078 – 23º Dia, a Caminho de Uba Budo (Velho) & Segurança no País

Ontem foi um dia de descanso, e hoje regresso às lides habituais. São agora 4h28 da manhã. Banquete à vista! A luz não faltou e preparei novamente um café com leite.

Comecei hoje o 4º frasco de repelente de insetos.

Na casa de banho afinal tenho um casalinho de aranhas. A aranha que fotografei na crónica 74 afinal tem outra aranha de companhia. Estão as duas na parede. Mantiveram-se impávidas e serenas no mesmo local entre as 4 e as 5h30, hora a que saí. Eu constantemente a entrar e sair da casa de banho, a despachar-me. Os seus olhinhos brilhantes acompanham todos os meus movimentos. Não tenho qualquer privacidade na casa-de-banho, portanto. Até podem ser bichos falsos, peludos, de plástico, com duas câmeras nos olhinhos, para me espiarem. Não se mexem! Só os olhos brilham!

E apanhei o segurança Abílio, quem está agora a tomar conta do resort na ausência do dono (Célio Santiago, que foi para Portugal) a dormir no chão do alpendre. Pelos vistos não dormiu na sua pequena casa azul – a qual mostrei também na crónica 74.

O destino hoje, decidi ontem à noite, é a Roça Uba Budo. São 16 km até lá (e serão outros 16 para cá), e conforme se pode ver na linha azul em baixo, a primeira parte do percurso é sempre a descer, e depois a meio começa outra vez a subir.
Choveu às 4h30, está tudo molhado, mas aparentemente não vai chover mais.

Recordo que estão assinalados no mapa todos os pontos que visitei até agora. Ainda está a faltar-me a parte sudeste. Já lá passei, mas de carro, sem parar. E falta também uma incursão pelo Parque Natural Obô. Hoje estou no 23º dia desta viagem, ainda tenho 6 dias pela frente. A viagem dura 29 dias. Lá chegarei!

Tirei esta foto e só depois dei conta que tenho a lente da câmera cheia de pingos de lama. A máquina vai às costas, sem proteção. Choveu esta manhã, está tudo lamacento, e ao rolar (como dizem os santomenses) – ao rolar na bicicleta, é pingos de lama por todo o lado. Pedi então um momento a este homem, limpei a lente e tirei-lhe uma nova foto. Ele riu-se, paciente.

Está a apanhar fruta-pão na árvore do seu quintal. Tem uma faca presa na ponta desta cana, e assim chega aos ramos mais altos.

A bicicleta trava talvez a 90%. Recordo que na última crónica foram mudadas as pastilhas dos travões. Agora ouve-se um barulho metálico enquanto rola; só quando estou a travar é que não se ouve. Não faço ideia de onde vem o barulho. Eu bem que olho para baixo, enquanto pedalo, mas não consigo perceber o que está a bater. Neste silêncio, andar com um tac-tac metálico é maçador.

São 6h15. Estas pessoas vão vender os seus produtos ao mercado. Não sei qual é o mercado, pode ser o de Trindade, o do Cruzeiro, ou talvez o mercado central de São Tomé, na cidade.

Esta menina (ou senhora) de tshirt branca ficou muito espantada por eu andar sozinha na bicicleta. Perguntou-me se não tenho medo. Disse-me que ela própria tem medo, que aqui matam as mulheres que encontram sozinhas na floresta. Matam as mulheres? – perguntei-lhe. Sim! – respondeu ela. Perseguem-nas e matam-nas!
Ela parecia muito assustada e convincente, não me pareceu estar a brincar, e disse que eu sou muito corajosa. Bom, eu nunca ouvi falar em tamanha violência em São Tomé e Príncipe. Não andam assim a matar as pessoas, por aqui. Sobre os índices de criminalidade, os únicos dados disponíveis, fidedignos, são das Nações Unidas e referem-se a 2011: 3,4 homicídios por 100.000 pessoas¹. A população anda em 2019 pelos 205 mil habitantes. Não há dados mais recentes. Angola tem 4,8 (2017). Cabo Verde 11,5 (2016). EUA 5,4 (2016). Portugal 0,6 (2016).
Quem quiser consultar mais países basta ir ao link na bibliografia no final desta página.

No último relatório da UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime), de 2019, São Tomé e Príncipe nem consta. O relatório mais atualizado – e relativamente fidedigno – que se encontra na internet é do OSAC – Overseas Security Advisory Council, dos EUA. É de 2019 e reza assim:

Há um risco mínimo de criminalidade em São Tomé. Crimes violentos direcionados a estrangeiros ou turistas não são frequentes. O crime mais comum relatado pelos estrangeiros é o roubo de itens não acompanhados. Crimes como roubo, furto de carteiras e invasão armada de casas ocorreram nas ilhas, principalmente nas férias de inverno. O roubo de carteiras é predominante nos mercados, nas ruas ou perto de hotéis.

Os acidentes de trânsito são um dos maiores perigos para os visitantes. Tenha extremo cuidado, tanto como condutor quanto como pedestre. O controlo de excesso de velocidade e de condução imprudente tem sido historicamente inexistente, embora isso possa estar a mudar. Alguns visitantes da ilha de São Tomé relataram que a polícia tem reprimido condutores sem carta. Ainda assim, os riscos nas estradas incluem pouca iluminação das ruas, falha dos condutores em obedecer aos sinais de trânsito, falta de passagens de pedestres, gado e animais selvagens nas estradas, veículos em movimento lento, camiões grandes, condutores inebriados e paragens irregulares de táxis, motos e outros veículos. Existem apenas alguns quilómetros de estradas pavimentadas na ilha do Príncipe; as condições são semelhantes às encontradas em São Tomé.

Os cuidados médicos adequados são limitados no país. No caso duma lesão traumática ou emergência médica, considere a estabilização temporária e a evacuação médica, se possível. A disponibilidade de médicos e o acesso às instalações hospitalares não são confiáveis, o equipamento médico não funciona ou carece de operadores treinados, medicamentos e instrumentos cirúrgicos podem não estar disponíveis e as condições sanitárias podem estar abaixo do padrão. As equipas de emergência e o pessoal médico provavelmente não falam inglês.²
(Fim de citação)

Posto isto, o meu maior problema não é o crime, portanto. O meu maior problema é dar um trambolhão na bicicleta e ir parar ao hospital.
“Vai bem, vai com deus”, despediram-se elas de mim.

O selim continua com a fita-cola colocada pelo Rato Cabinda, da Roça Bombaim (crónica 59). Está ali para durar!

Está bonito, heim? Bem tratado. Gordinho e sem sarna. Até dá gosto. Tem uns donos que gostam dele, está visto.

A minha bicicleta está ali encostada ao muro, junto ao tronco da árvore gigante!!

Parece um brinquedo, a minha bicicleta! Uma miniatura!!

Cacau. Quando amadurece fica amarelo.

Papaias.

Aqui começou a chuviscar. Eu protegi-me debaixo desta casa, sobretudo para tapar a câmera e o telemóvel com sacos plásticos. Mas estava tudo deserto quando eu cheguei. A minha bicicleta está ali encostada, e entretanto saíram pessoas das suas casas, percebi que iam trabalhar, e outros vieram cumprimentar-me. São 7h15. Perguntei como se chama esta povoação, responderam-me “Guegue”.


¹ “São Tomé e Príncipe” (s.d.) UNdata. Página consultada a 26 dezembro 2019,
<https://data.un.org/en/iso/st.html>

² “São Tomé & Príncipe 2019 Crime & Safety Report” (2019, 29 Maio). OSAC – Overseas Security Advisory Council. Página consultada a 26 dezembro 2019,
<https://www.osac.gov/Content/Report/e3a015de-2ec3-4385-8ccb-15f4aed1ef98>

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