062 – De Bicicleta pela Ilha de Ataúro

A viagem continua. Eu e o Natalino, (o qual esperou pacientemente durante a hora em que fui mergulhar, e quando eu saí do mar e do barco se mostrou praticamente tão entusiasmado quanto eu, pelo mergulho) continuamos de bicicleta em direção a Bikeli, para visitar o seu tio e primos.

Relembro que fui mergulhar de cuecas, por baixo do fato de mergulho. Eis uma experiência nova na minha vida: andar de bicicleta, com calções de ciclismo (com esponja, portanto) e com as cuecas encharcadas em água. Enfim, as partes femininas não são propriamente dadas a estas coisas. (Nem femininas, nem masculinas! Quem é que gosta de andar com as cuecas molhadas?!…) Felizmente as cuecas e os calções (cuja esponja tratou de absorver a água) secaram rapidamente, com este belíssimo calor que faz em Ataúro. O único vestígio com que fiquei para o resto do dia foram os meus olhos vermelhos. Muitíssimo vermelhos. Isto não são maneiras de chegar ao pé da família do Natalino (nem do Natalino, nem de ninguém). Parece que injetei qualquer coisa e fiquei com os olhos raiados de vermelho. Efetivamente estive um bocado atrapalhada com a máscara, debaixo de água, pois ela deixava entrar água. Eu tive de pôr em prática, várias vezes, os ensinamentos do curso de mergulho relativamente a expulsar a água de dentro da máscara, debaixo de água. Aliás, eu tive de tirar a máscara debaixo de água; voltar a fazer o rabo de cavalo que entretanto se desmanchou devido às sucessivas tentativas de resolver a coisa com a máscara; voltar a pô-la; e tirar a água de dentro dela. Os três debaixo de água, com bolinhas de ar a saírem dos tubos. O instrutor e o rapaz italiano a olharem, à espera que eu me penteasse a sei lá quantos metros de profundidade. Reparem que é impossível andar debaixo de água com cabelo comprido solto. Eu devia parecer uma medusa.  Até que finalmente o instrutor fez qualquer coisa, apertou-me devidamente o elástico da minha máscara, creio, e o resto do mergulho decorreu com normalidade. Agora pareço um bicho agressivo, salgado e despenteado, com os olhos raiados de vermelho. O Natalino sabe o que se passou, conheceu-me no meu estado normal, com olhos normais, e mais penteadinha, mas a família dele ainda vai assustar-se comigo. Pedi-lhe para explicar-lhes, em tétum, o porquê de eu estar com este aspeto. Não sou um bicho raivoso, de olhos vermelhos.

Pensava eu que indo junto ao mar, o caminho era todo a direito. Qual quê.

Que eu me recorde, nunca tinha visto campas com telhados.

Já ao final da tarde chegámos a Bikeli, a casa do tio do Natalino (na foto, juntamente com a sua filha – prima do Natalino, portanto). Foram 12 km até aqui. É uma ilha pequenina, Ataúro. Agora temos outros 12 de volta, e vamos chegar já de noite, à Vila Maumeta. O Natalino veio quatro vezes a Ataúro, a primeira vez com um turista, em trabalho, contou-me. Desde 2001 que não via esta família, não conseguiu ter tempo para visitá-los nas anteriores vezes em que cá veio. Tinha 3 anos quando esta parte da família o viu pela última vez, em 2001. A família esperava-o hoje porque o seu irmão telefonou a avisar que ele vinha. Felizmente que eu não desisti do passeio de bicicleta, depois do mergulho, senão ainda não seria desta.
Repare-se no canto superior direito no milho pendurado. Tem uma rede à volta para que os pássaros não o depeniquem.

O tio do Natalino gentilmente ofereceu-me um coco para beber, que eu aceitei de bom grado. O dia hoje foi – e continua a ser – muito intenso, pelo que beber água de coco cai maravilhosamente bem. E faz bem ao estômago, lembro-me de viagens anteriores.

O primo do Natalino.

De regresso à guesthouse, na Vila Maumeta. Agora temos 12 km pela frente. Os golfinhos dizem “Goodbye Biqueli”.

Digam lá que o rapaz não se trata. Este rapaz ataurense! (Creio que o gentílico de Ataúro é “ataurense”?)

De regresso à pousada. A aquecerem a água para o meu banho, o qual será dado de corrida com aqueles recipientes de plástico com uma pega. Amanhã quando regressar a Díli e à bela Vila Cardim, logo tomarei um banho fumegante como deve ser.

“I cannot walk properly“ – disse o Natalino, com um andar meio esquisito (ou em português, “Não consigo andar como deve ser”), o que me fez soltar uma gargalhada. A bicicleta do Natalino é de pior qualidade; a minha é toda racing, muito leve, e com mudanças mais ou menos afinadas. A minha bicicleta suplente (usada agora em Ataúro pelo Natalino) é mais pesada e as mudanças não estão afinadas. O mecânico entregou-nos a bicicleta em Díli sem as mudanças devidamente afinadas, é espantosa a qualidade deste serviço. É certo que eu tenho treino de bicicleta, e o Natalino não. Mas o Natalino joga futebol, e não subiu ontem o Ramelau a pé, nem fez 58 km de bicicleta a seguir. Vem descansadinho de Díli. Eu é que já nem consigo andar como deve ser também. Efetivamente eu ainda nem recuperei do dia de ontem. Foram 58 km maioritariamente a descer, mas sempre em posição tensa, com o rabo para trás, joelhos fletidos, suspensa no ar, a saltar por cima de buracos e pedras a toda a velocidade. É muito cansativo e ainda me doem as pernas, de ontem. Com esta tareia de hoje – e mais um mergulho de uma hora – se eu me vejo na cama até digo que é mentira.

Jantei esparguete com tomate, e pedi ovo para complementar, pelo que me trouxeram dois ovos cozidos. A salada não posso comer, conforme referi na crónica 21. Legumes crus molhados com água da torneira não posso comer; só posso beber água engarrafada. E acabei por dar um ovo ao Natalino (há um certo tráfico de ovos cozidos, nesta viagem, agora dou conta. No outro dia foi o Valério que me deu um; em certo dia andava eu com um ovo cozido na bolsa da cintura; e agora dou este ao Natalino. A comidinha aqui em Timor-Leste não é para deitar fora). E o que sobrou do meu esparguete foi para o cão mais magro que aqui anda. Um castanho. Foi uma luta desgraçada para manter outros dois afastados, mais gorduchos, da pousada, sem afastar o próprio cão castanho, que julgava que eu estava a enxotá-lo a ele também; mas consegui. (Como explicar a um cão que se está a enxotar o outro do lado, e não ele? Cão castanho, come! Cão branco, sai daqui!)

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