079 – Roça Uba Budo

Vi pássaros mais pequenos do que pardais, cinzentos e azuis claros. Eram vários e voavam baixo, nos arbustos. Muito rápidos, muito nervosos.

Vai “leve-leve” – dizem-me as pessoas quando me vêem subir a pé, com a bicicleta pela mão. Esta foto foi tirada com a máquina no chão. Não parece mas é uma valente subida, e com calçada muito escorregadia.

Vestígios de fruta-pão caída da árvore.

A chegar à Roça Uba Budo, a sede. O meu destino final é a seguir – uma filial de Uba Budo a que chamam “Uba Budo Velho”. Mas vou para já conhecer a sede. São 8h e tenho 14 km na bicicleta.

– Oh branquinha, moras aqui em Uba Budo? – perguntei-lhe.
– Branquinha és tu!
– E tu também!
😃

Recordo que as roças são antigos edifícios do tempo do colonialismo português, grandes propriedades rurais onde se produziu cacau e café, nos finais do séc. XVIII e inícios do séc XX. Atualmente a maioria está em avançado estado de degradação, e alguns dos edifícios são habitados pela população. É o caso desta Roça Uba Budo.

Veja-se esta notícia de Maio de 2019:
ONU financia combate às alterações climáticas em São Tomé e Príncipe com 4,1 milhões de euros
Lançado em agosto do ano passado, este projeto destina-se a promover a restauração e gestão sustentável dos ecossistemas florestais, com vista a reduzir as emissões de carbono, resultantes da desflorestação e reverter a degradação do solo.
“Com o arranque deste projeto, estamos convencidos que estarão criadas as premissas fundamentais para a melhoria da exploração sustentável dos recursos florestais e a erradicação da extração ilegal da madeira no nosso país”.¹

E cito novamente o estudo de 2014 da engenheira agrónoma santomense, Erizalva Costa:

As mudanças climáticas, como consequência do aquecimento global, já se começam a sentir no país e têm posto em perigo algumas comunidades costeiras. Tem-se registado uma subida de nível do mar, alterações de chuvas e de outros fenómenos atmosféricos: já há registo de destruição de habitações por fortes pluviosidades, inundações de diversas comunidades costeiras, assim como destruição dos seus materiais de pesca, pelo avanço das águas do mar.

O arquipélago de São Tomé e Príncipe é detentor de uma fauna e flora muito rica, com muitas espécies endémicas. Contudo esta biodiversidade biológica encontra-se ameaçada com o fenómeno de alterações climáticas, desflorestação, erosão dos solos, degradação costeira, mau uso de áreas agrícolas, má gestão dos resíduos, caça e pesca insustentável, entre outros. Por ser um pequeno estado insular, o que agrava ainda mais todos esses problemas, o Governo de São Tomé e Príncipe tem começado a manifestar alguma preocupação para com o meio ambiente, estando ciente que mesmo sendo um dos países que menos contribui para o aquecimento global, está sujeito às maiores consequências deste fenómeno.

De acordo com o Banco Mundial, em 2012 houve um investimento de 108 milhões de dólares em São Tomé e Príncipe, dos quais 4,2 milhões destinavam-se à operação de Adaptação Climática, financiado pelo Fundo Mundial para o Ambiente. Este fundo visa melhorar as capacidades das comunidades costeiras expostas ao impacto da variabilidade e de alterações climáticas.

O despertar da consciência nacional para uma exploração sustentável dos recursos e a preservação ambiental, inicia-se com a participação de São Tomé e Príncipe em vários eventos internacionais. Com o apoio dos organismos internacionais, o arquipélago foi-se envolvendo cada vez mais nas questões de sustentabilidade ambiental. Foram criados Projetos como os de Adaptação às Mudanças Climáticas nas Zonas Costeiras de São Tomé (financiados pelo Banco Mundial); Adaptação às Mudanças Climáticas de uma forma geral (financiado pelo Governo Japonês e pelo PNUD); Abordagem Integrada do Ecossistema à Integração e Conservação da Biodiversidade na Zona Tampão; Promoção do Ambiente Sustentável e Resiliência ao Clima; Reforço de Informação sobre o Clima e os Sistemas de Alerta Precoce em África Central e Ocidental (ambos financiados pelo PNUD); Projeto de Conservação e Utilização Racional dos Ecossistemas Florestais de África Central (ECOFAC), com o financiamento da União Europeia e afins.

De acordo com este plano nacional ambiental e com objetivo de proteger e preservar os ecossistemas florestais, já foram criados dois Parques Naturais Florestais (Parques Naturais d’Obô), sendo um na ilha de São Tomé com uma área de 235 km² e outro na ilha do Príncipe com uma superfície de 65 km².

A região centro-sudoeste foi poupada da devastação [causada pelas plantações de cacau], devido ao seu relevo bastante acidentado, o que permitiu preservar o seu potencial florestal húmido d’Obô (denso). Este facto foi deveras importante, não só para o sistema agrário do arquipélago, como também para a função essencial das florestas tropicais como sumidouros de dióxido de carbono, na problemática das alterações climáticas.

Além dos Parques Naturais d’Obô, foram criadas as Reservas Naturais do Ilhéu das Rolas (6 ha) e das Ilhas Tinhosas (15 ha), em São Tomé e no Príncipe respetivamente.
Não menos essencial, também é a criação do Jardim Botânico na Roça Bom Sucesso, com 400 espécies de flora endémica e mais de 1000 amostras de plantas, incluindo 100 espécies de orquídeas diferentes.

Inserido na Lei de Proteção da Floresta e na Lei de Conservação da Flora, da Fauna e de Áreas Protegidas e no programa de proteção florestal, o abate legal das árvores implica uma aprovação por parte da Direção da Agricultura e Florestas. Os fiscais da Direção das Florestas vão ao terreno e avaliam se a árvore está dentro dos padrões de abate. Esta medida adotada pelo governo são-tomense visa reduzir o abate ilegal de árvores e preservar o património florestal. O cidadão que não cumprir com estes parâmetros está sujeito a restituir o valor do bem ao Estado.

Este falcão vive aqui na Roça Uba Budo. Foi apanhado quando era pequeno e cresceu aqui. Tem 5 anos. Cortaram-lhe as penas das asas que lhe permitem voar, pelo que ele não consegue voar. O seu dono – Dani – está na foto abaixo e explicou-me isto. Fiquei com muita pena do falcão. Então nunca sairá desta povoação e nunca constituirá família, nunca terá um companheiro, ou companheira? – perguntei. O dono respondeu-me que não sabe se é macho ou fêmea, mas que está a pensar nisso, experimentar arranjar-lhe um (ou uma) companheira, para ver a qual reage.

Às 9h sigo para Uba Budo Velho, a 3,5 km de distância – diz o GPS.
Passei uma hora aqui na Roça Uba Budo, com muitas conversas e sessões fotográficas. Despedi-me de todos e parti por este caminho.


¹ “ONU financia combate às alterações climáticas em São Tomé e Príncipe com 4,1 milhões de euros” (2019, 21 Maio). Agência Lusa. Observador. Página consultada a 29 dezembro 2019,
<https://observador.pt/2019/05/21/onu-financia-combate-as-alteracoes-climaticas-em-sao-tome-e-principe-com-41-milhoes-de-euros/>

Costa, Erizalva (2014) “A Exploração dos Recursos Naturais e a Preservação Ambiental: O caso de São Tomé e Príncipe”. Dissertação de Mestrado em Economia e Gestão do Ambiente. Faculdade de Economia, Universidade do Porto, pp. 25, 32, 40, 43, 45-47. Documento consultado a 29 dezembro 2019,
https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/77581/2/33655.pdf

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