076 – Pico, 22º dia – Subida do Pico

Hoje é 4ª feira, dia 22 de julho.
Despertar às 5h20.
Hoje vou subir o Pico, a montanha mais alta de Portugal, com 2351 metros de altitude. Mas não estou convicta sobre se vou mesmo até ao topo. Não faço questão disso. Se eu vir a coisa muito complicada, volto para baixo.

Faz um silêncio total na casa. Sinto-me bem aqui. Não há carros a passar.
Não fechei as janelas exteriores. Ficaram todas abertas durante a noite. Não vou fechá-las nunca. São muitas janelas e eu levanto-me cedo, ainda de noite, a luz da manhã não chega a incomodar-me. Fecho apenas as cortinas.
(Recordo que mostrei o exterior da casa na crónica 72, logo à chegada a São Roque do Pico).

Imagem retirada de RTP Ensina.

Desta vez vem uma taxista chamada Elisabete buscar-me, às 6h45. Mas chegou uns 10 minutos antes, tinha eu acabado de sair de casa e de tirar a bicicleta também para fora. Nesta foto são 6h36.

Em dois dias na ilha do Pico, andei em três táxis. E todos com condutoras mulheres. A profissão de taxista aqui na ilha do Pico é exclusiva das mulheres?, perguntei à Elisabete. Esta é a sexta ilha que faço, e nunca tinha tido taxistas mulheres nas outras cinco. A Elisabete riu-se. Calhou, respondeu-me. Também há homens taxistas aqui no Pico, diz-me.
A Elisabete fala meio português, meio inglês. Mistura as palavras. Viveu 21 anos nos Estados Unidos da América. O pai é do Pico, a mãe é de São Miguel, e viveram fora. Entretanto o pai morreu e a mãe veio viver novamente na ilha do Pico. A Elisabete também voltou, para poder estar perto da mãe, e vive agora aqui. O pai também era taxista.

Que imponência, este Pico. Espreita tudo.

São 6h49, o sol está a nascer. Que espantoso.

Foram 26,3 km, 30€ – ligeiramente mais caro devido à tarifa fora de hora, disse-me a Elisabete. A partir das oito é tarifa normal. Preço justíssimo e de acordo com a tabela. Ainda podia ter levado mais 2,5€ pela bicicleta. A bicicleta vai comigo – não vai subir o Pico, claro, mas quando eu descer, desço de bicicleta até casa. Dei conta, no entanto, de que há uma grande reta, de 9 km, se bem me recordo do que a Elisabete me disse. Depois de subir e descer o Pico, estarás capaz de pedalar? – perguntou-me. Pois, se calhar não. Logo se vê. Se eu me vir atrapalhada, chamo-te, respondi eu à Elisabete. Nós fomos alternando o tratamento entre “tu” e “você”. A Elisabete vem habituada ao simples “you” em inglês, estas questões nem se põem. Em português é mais complicado.
Rimo-nos muito pelo caminho, a conversar. A Elisabete perguntou-me se eu queria ficar na base da montanha. Porque há muita gente a querer fazer a subida toda. Não, não, obrigada, quero ficar o mais alto possível, até onde o carro for! Se houvesse um teleférico, também calhava bem. Não faço questão nenhuma de fazer grandes subidas. Hoje é o meu 22º dia de viagem.

São 7h13 e estou junto à “Casa da Montanha”.
Disseram-me – a Elisabete e outras pessoas – que tenho de registar-me aqui, antes de iniciar a subida, e que tenho de levar um identificador comigo, para saberem onde eu estou. Se eu me perder, ou se me acontecer alguma coisa, poderão acudir-me. Disseram-me também que a Casa da Montanha está sempre aberta, 24 horas por dia.

Ali em frente é a ilha do Faial.

No entanto há uma pandemia. E pelos vistos a Casa só abre às 8h. Não estava à espera desta. Garantidamente não vou ficar aqui sentada à espera. Todos os minutos contam. Eu não sei quanto tempo vou levar. Acordei às 5 da manhã, e quero iniciar a subida cedo.

Parti. Vou sozinha e sem identificador. Ninguém saberá onde eu estou.
Estou nas tuas mãos, Pico.
Aquele pau com uma risca amarela e vermelha indica o caminho. Eu ainda não sei bem como é que isto funciona, e normalmente eu sigo o caminho indicado pelo meu GPS – mais exatamente a aplicação Maps.me. Irei verificar, todavia, que é exatamente igual. Os dois são iguais. Pelo que vou desligar o GPS, até para poupar bateria ao telemóvel, e passo a seguir estes marcos.

Aqueles dois rochedos na água são a entrada para o porto da Madalena. Mostrei-os na crónica 21, ia eu dentro do barco.

O caminho está bem assinalado. A cruz significa que o caminho não é por ali. O caminho correto são os dois traços paralelos. É preciso trepar aquela pedra, portanto.

Lava! Que coisa fenomenal. Ainda vermelha e tudo. Segundo li no Centro de Interpretação dos Vulcões, na ilha do Faial (chama-se “Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos”, certo, mas também fala dos restantes vulcões dos Açores e do mundo, e por isso rebatizei-o momentaneamente):
O Pico é a ilha mais jovem do arquipélago dos Açores, e possui apenas um vulcanismo de natureza basáltica (em sentido lato), quer nas formações da Montanha do Pico (um estratovulcão com 3500 m de altura relativamente aos fundos marinhos envolventes), quer do vulcão em escudo do Topo, quer, ainda, na cordilheira vulcânica do Planalto da Achada, constituída por cerca de 190 cones de escórias, de spatter e fissuras eruptivas.¹

Esta linguagem vulcânica não é fácil. Um estratovulcão é um vulcão em forma de cone, formado pelo magma extravasado.²

O “spatter” são salpicos de lava, e atingem o solo ainda bastante fluidos e plásticos, uma vez que se acumulam muito próximo do centro emissor. Por este motivo, moldam-se uns aos outros (deformando-se plasticamente), dando um depósito aglutinado, que, por este motivo, é suscetível de apresentar declives acentuados. Distinguem-se assim, dos depósitos de escórias, os quais constituem acumulações de piroclastos soltos, logo, mais instáveis e sujeitos a movimentos de massa do tipo “grain flow” (“escorregamentos de grãos”).³

Desde o povoamento da ilha do Pico ocorreram erupções históricas, em 1562/64 (Mistério da Prainha), em 1718 (Mistérios de Santa Luzia e de São João) e em 1720 (Mistério da Silveira). De notar que a erupção de 1718, para além daqueles dois centros eruptivos subaéreos incluiu um terceiro centro eruptivo submarino, a sul da ilha. A última erupção ocorreu em 1963, ao largo da ilha, a norte de Cachorro, segundo uma erupção marina de tipo “serretiano”.¹ (de águas profundas⁴).

O facto de antigamente não se saber explicar o que eram as erupções vulcânicas, fez com que se chamasse de “Mistérios” às erupções.

Vem ali o barco!

Furna-Abrigo, uma cavidade vulcânica.

Esta furna é composta por um algar – uma gruta, uma caverna – com cerca de 40 m de profundidade e uma galeria que pode servir de abrigo aos caminhantes.

Depois de subir isto tudo ainda só vou para o marco 2. São 7h58. Não sei quantos marcos são. Mais tarde irei ler o seguinte na internet:
No trilho existem 45 marcos em madeira, numerados e pintados com duas listas de marcação de trilho, vermelha e amarela. O último marco (45) está localizado à entrada da cratera. Estes marcos estão colocados a uma distância de modo a que de um marco, possa avistar o marco seguinte em condições de visibilidade total. Isto faz com que os marcos não estejam todos à mesma distância uns dos outros dependendo a sua localização da morfologia do terreno. Deverá ainda encontrar marcos de cimento britado muito antigos que fazem parte da primeira marcação de trilho na montanha e foram lá deixados atualmente para complementar a marcação. Em caso de nevoeiro poderá deixar de ver os marcos rapidamente. Redobre a sua atenção ao trilho para evitar perder-se, logo, depois de passar um marco e se nos 30 minutos seguintes não for encontrado outro marco, deve regressar ao marco anterior, para não se afastar demasiado do trilho.⁵

Efetivamente vou entrar daqui a pouco naquela zona de nevoeiro. Na twilight zone.

Fui vendo estes pequenos vasos com ervinhas plantadas. Não faço ideia o que é isto. Se alguém souber, que me diga. Pode enviar-me um email e eu atualizarei esta crónica de acordo.
[Nota! Recebi entretanto a indicação de que eventualmente serão marcos antigos – de plástico? – que foram cortados em vez de removidos].

São 8h09, caminhei 1,39 km em quase uma hora e estou a 1.436 m de altitude.

Vou entrar na twilight zone. Ali falta uma coisa: eu levo a máquina fotográfica ao ombro, nas costas. Nesta foto não consta porque a máquina está a tirar-me esta selfie. Não trouxe a bolsa, quis livrar-me de peso. Eu nunca a uso, aliás. Portanto a máquina vai às minhas costas, à mercê das intempéries. É uma máquina de guerra.

Melro! – exclamei.

– O que foi, Rute? Até me assustaste.
Mas eu observei este passarinho e percebi que é diferente. Não é o mensageiro do Grande Senhor do Reino dos Pássaros, com quem me cruzei na crónica 49, na ilha do Corvo.
– Confundi-te com o mensageiro do Grande Senhor do Reino dos Pássaros, desculpa-me, passarinho.
– Não, eu não sou mensageiro de nada nem de ninguém!
– E estás a comer, passarinho?
– Está aqui uma minhoca e eu estou a tentar apanhá-la.
– Boa sorte, passarinho, vou prosseguir o meu caminho. Vive bem!
– Boa subida, Rute, adeus.

Pelo menos vejo dois marcos, já não é mau. O segundo é dos antigos, de cimento.

Esta gente é doida. Mas é suposto subir isto tudo? Não era melhor pôr um teleférico?… 🙂

Vou sair da twilight zone. Lá em cima faz sol outra vez. As nuvens vão ficar em baixo.

Marco 11. E mais um dos vasos de ervas. Este não tem nada dentro.

Em 27 minutos andei 500 metros e subi 147 metros de altitude. Acho que nem amanhã chego lá.

Posteriormente li o seguinte:
Embora não sendo uma escalada técnica, a subida à Montanha do Pico é de grau de dificuldade médio / elevado.⁶
A Montanha do Pico é um vulcão com 2.351 metros de altitude sendo que o seu trilho inicia-se na Casa da Montanha a 1.230 m de altitude e termina no topo da montanha. O trilho tem cerca de 3.8 km e um desnível de 1150 m pelo que é bastante inclinado. O terreno é de tipo variado ao longo da subida como terra, rocha, gravilha e lama. Embora haja vegetação rasteira na montanha, esta nunca se encontra no trilho, pelo que sempre que estiver a pisar vegetação, é porque já não se encontra no trilho. Deve tentar fazer o percurso inverso até voltar a encontrar o trilho novamente.
A duração média da subida é de cerca de 3 a 4 horas pelo que deve gerir a velocidade e o esforço para evitar demasiada aceleração do ritmo cardiovascular. A descida também tem uma duração média de 3 a 4 horas, sendo muito comuns incidentes que não pode controlar e que têm a ver com os músculos ou articulações tanto nos joelhos como nos pés. Este tipo de problemas é imprevisto, dificultam e atrasam muito a descida pelo que deve iniciar sempre a sua descida pelo menos 4 horas antes do sol se pôr.⁵

Bom, são 8 e meia da manhã, o sol põe-se lá para as 21h.  Não me digam que às 5 da tarde ainda não estou a descer.


¹ “Ilha do Pico” (s.d.) Placa exposta no Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos, Faial, 2020.

² “Estratovulcão” (s.d.) Wikipedia. Página consultada a 4 de janeiro 2021,
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Estratovulc%C3%A3o>

³ Nunes, João Carlos (2002) “Novos conceitos em Vulcanologia: Erupções, Produtos e Paisagens Vulcânicas”. Universidade dos Açores, Departamento de Geociências. Associação Portuguesa de Geólogos. Geonovas, nº 16, p. 12. Disponível em:
<http://www.geopor.pt/gne/prog/vulcan.pdf>

⁴ Forjaz, Victor Hugo (2019, julho) “Plano Especial de Emergência de Risco Sísmico e Vulcânico”, p. 33. Observatório Vulcanológico e Geotérmico dos Açores. Disponível em:
<https://www.cm-pontadelgada.pt/cmpontadelgada/uploads/document/file/2443/pee_sismico_vulcanico_versao30juhlo2019_compressed___a28.pdf>

⁵ “Subida à Montanha da Ilha do Pico – Perguntas Frequentes”. Montanha do Pico, Governo dos Açores. Página consultada a 4 de janeiro 2021,
<https://montanhapico.azores.gov.pt/PerguntasFrequentes.aspx>

⁶ “Reserva Natural da Montanha do Pico”. Parques Naturais, Governo dos Açores. Página consultada a 4 de janeiro 2021,
<http://parquesnaturais.azores.gov.pt/pt/pico/o-que-visitar/areas-protegidas/reserva-natural/montanha-do-pico>

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