121 – De Bicicleta pelas Montanhas

Hoje estou no 24º dia da viagem, num total de 26 dias. O fim aproxima-se, com grande tristeza minha. Dirijo-me para Díli, onde pernoitarei, e amanhã à hora de almoço partirei de avião para Lisboa. Mas, de qualquer forma, cada coisa a seu tempo. Ainda tenho estas montanhas para desbravar.

Subidas não é comigo, tenho uma preguiça desgraçada e prefiro ir a pé. Aos saltos em cima de pedras então ainda é pior.

O meu assento já deu o berro. Este assento é meu, trouxe-o de Lisboa e tem mais de 1.500 km. Isto gastou-se comigo a montar e desmontar a bicicleta. Efetivamente leva-me os calções atrás se eu não me levantar como deve ser, com altura suficiente para não raspar. Conforme referi na crónica 4 – quando pedi ao mecânico em Díli que mudasse o assento para o meu – este é um assento em gel, muito confortável. Enfim, sou uma ciclista pouco dada a radicalismos – evito as subidas e tenho um sofazinho para sentar-me. Desenganem-se os que pensam que 800 km de bicicleta é uma coisa muito dura. Nada disso. Há que gozar a vida e quanto mais suave for, melhor. Aos poucos vai-se fazendo.

Eu parei (e desmontei) para fotografar a galinha com os pintainhos. Depois acabei por fotografar o assento da bicicleta. E depois vi-os aos dois: aproximei-me, cumprimentei-os e chamou-me a atenção a camisola vermelha com “Portugal”, e apontei para ela. Eles riram-se. E mesmo sem percebermos grande coisa (eu de tétum, eles de português), acabaram por explicar-me que estiveram ao serviço de Portugal e mostraram-me fotos antigas suas, de 1975:

À direita ele próprio. E ainda o pai e um colega. Foto de 1975 também.

Cabelo comprido em cima e com madeixas louras despenteadas.. estes miúdos timorenses têm cá um style…

Molhei as mãos na água. Está fria.

Estou no suco de Baboe-Leten, sub-distrito de Atsabe, distrito de Ermera.

Esta escola chama-se “Heróis do 30 de Agosto”, devido aos incidentes ocorridos em 1999, aquando da realização do referendo. Neste referendo, conforme expliquei na crónica 71, foi dado aos timorenses o poder de escolha entre uma maior autonomia dentro da Indonésia, ou a independência. O referendo foi organizado e monitorizado pela Missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNAMET). As milícias, protegidas pelo exército indonésio, atacaram com armas de fogo e pedras o centro de votação aqui em Baboe-Leten, matando dois funcionários da UNAMET e tentando matar um terceiro. Um local de votação especial teve de ser estabelecido em Hatulia (também em Ermera) para os deslocados internos que estavam com medo de regressar a casa para votar. Os que regressaram, no entanto, a maioria – especialmente os líderes do CNRT, funcionários da UNAMET e ativistas estudantis – voltaram aos seus esconderijos nas montanhas e florestas logo depois de votar, antecipando a violência. Muitas pessoas esconderam mantimentos e pertences nas montanhas e na floresta, na expetativa do que aí vinha. Se não saíssem depois da votação, seriam mortos.¹

A professora.

As aulas começam às 8.30h mas agora são 9.40h e ainda não chegaram todos. A  primeira aula é sempre assim, disse-me a professora. Nesta foto estão os alunos que já chegaram, faltam os restantes!

Suco de Baboe-Leten, sub-distrito de Atsabe, distrito de Ermera. (Sobre o significado de “suco” remeto para a crónica 78).

A descer e sempre a tremer com as pedras, faz a máquina fotográfica nas costas cair-me para a barriga.

Se repararem, o pneu está a levitar no ar! O rapaz atirou-o e foi a correr brincar para outro lado.

Estou a ser espiada nesta minha descida. Eles vão-me acompanhando o caminho todo, lá em cima, a correrem.


¹ “Chega! Report” (2013, Novembro). The Final Report of the Timor-Leste Commission for Reception, Truth and Reconciliation (CAVR).” Volume II, Part 7.3.: “Forced Displacement and Famine”, pág. 1313. Author, CAVR. – Jakarta: KPG in cooperation with STP-CAVR. Livro online consultado a 25 Fevereiro 2019,
<http://www.chegareport.net/download-chega-products-2/>

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