero arrancar às 5h30, como habitual. O taxista-motard Dionísio ficou de dar-me um contacto, mas não diz nada. Entretanto fui à net pesquisar. Aparecem trinta mil imagens iguais do Pico e mais nada. Até parece que ninguém ainda fez turismo nesta ilha, com tanta falta de informação detalhada, conforme apontei logo na introdução destas crónicas.

Às 8 eu estou a cair de sono, ainda a trocar mensagens de WhatsApp com o Mayke e o Dionísio a ver se consigo ir ao Pico Cão Grande, até que o telemóvel deixou de funcionar. Deixei de conseguir desbloqueá-lo. Coitado, nunca mais foi o mesmo desde a chuvada que apanhou no Pico do Príncipe. Eu nem quis saber. Fui dormir. Acabou-se a conversa à força.

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