064 – Faial – Almoço no Peter Café Sport, Monte da Guia e Casa dos Dabney
Ernesto Azevedo possuía um bazar de artesanato no Largo do Infante, que se dedicava ao comércio de produtos locais. Lá vendia bordados, rendas, chapéus e cestos de palha, e muitos outros artigos do artesanato local. E foi com esses produtos que, em 1888, participou na Exposição Industrial de Lisboa, tendo obtido, pela sua qualidade e diversidade, a respetiva medalha de ouro e diploma.
A mudança do século levou Ernesto Azevedo para a Rua Tenente Valadim, adquirindo um dos edifícios que hoje está incluído naquilo que hoje é o “Peter”. Chamando-lhe “Azorean House”, mantendo o comércio de artesanato mas passando também a vender bebidas, este novo estabelecimento permitia ao seu proprietário a enorme vantagem de estar mais próximo do porto e, por isso, de todo o movimento que ele gerava como único local de entrada e saída de bens e pessoas da ilha.¹
Fundador e origem do Café Sport
Em 1918 Henrique Azevedo (1859 – 1931), filho de Ernesto, transfere a Azorean House para o edifício vizinho do lado norte, mantém o mesmo ramo de negócio e muda-lhe o nome para “Café Sport”, consagrando assim, no nome do Café a sua paixão pelo desporto, pois era praticante habitual de futebol, remo e bilhar.
Em 1975 o “Café Sport” mudou novamente de instalações, e é no ano de 1983 que se muda definitivamente para este local, onde se situava no início.¹
Os rebocadores
A década de 1920 trouxe ao desenvolvimento, afirmação consolidação do Café Sport um novo e importante facto: o estacionamento dos rebocadores holandeses, a partir de 1921, no porto da Horta. As dificuldades da navegação no Atlântico Norte no Inverno, as deficientes condições técnicas das embarcações, a falta de uma previsão meteorológica mais fidedigna e antecipada, tornavam perigosa a navegação e eram frequentes os pedidos de socorro e ajuda por parte de embarcações surpreendidas pelo mau tempo. A Horta era um dos locais de estacionamento dos rebocadores holandeses que prestavam apoio e socorro à navegação em dificuldades. Estacionando no Faial durante o Inverno, na chamada “época baixa”, numa altura em que a tendência do movimento no Café era para diminuir, os tripulantes dos rebocadores holandeses representaram um importante elemento de animação da atividade económica do Café Sport, ao darem-lhe preferência e ao transformarem-se em clientes habituais e bons consumidores.¹
A origem do nome Peter:
No início da Guerra, veio para a Horta o navio H.M.S. Lusitania II da Royal Navy, que havia perdido a popa devido ao lançamento de uma bomba de profundidade que rebentou antes do tempo. O navio estacionou no porto durante todo o conflito mundial e foi utilizado como base de distribuição de comunicações para as embarcações que desempenhavam missões militares no Atlântico Norte. Foi no Lusitânia II que nasceu o nome de “Peter”.
Um graduado, o oficial-chefe de munições e manutenção do navio, que se tornou amigo do então jovem José Azevedo (n. 18 de Maio de 1925, f. 19 de Novembro de 2005), filho de Henrique, que arranjara trabalho no navio durante os tempos de guerra. Reconhecendo semelhanças entre José e o seu filho de nome Peter, o oficial passou a chamar-lhe de Peter, argumentando que era uma forma de se sentir mais perto do filho. Dos ingleses para os portugueses, o nome de “Peter” passou tão rápida como indelevelmente de tal forma que suplantou o nome de batismo de José Azevedo, e por essa alcunha José Azevedo ficou conhecido o resto da sua vida.
Peter, que desde miúdo ajudara o pai – começando por distribuir bebidas para consumo doméstico, em cestos de palha, por casa dos estrangeiros que habitavam a Horta – depois da guerra, dedica-se a tempo inteiro ao negócio da família, acabando por assumir a liderança do Café Sport a partir da década de 1960.¹
Eu estou a comer uma salada açoriana, com queijo fresco, pasta de atum e azeitonas, que me soube muitíssimo bem. Ando a comer poucos vegetais, e agora foi uma boa oportunidade. Por 6,5€. E também uma sopa de peixe, por 2€.
E terminando a história do Peter Café Sport:
Os Aventureiros
A década de 1960 trouxe ao Faial e ao seu porto um novo tipo de visitantes: os tripulantes das embarcações de recreio que, por desafiarem os perigos dos mares em veleiros por vezes minúsculos, receberam dos faialenses o nome de “aventureiros”. A crescente procura da Horta pelos tripulantes das embarcações de recreio resulta da conjugação de uma pluralidade de fatores, que vão desde a sua localização estratégica no Atlântico e às condições naturais e atrativas da sua baía, até à invulgar capacidade dos faialenses em bem receber, serem prestáveis, hospitaleiros, criando e fortalecendo laços de simpatia para com os visitantes estrangeiros. Mas igualmente decisivo na divulgação das excelências e particularidades atrativas do porto da Horta entre a comunidade iatista internacional foram, sem dúvida, os inúmeros testemunhos escritos, em livro, que várias gerações de aventureiros foram deixando registados. E todos os anos foram sendo cada vez mais os iates que demandavam a Horta e gravavam a sua passagem por este porto com uma pintura no “paredão da doca” e, a partir de 1986, na própria Marina, construída para satisfazer esta crescente procura da Horta pelos iatistas.¹
O Peter Café Sport fica a poucos metros do meu alojamento, pelo que fui a pé. Regressei agora ao alojamento para buscar a bicicleta. Vou ao Monte da Guia, que fica aqui perto também, bem como dar uma volta pela cidade da Horta.
Aqui no alojamento, à semelhança do que aconteceu na ilha do Corvo, tenho comida ao dispor 24h por dia. Eu estou no 3º andar, e a cozinha está no 2º. Ao subir, comi três quadrados daquele bolo, muito bom, uma delícia. Ao descer, comi um quarto pedaço. Tenho as duas maçãs que comprei no Corvo, e nunca as como porque tenho sempre fruta ao dispor nas casas. É agradável, uma peça de fruta e um bolinho dá muito jeito aos hóspedes. Na receção disseram-me que vou ficar eu e mais dois senhores, noutros dois quartos, que eles já são muito antigos e conhecidos aqui. Porque eu estava com receio de deixar a bicicleta na lavandaria, durante a noite.
Na cozinha há estes cacifos com o nome dos quartos. Eu tenho três chaves, uma para o quarto, outra para a porta de entrada no rés-do-chão, e a terceira para este cacifo na cozinha, que nunca cheguei a usar. É para quem quer guardar comida, por exemplo.
Eu ocupei a prateleira de um dos guarda-fatos com o meu espólio alimentar. Também há o queijo do Corvo, a manteiga que comprei nas Flores, e quatro iogurtes no frigorífico. Com a comida que a casa oferece, tenho comida que nunca mais acaba.
No canto direito está o cadeado de aço da bicicleta, que pesa 2 kg e que veio passear aos Açores apenas, pois não o usei nunca.
Fábrica da Baleia. É já a primeira paragem. Letras gigantes assim dão jeito. É impossível passar sem o ver.
Infelizmente está fechado. Será com certeza por causa da pandemia. Hoje é sábado e são 15h32. Liguei para aquele número de telefone, mas ninguém atende.
Passeios não existem. Os faialenses não andam a pé, está visto. Este é o único acesso ao Monte da Guia.
Praia do Porto Pim. Apetitosa.
As duas crateras vulcânicas do Monte da Guia – chamadas de Caldeirinhas.
A Área de Paisagem Protegida do Monte da Guia, com 74 hectares, é constituída por cones vulcânicos, crateras, encostas, arribas, baías, enseadas, praias de calhau e areia, recifes rochosos e grutas marinhas. Neste local está bem visível a intervenção humana desde o século passado. Contudo, continua a ser um dos locais por excelência dos Açores, porque inclui o habitat prioritário com dunas cinzentas e vegetação endémica de elevado valor, como a urze (Erica azorica) ou a nativa faia-da-terra (Myrica faya). Este local é, igualmente, um habitat privilegiado para a avifauna como o cagarro (Calonectris diomedea borealis), o garajau-comum (Sterna hirundo) e a garça-real (Ardea cinerea).²
Entre outras coisas, esta placa explica que esta área faz parte do Geoparque Mundial da UNESCO.
Ermida de Nossa Senhora da Guia, construída em 1943, no lugar de outras duas ermidas com o tempo degradadas.
Vista sobre a cosmopolita cidade da Horta. Ali no canto esquerdo está o Forte de São Sebastião. Também conhecido por Castelo de São Sebastião. Foi construído no século XVII em tufo vulcânico, material mais acessível e fácil de manusear, extraído do Monte da Guia. O Castelo desempenhou um importante papel no controlo da entrada na Baía de Porto Pim e tráfego a sul da ilha. Foi das poucas edificações militares a ser reabilitada, por volta de 1817, tendo servido aproximadamente até ao fim da II Grande Guerra como prisão.³
Estou a descer do Monte da Guia, e passo novamente na Praia do Porto Pim. Está apetitosa, está. Vou buscar o fato de banho? Ou vou dar uma volta para conhecer a cidade da Horta?
No GPS reparei que existe aqui uma atração turística chamada “Casa dos Dabney”, ao lado da Fábrica da Baleia. Vim cá espreitar.
São 16h28. Tenho meia hora!
Já cá estou dentro. O bilhete custa 4€ e inclui a visita a esta Casa dos Dabney e também ao Aquário do Porto Pim. Mas paguei menos, não me recordo quanto, porque o Aquário está fechado. Curiosamente está como o barco do Corvo: tem alguma coisa avariada ainda do tempo do furacão Lorenzo, em Outubro. Estamos agora em julho. Passaram-se nove meses e os estragos ainda se fazem sentir.
A Fábrica da Baleia, disse-me o funcionário aqui da Casa – um rapaz espanhol que vive há cinco anos no Faial – agora só abre sob marcação. Que pena. Conforme os horários descritos acima, na placa, para visitar domingo ou 2ª feira eu teria de ter marcado ontem, 6ª feira. Andava eu nas alturas da ilha do Corvo. Vejo que há uma certa aleatoriedade. Uns museus abrem, outros não. Os que abrem eu passo por eles e não sei que são museus. Isto está lindo.
Ainda bem que a Casa dos Dabney está aberta. Vamos lá aproveitá-la.
Família de Samuel Dabney por volta de 1891. Em pé Harriet (mulher de Samuel Dabney). Da esquerda para a direita: Herbert Dabney (filho), Roxana Dabney (irmã de Samuel), Alice Dabney (filha), Samuel Dabney o terceiro cônsul, Rosa Dabney (filha). Sentado no chão, Ralph Dabney (filho).
Eu não estou a mostrar os cartazes todos, esta é uma seleção. E eu a ler tudo à pressa antes que o museu feche. Só fotografei os que achei mais relevantes, portanto terão que visitar a casa e ler o resto com calma. Também vi um pequeno filme. Quem preferir ler noutro formato, tem este website, dos Parques Naturais, criado pelo Governo dos Açores: Roteiro dos Dabney.
Conforme indicado numa placa:
Esta peça é uma réplica da prensa original que existia nesta adega utilizada para fabricar o vinho e que ainda hoje se utilizam em lagares artesanais. As duas pedras furadas são as primitivas, cuja função era o suporte do majardo (uma grande tranca em madeira). A sua utilização é parte do processo de vinificação, isto é, da laboração da uva até à obtenção do vinho. A uva, depois de colhida, é normalmente espremida e colocada num lagar (um grande tanque baixo e normalmente retangular) a fermentar. A fermentação é um processo químico microbiano que trata de transformar o açúcar contigo no mosto (o sumo da uva), em álcool, dióxido de carbono e água. No final deste processo faz-se a separação dos sólidos (as cascas, grainhas e engaço dos cachos) do líquido alcoólico resultante da fermentação (o vinho). A prensa é assim utilizada para retirar todo o líquido contido nessa parte sólida. O resíduo resultante – o bagaço – é normalmente destilado para obtenção da aguardente.
Gostei de saber dos Dabney. Tem poucas coisas para ver, a Casa, mas tem muito para ler e aprender. Prossigo agora viagem, vou conhecer a cidade da Horta.
¹ “101 Anos de História” (s.d.). Peter Cafe Sport. Página consultada a 13 dezembro 2020,
<https://www.petercafesport.com/historia/>
² “Área de Paisagem Protegida do Monte da Guia” (s.d.) Parques Naturais, Secretaria Regional da Agricultura e Ambiente, Governo dos Açores. Página consultada a 13 dezembro 2020,
<http://parquesnaturais.azores.gov.pt/pt/faial/oquevisitar/areasprotegidas/areapaisagemprotegida/monte-da-guia>
³ “Castelo São Sebastião” (s.d.) Turismo, Câmara Municipal da Horta. Página consultada a 13 dezembro 2020,
<http://turismo.cmhorta.pt/index.php/pt/oquevisitar/patrimonio/castelo-sao-sebastiao>