1 – Introdução

* In English below *

Foi uma experiência negativa, esta residência artística na Hunter Moon Homestead, em Troy, no Idaho, EUA. Era suposto ter durado três semanas, e ao sexto dia terminou abruptamente e regressei a Portugal. Estas crónicas, no meu website, têm relatado viagens maravilhosas, mas eis que chegou a altura de apresentar algo menos bom. Aqui estou eu para vos contar a minha experiência adversa, que, com sorte, poderá servir de alerta para outros artistas.
Esta residência não oferece as condições necessárias para o trabalho artístico. Na verdade, descobri que não está preparada para ser uma verdadeira residência artística, é sim a casa de uma senhora que, embora com boa vontade, decidiu acolher um artista sem garantir as condições mínimas para um trabalho profissional. Foi-me solicitado que pintasse apenas uma pintura de cada vez, por não haver espaço. Isso significa que, por exemplo, eu poderia pintar apenas 30 minutos por dia em óleo, sem a possibilidade de avançar em outras obras enquanto a anterior não secasse. Porque já não havia espaço, na primeira semana, para as oito pinturas pequenas que eu tinha iniciado, e, foi com desagrado que ela me pediu que eu as retirasse do chão para desimpedir o caminho. Eu só podia ocupar a minha mesa, e mais espaço nenhum no estúdio. Esta limitação não apenas afetou o fluxo do meu trabalho, como também comprometeu a essência do que uma residência artística deve ser: um ambiente que estimula e apoia a criação.
Adicionalmente a senhora esqueceu-se de referir no concurso que não aceita o uso de tinta a óleo com odor, porque não aprecia. Quando manifestei a possibilidade de guardar as pinturas nas mais de 20 gavetas existentes no estúdio, o que conteria o cheiro de forma eficaz, opôs-se igualmente. Às 5 da tarde é noite cerrada, e eu tinha que caminhar, no escuro, depois de terminar o dia de trabalho, para um celeiro abandonado ao lado, com temperaturas negativas, para deixar aí as pinturas durante a noite. Naturalmente que adoeci de imediato, num sistema tão opressivo e impróprio para o desenvolvimento de um trabalho artístico.
Adicionalmente, insistia para que eu deixasse a porta sempre destrancada, argumentando que não há criminalidade na área. Quando manifestei desconforto com esta ideia, respondeu-me que sentia pena de mim por eu viver com medo e trauma. Esclareci, então, que não tenho trauma algum, que viajo sozinha de bicicleta pelo mundo — por África, Ásia e outros continentes — e nunca me aconteceu nada. Contudo, o meu receio é fundamentado: foram mortos quatro estudantes universitários aqui, e existe uma prisão no Idaho, o que implica, logicamente, a presença de criminosos. Recusei-me a deixar a porta aberta, estando eu sozinha numa casa. Após esta conversa, a senhora decidiu pôr fim à minha residência e mandou-me embora.
A senhora — de nome Kate Poole — fazia inspeções diárias à cozinha, verificando se estava arrumada, limpa e com a louça lavada. Chegava ao ponto de examinar se eu não tinha danificado os botões do fogão. Além disso, eu tinha instruções rigorosas de limpeza semanal da casa, detalhadas num papel afixado no frigorífico, que pode ser visto na crónica 2. As exigências são tão minuciosas que me levaram a questionar se ela procurava realmente acolher uma artista ou, na verdade, uma empregada de limpeza.
Resumindo: nunca fazer uma residência artística em casa de alguém, mas sempre em instituições profissionais. Ou, pelo menos, obter referências de outros artistas em residência — não de hóspedes que pagam a estadia, os quais recebem um serviço completamente diferente.

Como vim eu parar aqui?
Depois de uma temporada agitada em 2024 – em que realizei três exposições individuais, em três países diferentes, no espaço de três meses (Arménia, Alemanha e Portugal) e ainda participei em quatro exposições coletivas (Seul, Istambul, Madrid e Berlim), decidi experimentar agora um novo tipo de residência artística. Citando o seu website: “Na Hunter Moon Homestead, oferecemos uma pausa na tranquilidade da natureza para rejuvenescer e restaurar a mente, corpo e espírito.”
Participei no concurso lançado pela Hunter Moon, o qual encontrei no Facebook; foi com enorme alegria que fui selecionada, e pude optar entre ir no verão ou no inverno. Depois de refletir, optei pelo inverno, em ambiente de neve, ao qual eu não estou habituada, vivendo no clima suave de Portugal. É uma emoção absoluta experimentar uma residência artística com neve. A Hunter Moon Homestead proporciona uma residência artística autogerida e oferece ao artista a totalidade da estadia, durante três semanas, em acomodações rústicas de luxo – micro cabanas com vista para o lago – para realização de retiros criativos de arte e escrita.
O seu website indica que um celeiro antigo, com mais de cem anos, foi recuperado e transformado em estúdio, e aqui se encontra o silêncio e um santuário para pintar e criar, no entanto isto ainda não corresponde à verdade, o celeiro ainda está em construção, como poderão ver nas fotos das crónicas seguintes. A residência situa-se em Troy, no Idaho, EUA, e era suposto ocorrer entre 10 e 31 de janeiro de 2025.

English

It was a negative experience, the artist residency at Hunter Moon Homestead. It was supposed to last three weeks, but on the sixth day, it ended abruptly, and I returned to Portugal. These chronicles, on my website, have reported wonderful trips, but now the time has come to present something not so good. Here I am to share my adverse experience, which, hopefully, might serve as a warning for other artists.
This residency does not provide the necessary conditions for artistic work. In fact, I discovered that it is not equipped to function as a proper artist residency. Instead, it is simply the house of a lady who, although well-intentioned, decided to host an artist without ensuring the minimum conditions for professional work. I was asked to work on just one painting at a time due to a lack of space. This meant, for instance, that I could only paint with oil for 30 minutes a day, with no possibility of progressing on other pieces while the previous one dried. By the first week, there wasn’t enough space for the eight small paintings I had begun. It was with displeasure that she asked me to remove them from the floor to clear the path. I was only allowed to use my table and no other space in the studio. This limitation not only disrupted my workflow but also undermined the very essence of what an artist residency should be: an environment that fosters and supports creation.
Additionally, the lady failed to mention in the open call that she does not allow the use of oil paint with odour, as she does not like it. When I suggested storing the paintings in one of the more than 20 drawers in the studio, which would effectively contain the smell, she refused. At 5 pm, it was already pitch dark, and I had to walk, in the dark, after finishing my day’s work, to an abandoned barn next door in sub-zero temperatures to leave the paintings there overnight. Naturally, I fell ill almost immediately in such an oppressive and unsuitable system for developing artistic work.
She also insisted that I leave the door unlocked at all times, arguing that there is no crime in the area. When I expressed discomfort with this idea, she told me she felt sorry for me for living in fear and trauma. I clarified that I have no trauma, that I travel alone by bike around the world — through Africa, Asia, and other continents — and nothing has ever happened to me. However, my concern is justified: four college students were killed here, and there is a prison in Idaho, which logically implies the presence of criminals. I refused to leave the door unlocked, as I was alone in the house. After this conversation, the lady decided to terminate my residency and sent me away.
The lady — named Kate Poole — conducted daily inspections of the kitchen to check if it was tidy, clean, and with the dishes washed. She went as far as inspecting whether I had damaged the stove knobs. Moreover, I was given strict weekly cleaning instructions for the house, detailed on a paper posted on the fridge, which can be seen in chronicle 2. The requirements were so meticulous that they made me question whether she was genuinely looking to host an artist or, in reality, a cleaning maid.
In summary: never undertake an artist residency in someone’s home; always choose professional institutions. Or, at the very least, obtain references from other artists who have participated — not from paying guests who receive an entirely different service.

How did I end up here?
After a busy spell in 2024 – in which I held three solo exhibitions, in three different countries, in the space of three months (Armenia, Germany and Portugal) and also participated in four group exhibitions (Seul, Istambul, Madrid and Berlin), I decided to try a new type of artistic residency now. Quoting from its website: “At Hunter Moon Homestead, we offer a pause in the quiet of nature to rejuvenate and restore your mind, body, and spirit.”
I participated in the open call launched by Hunter Moon, which I found on Facebook; it was with great joy that I was selected, and I could choose between going in summer or winter. After reflecting, I opted for winter, in a snowy environment, which I’m not used to, living in the mild climate of Portugal. It’s an absolute thrill to experience an artist residency with snow. Hunter Moon Homestead provides a self-directed art residency and offers the artist the entire stay, for three weeks, in rustic luxury accommodations – micro cabins perched by the pond – for creative retreats of art and writing.
Its website states that an old grain barn, over a hundred years old, has been restored and transformed into a studio, and here is silence and a sanctuary to paint and create, however, this is still not true, the barn is still in construction, as you can see in the photos in the following chronicles. The residency is located in Troy, Idaho, USA, and was scheduled to take place between January 10 and 31, 2025.