069 – Faial, 20º dia – Mergulho na Cratera do Vulcão
Hoje é 2ª feira, dia 20 de julho. Despertar às 7h. Também havia um queijo fresco aqui, mas comi-o ontem.
Norberto, nesta foto, é o dono da empresa de mergulho e é conhecido como “Lobo do Mar”. É da ilha do Pico. Não combinámos às 9? – perguntou-me. São 8h37. Às 9 já muita coisa aconteceu na minha vida, aqui nos Açores, não estou habituada a andar tão tarde, pelo que vim mais cedo espreitar o que se passa por aqui.
Vai haver um passeio de barco para avistar baleias. O Norberto está a explicar as coisas a um casal russo, mas que fala português na perfeição (na foto está a mulher desse casal), casal esse que tem quatro filhos giríssimos, que não pararam quietos o tempo todo, para grande divertimento meu, sentada, a observar tudo. As crianças falam russo e inglês na perfeição. Pelo que percebi não falam português, mas não fiquei com a certeza.
A menina de saia amarela – filha do casal russo – aborreceu-se com qualquer coisa. Afastou-se de todos, sentou-se à beira da água e amuou. Ninguém conseguiu demovê-la. Então colocou-se em posição de lótus, como é chamada no yoga, com as pontas dos dedos unidas e as pernas cruzadas. Ela estava a tentar acalmar-se perante as contrariedades da vida, e ninguém conseguiu tirá-la dali até ela ter decidido que sim, que é altura de levantar-se e voltar para o grupo. Eu, o Norberto e os restantes mergulhadores olhávamos espantados e divertidos.
A outra menina de camisola vermelha é portuguesa e irá incluída naquele grupo também.
Eis o mergulhador João, o qual irá acompanhar-me. São agora 9h21 e o João prepara o meu equipamento.
O João é aqui da ilha do Faial e fez 13 anos de natação de competição. Também foi nadador-salvador. Até que ao conviver com as pessoas daqui, e também por causa da colega Sofia, da escola, que aqui trabalha, o Norberto, em conversa, incentivou-o a fazer o curso de mergulho. O João fez o “Scuba Schools International SSI” em 2017 e agora adora o que faz.
São 9h50 e partimos. Vou eu e um casal espanhol.
E pela primeira vez, nestes mergulhos pelo mundo, alguém deu atenção ao meu frio. O Norberto não ignorou o que eu lhe disse. Eu sofro muito com o frio, nestes mergulhos. Este é o meu quinto mergulho, e em todos os anteriores sofri muito com o frio. Fico a tremer convulsivamente. Tolda-me o prazer do mergulho. E deixa-me logo apreensiva. Efetivamente eu tirei a licença PADI em 2016 com o intuito de mergulhar nas minhas viagens, não propriamente em Portugal. Sofri atrozmente com o frio em Sesimbra, onde tirei a licença, e isso de certa forma traumatizou-me um pouco. Eu saio roxa de dentro de água, a tremer convulsivamente, em pleno sofrimento. Mas pronto, ninguém liga muito, tenho que aguentar-me. As pessoas nem percebem o nível de sofrimento que o frio me causa. Também já percebi ao longo da minha vida, e em interação com outras pessoas, que o meu termostato está avariado. Esta expressão nem é minha, curiosamente foi uma enfermeira que mo disse, ao perceber que alguma coisa aqui não está bem. Eu sou um animal ectotérmico, disse-lhe eu. Tenho sangue de lagarto. Dependo duma fonte externa para manter a temperatura corporal – como o sol. Eu nasci para estar estendida numa rocha vulcânica a apanhar sol, não para estar debaixo de água, a enregelar. Se calhar noutra vida fui um réptil. E não propriamente uma tartaruga ou um crocodilo. Esta minha paixão por cobras e lagartos, e este estranho funcionamento da temperatura do meu corpo, porventura ainda são resquícios da minha outra vida. Se calhar fui um dinossauro. Ou uma lagartixa.
Bom.
O Norberto, pela primeira vez, deu atenção a isto. E vestiu-me nada mais nada menos do que três camadas de neoprene. Sendo que a última é mais grossa, com 7 mm. Estamos no verão, no calor dos Açores, eu estou com três camadas de neoprene, bem abotoadinhas, e finalmente sinto-me quente e contente. Quase que nem consigo mexer-me, mas finalmente estou contente. Estou tão apertada que até pareço inchada.
Foi o Norberto que disse para eu desabotoar o fecho do terceiro fato. Ele mesmo assim também terá estranhado o meu termostato, apercebo-me. Eu desabotoei só para lhe fazer a vontade, porque eu estava muito confortável com tudo abotoado até ao queixo.
E efetivamente eu preferia ir ver as baleias do que fazer este mergulho da manhã. Eu quero sim fazer o mergulho da tarde, com os tubarões. Estou impaciente. Não estava nada interessada em gastar dinheiro neste primeiro mergulho. O da manhã custa 55€, o da tarde 140€, disse-me o seu filho Gonçalo, ao telefone, ontem. Mas o Norberto queria fazer um “dive-test”, para ver o meu nível e preparar-me para “mergulhar no azul”, ou seja, onde não se vê o fundo. E enfim, se calhar perceber também como poderei eu portar-me no meio de tubarões. Não é suposto ter nenhum ataque de pânico, ou coisa que o valha. Então convenceu-me – e eu percebi a necessidade disso – a fazer este mergulho de manhã; e fez-me um desconto, ficou em 40€.
Mergulhámos nas crateras do Monte da Guia. Alguma vez eu imaginava, quando estive ali em cima naquela igreja – e tenho lá uma foto, na crónica 64 – que iria andar aqui a chapinhar dentro de água. Eu nem sabia que vinha para aqui. Falámos sempre em “mergulho”, e nunca na localização.
O meu mergulho durou 28 minutos, e andámos pelos 20 metros de profundidade. O mergulhador João andou sempre comigo. O outro casal espanhol foi sozinho. Fui eu que pedi para terminar o mergulho antes de tempo, pois ele supostamente dura 50 minutos. Eu estou focada no mergulho depois de almoço. Eu quero mergulhar com os tubarões. Não posso ficar já cheia de frio neste mergulho da manhã. Poderia comprometer o meu mergulho da tarde – e é esse que estou impaciente por fazer.
O João foi excecional, efetivamente nasceu para isto. É tranquilo e gentil. Foi ele que me equipou, pois eu tenho pouca experiência: abotoar os botões todos, as fivelas, os cabos e a parafrenália toda; não quero ir para debaixo de água sem um mergulhador experiente supervisionar-me o equipamento. O Norberto percebeu portanto, neste “dive-test” (mergulho de teste), que eu preciso de ter um mergulhador comigo, e o qual tem de equipar-me totalmente antes de mergulhar.
Sinceramente eu nem quero preocupar-me com essas coisas. Estou de férias, estou aqui para divertir-me, estou a pagar uma pipa de massa – 180€ ao todo, e quero ajuda. Esta é a verdade.
Fiquei sentada no barco à espera do casal espanhol. O Norberto passa o tempo todo ao telefone, com várias pessoas, e fala muito das dificuldades financeiras para sustentar o negócio. Estava a falar com um empregado que está em layoff, dizendo que se ele voltasse a trabalhar ele perderia o subsídio do Estado, e ainda teria que lhe pagar a ele. São situações complicadas, geradas por esta pandemia da Covid-19. Também falou com outra pessoa dizendo que aquele grupo foi ver baleias, mas são poucos e nem lhe paga a gasolina.
São 11h19. O casal espanhol já está dentro do barco e regressamos a terra.
Eu estou com o sentido nos tubarões. O meu primeiro mergulho foi na Grande Barreira de Coral, na Austrália, em 2007. Abriu-se um novo mundo diante dos meus olhos, nesse ano. Só não andei de boca aberta, debaixo de água, porque tinha o tubo para respirar, e tinha que mantê-la fechada. Foi uma estreia grandiosa. E fiz um segundo mergulho logo de seguida. Nessa altura perguntaram, ao regressarmos ao barco, quem é que queria fazer um segundo mergulho (e pagar, claro, nada barato) e eu nem hesitei. E teria feito um terceiro mergulho se tivesse havido.
Mais tarde, em 2018, já com a licença PADI tirada, mergulhei no Triângulo de Coral, em Timor-Leste. Outro mergulho espantoso que contei na crónica 61 de Timor-Leste. É um mundo colorido debaixo de água. É outro mundo, simplesmente. Um mundo de corais coloridos, e criaturas marinhas coloridas. Em abundância.
Pelo que, com estas experiências iniciais, tudo o resto me parece incipiente. Sesimbra, São Tomé e Príncipe, e agora esta zona dos Açores. Tudo cinzento e castanho. De vez em quando lá passa uma sardinha. Enfim. Quem adora o mergulho até fica feliz por mergulhar num tanque de cimento, mas eu – conforme referi – prefiro estar estendida numa rocha vulcânica a apanhar sol. Para entrar noutros domínios, tem que valer a pena.
Venham daí esses tubarões.
Este veleiro chamado Hemingway pertence ao açoriano Genuíno Madruga, que fez duas voltas ao mundo nele. A primeira entre 28 de outubro de 2000 e 18 de maio de 2002, pelo Cabo da Boa Esperança. A segunda, entre 25 de agosto de 2007 e 6 de junho de 2009, pelo temível Cabo Horn, na América do Sul. Tornou-se o primeiro português a cruzar o Cabo Horn em solitário e o décimo homem a fazê-lo na história mundial da navegação à vela em solitário. Leio o seguinte na internet:
Genuíno Madruga nasceu no dia 9 de dezembro de 1950 na ilha do Pico, mas ainda criança veio viver para a cidade da Horta (ilha do Faial). Em 1962, com a idade de 12 anos, fez-se pescador, após construir a sua primeira embarcação a remos, uma chata com 2,6 metros com tábuas de caixote que ia pedindo aos comerciantes e pregos que ia comprando com o dinheiro que ia ganhando. O serrote e o martelo tinham sido oferta do pai. As suas embarcações foram sendo sucessivamente substituídas por outras mais apetrechadas. Casou, e a sua esposa, Estela, tornou-se a primeira mulher a obter a cédula marítima na Capitania da Horta para poder ajudar o companheiro, e pai dos dois filhos a ganhar o sustento da família no mar.¹
Agora devemos ir comer qualquer coisa leve, e encontramo-nos todos novamente às 13h. Estou impaciente.
Para já tenho de despir as três camadas de neoprene. Tenho uma camisa de manga à cava, tenho depois aquele fato de calções e tshirt, e finalmente o fato de 7 mm que já está no chão. Vou deixar tudo estendido no chão a aquecer. Quando voltar a vesti-los às 13h, quero-os bem quentinhos do sol. Está nublado, mas faz calor.
E eis que aparece um amigo – de Lisboa – que eu não via há muitos anos. Foi ele que me reconheceu. Estava a passar e viu-me. Olha!… – exclamou.
Chama-se Nuno e era namorado duma amiga amiga, há uns vinte anos. Eu nunca mais soube nada de si. Pois atualmente é técnico de terapêutica de reabilitação e tem um filho com 18 anos. Casou com uma açoriana e veio para aqui há 18 anos. Imagine-se. O meu amigo Nuno já é um faialense, portanto. Ao fim de 18 anos aqui na ilha do Faial já é um faialense. Como o mundo é pequeno e viemos encontrar-nos tão longe de Lisboa.
No meu alojamento está um bolo no forno!
A Sónia – uma das funcionárias – veio tirar o bolo. O outro bolo maravilhoso de laranja já se acabou. Eu contribuí bastante para isso, confesso. Também tinha sido feito por si e era espantoso. Este agora é de banana, explica-me. Mas eu já não vou a tempo de comê-lo agora, ele tem que arrefecer antes de ser desenformado.
¹ “Genuíno Madruga” (s.d.) Wikipedia. Página consultada a 20 de dezembro de 2020,
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Genu%C3%ADno_Madruga>