035 – A Primeira Tarde em São Tomé
Um supermercado! Já nem me lembrava do aspeto dum supermercado! E andei com os seguranças todos atrás de mim, pelos corredores, porque não querem fotos! Não querem fotografias a fazer publicidade gratuita… eu aqui a oferecer-lhes publicidade gratuita, e os seguranças atrás de mim… isto é mesmo falta de visão… Há quem pague tanto para fazer este tipo de publicidade, mas estes seguranças têm receio de perder o emprego… e os donos não os informam que é bom os turistas fotografarem e fazerem publicidade… Enfim. Esta fotografia foi tirada sem flash, à pressa, mal e porcamente, antes que os seguranças me expulsassem… eu quero leite e água, tenho de comprar leite e água antes de me expulsarem por fotografar o paraíso do consumo!! Eu venho do Príncipe, não estou habituada a estas coisas!!
Leite açoriano a 20 dobras o litro (0,80€ – continua caro, mas no Príncipe é o dobro!) e garrafões de água de 6 litros a 28 dobras (1,12€), duma marca branca portuguesa. No Príncipe, um garrafão de 6 litros duma marca portuguesa era 70 dobras (2,80€). Nem sequer tinham marcas brancas à escolha. Desgraçados dos principenses.
Eu, perante tamanha abundância, acabada de chegar do Príncipe onde nem fruta consegui comprar durante os 12 dias, por não haver à venda (só consegui comprar os dois maracujás gigantes no aeroporto), parecia uma criança nos corredores do supermercado. Só faltou eu pedir à mãe para me comprar isto e aquilo. Mas a minha mãe está em Portugal, e eu já tenho o meu próprio dinheiro numa carteira minha. Ainda comprei um néctar Compal por 14 dobras (0,56€), o qual tratei logo de beber ainda dentro do carro.
Deixei no supermercado 302 dobras (12,08€) só nestas três coisas – água, leite e sumo – o que para um europeu não é nada. Mas em São Tomé é uma semana de ordenado, conforme expliquei na crónica 13, onde apresentei os ordenados médios da população. Este local deve ser sagrado para um santomense como o segurança, e tirar fotos é sem dúvida um sacrilégio.
E deram-me moedas no troco! Eu nem sabia que existiam moedas em São Tomé e Príncipe. São as primeiras que vejo. No Príncipe só vi notas.
Comprei esta carga toda baseada na experiência do Príncipe: nos 12 dias em que lá estive consumi 27 litros de água, e 4 litros de leite. (Mais os meus 8 pacotinhos de leite com chocolate). Fico já abastecida para muitos dias, portanto. Tenho 17 dias aqui na ilha de São Tomé.
A minha alma está parva. Só não caio para o lado, perante tamanha abundância, porque estou sentada dentro do carro e a porta impede-me de cair. Fruta! Mercados! Supermercados! Comida! Estou pasmada. A fortuna que paguei a levar comida na bagagem para o Príncipe, foi o melhor que podia ter feito. Comi quase tudo lá, no Príncipe. A minha bagagem veio mais leve. Felizmente bananinhas já não me faltarão, na ilha de São Tomé! Recordo que fui duas vezes ao mercado central de Santo António e em nenhuma das vezes havia fruta à venda. Quando perguntei por banana-prata ou qualquer outro tipo de fruta, disseram-me que seria difícil, para eu aparecer às seis da manhã a ver se havia alguma coisa (crónicas 5 e 13). Só havia banana-pão, para cozinhar, e legumes também para cozinhar. Fruta fresca, para comer no momento, não vendiam.
O Célio Santiago, que foi buscar-me ao aeroporto, comprou aqui bananas para colocar ao meu dispor. E eu também comprei dois cachos a esta senhora da direita, um de banana-prata (a normal, que comemos habitualmente em Portugal) e outro de banana-maçã (mais pequeninas e frutadas, parece que sabem a laranja ou maçã, perfeitamente deliciosas), e comi logo três no carro (estão a ver o meu desespero… eu já nem espero para comer… eu venho tão esfomeada que despacho logo tudo dentro do carro).
Eu comi bem no restaurante da Kita e do Paixão, entenda-se. Mas as refeições ao longo do dia não são feitas apenas de peixe, carne e arroz. Há que lanchar, há que cear, há que comer qualquer coisa a meio da manhã. Fruta! Bananas! Bolos! Crepes! Sei lá. Eu não consegui comer nada disso no Príncipe, a não ser o que levei – os meus cereais do pequeno-almoço, por exemplo, os pacotes de leite com chocolate, as barras de cereais com frutos vermelhos, as bolachas com recheio de chocolate.
Irei comer bananas-maçã aqui na ilha de São Tomé como se nunca tivesse visto bananas em toda a minha vida. E irei comprar outras frutas também. Tenho 17 dias pela frente para encharcar-me!! Tem calma, Rute, tem calma, respira fundo.
O Célio pediu nesta oficina para encherem os pneus da minha bicicleta (pareceu mais uma ordem, não propriamente um pedido, dada através da janela do jipe… Apercebo-me que o meu anfitrião é conhecido por todo o lado).
Cheguei às 11h15 ao resort ecológico onde vou ficar nestes 17 dias. Mais ou menos no centro da ilha, numa zona chamada Belém. Aqui está a Virgínia, que vai cuidar de mim nestes dias. Ou pelo menos vai cuidar do meu quarto e dos meus pequenos-almoços. Ou pelo menos da louça que eu deixarei suja às 4 da manhã, porque efetivamente não iremos encontrar-nos a tais horas.
A casa onde vou ficar alojada nestes 17 dias na ilha de São Tomé. Há silêncio e pássaros a cantar.
Prefiro sempre alojamentos pequenos, num estilo mais caseiro, preferencialmente no campo. Sobretudo a fazer BTT, como agora. Também existem grandes hotéis em São Tomé, na cidade, alguns de 5 estrelas. Há alojamentos para todos os gostos. O Célio Santiago indica-me que cerca de 95% dos turistas vêm com pacotes das agências de viagens para os grandes hotéis da cidade. Estes resorts ecológicos ficam com 5% do mercado. Mas eu tenho a certeza que as pessoas nem sabem que isto existe. As pessoas vão a uma agência de viagens, vêm os preços, pagam e pronto. Nem sabem que existem outras coisas melhores. Pois eu passei muito tempo agarrada à internet a descobrir onde queria ficar. E descobri este mimo. Este e outros, há vários resorts ecológicos em São Tomé. Escolhi este por ficar mais no centro da ilha. Eu irei partir todos os dias de bicicleta, nas várias direções, e depois retornarei aqui.
Tenho seis rolos de papel higiénico! Um no porta-papel (ao lado da sanita, não se vê nesta foto), outro em cima do autoclismo, e mais quatro dentro da embalagem ainda por abrir! Até me parece mentira… No Príncipe tive de ir à mercearia comprar, a certa altura, pois esqueciam-se de deixá-lo no quarto…
Mais: tenho dez toalhas!! Até as contei!… Todas dobradinhas na estante, aqui na casa de banho… Caramba, desta vez não vou precisar de pedir que me troquem as toalhas… as toalhas já todas sujas, de eu chegar lamacenta e lavar-me por partes rapidamente, antes que faltasse a água, e só podendo tomar um banho completo lá para as 17h, quando a água voltasse… dá para imaginar o estado das toalhas, a certa altura. Bom, aqui tenho toalhas em fartura.
E tenho uma cozinha! Para preparar os meus pequenos-almoços! A Virgínia ensinou-me tudo – onde estão os talheres, os pratos, como se liga o gás e como se acende o fogão, onde está a frigideira para estrelar ovos, ou o fervedor para cozê-los. Mostrou-me os ingredientes no frigorífico – pão, queijo (queijo!!), fiambre, chourição, creme para barrar o pão, bananas, leite… os ovos! Uma lata de salsichas! Máquina de café! Isto vai ser uma festa às 4 da manhã. Até me parece mentira. Eu venho do Príncipe, isto tudo é anormal para mim… E paguei mais pelo alojamento no Príncipe, atenção. O alojamento do Príncipe foi mais caro do que este em São Tomé. Tudo é caríssimo no Príncipe. E escasso.
E sabem o que é melhor de tudo? É que nestes dias sou a única hóspede! Tenho este casarão todo só para mim! Estamos em julho, só são esperados hóspedes lá para agosto!
Tenho que ir montar a bicicleta!
A água que abastece a casa vem dali, da bomba à esquerda.
Sol para secar as sandálias!
O Célio Santiago fez-me o favor de encomendar o almoço no restaurante ao lado, dado que ainda não conheço nada e tenho as bagagens para arrumar. São 12h45. Escolheu Peixe Vermelho com fruta-pão assada, e escolheu muito bem, está delicioso. 60 dobras (é o preço normal, 2,40€). Efetivamente eu comeria quatro peixes iguais a este, muito leve, branquinho. E claro que a saladinha teve de sair dali, com grande pena minha.
E mais uma cerveja artesanal, aqui de São Tomé, sem rótulo, por 20 dobras (0,80€). Pelo que percebi vende-se assim mesmo, sem rótulo. Eu não sou grande apreciadora de cerveja, pelo que não sei avaliar bem, mas soube-me bem.
Estou contente, portanto.
Como sobremesa, comi um dos maracujás gigantes que comprei por dez dobras no aeroporto do Príncipe. Muito doce, muito bom. Sabe a maracujá 🙂 Comi as sementes, e tudo à volta. Ficou só a casca.
E claro, umas bolachinhas com chocolate trazidas de Lisboa… Já foram ao Príncipe e já voltaram. Ainda existem algumas!…
A Virgínia lavou meus calções e camisola do Pico do Príncipe, com sabão azul, no tanque. Sem custos, foi uma cortesia. Lá se foi o cheiro a floresta e a terra molhada. (Enfim, finalmente).
Acabei de almoçar às 13h30, estou muito ensonada, tenho que ir montar a bicicleta e estudar o percurso de amanhã. Hoje já não saio.
A Virgínia foi-se embora agora e o Célio foi no jipe à vila de Trindade, já volta. Irá pernoitar aqui no resort, para não me deixar sozinha na mansão. Eu nem me importava de ficar sozinha.
Montei a bicicleta toda, no jardim, inclusive a corrente nas mudanças, que é o mais complicado. Sempre a ouvir um estranho piar dum pássaro. Ou então é um barulho qualquer que o pássaro faz com as asas. Parecem estalidos.
No entanto ficou a faltar a parte da frente, junto aos pedais, que no transporte saiu do lugar. Bastava fazê-la passar pelo pedal, e eu estava a pensar nisso, mas fiquei com receio de estragar tudo. Ainda não estou “pro” nisto. Enviei um sms ao Célio a perguntar se conhece alguém que me veja a corrente junto aos pedais. O Célio trouxe então estes rapazes que meteram logo a corrente bem. Claro que bastava passá-la pelo pedal. Verificaram o resto, está tudo bem. Virei a descobrir mais tarde que este rapaz é o motorista do Célio.
E pronto, estou instalada na ilha de São Tomé. Vai começar uma nova etapa. Aqui já fui desencantar uma colcha no guarda-fato. É que aqui no centro da ilha faz mais fresco. Talvez uns 25 graus centígrados, o que me faz vestir uma camisola de manga comprida, e pôr uma colcha na cama, para dormir à noite. Na cidade faz mais calor. Quem gosta de sossego e fresco, esta zona central é o local ideal. (Eu só estou bem com 40 graus, mas pronto).
A rede anti-mosquitos, nas janelas, tem alguns furos aqui e ali. Ponho spray no quarto, fecho as portas para ele fazer efeito, mas aqueles furos não ajudam muito. Durante a noite os mosquitos podem entrar por ali. É que as janelas não têm vidros, são apenas ripas de madeira e as redes. Comento isto com o Célio, e este conta-me que antes tinha umas redes muito boas, que nunca se furaram, mas sujaram-se. Limpar estas redes minúsculas, em duas grandes portas, não é operação fácil. Então o Célio mandou trocar por redes novas. Ora as novas pelos vistos são de baixa qualidade, pois furaram-se rapidamente. O Célio telefonou no momento, enquanto conversávamos, a alguém para tratar disto.
Às seis da tarde comi mais uma dose de bananas, leite e bolachas. Ainda não estou em mim, com tamanha abundância de bananinhas tropicais, tão saborosas. Vou comer bananas até não poder mais. (Curiosamente nunca me fazem mal aos intestinos – creio que há pessoas que não se dão bem com bananas em excesso, não é? Pois a mim não me fazem mal nenhum).
Às 19h30, noite cerrada, já estou a cair de sono e vou dormir.
Eu estou alojada em Belém. Efetivamente o mais central seria Bombaim, mas não existem hotéis em Bombaim. Já existiu um, que encerrou. Parece que existem planos para recuperá-lo, mas por enquanto está fechado.
A capital de São Tomé e Príncipe é São Tomé, ali por baixo do aeroporto. Eu também não quis ficar muito longe da capital, para ter acesso fácil a serviços e supermercados.