045 – Jantar e Estadia em Loihuno Wailakurini
Foi um dia puxado, hoje. Desde que acordei às 4 e meia da manhã (crónica 37) até finalmente chegarmos a esta tranquilíssima pousada, às 18.30h. Eu fiz apenas 27 km de bicicleta. Mais 108 km na pickup. Foram 135 km muito chocalhados. Eu por mim vou já dormir. Tomar banho e dormir. (Estão a ver a dificuldade em manter-me acordada até às 21h… Hoje vai ser outra luta). Eu nem tenho fome, não quero jantar – disse ao Valério. Apetece-me só bananas vermelhas e leite. Mas o Valério insistiu, disse que o jantar já está feito para duas pessoas (somos os únicos hóspedes, hoje) e lá me arrastou. E ainda bem que fui, pois será aqui que irei fotografar o lindo e verdinho Toké pintalgado que já mostrei na crónica 30. Estava à minha espera, coitadinho. (“Rute!… Rute!… estou aqui… sou verdinho e pintalgado, vem cá tirar-me uma fotografia que eu vou deixar…” Eu, ensonada, a perder as minhas faculdades de comunicação com a bicharada, quase nem o ouvia).
Há pouca rede de telemóvel. Estou quase sempre sem rede. Nenhuma internet. Vou já ver quantas tomadas tem o quarto para carregar tudo, começando já. Há duas. Tenho quatro carregamentos a fazer (dois telemóveis – se bem que um nem esteja a ser usado – o do trabalho, devido à falta de wifi, conforme explicado anteriormente, mas tenho que mantê-lo a funcionar para alguma chamada ou sms urgente), pilhas do GPS, bateria da máquina fotográfica. Tenho de gerir o tempo entre eles. De preferência sem ter que acordar durante a noite para trocar os aparelhos nas tomadas.
A parte de cima da janela não tem vidro, só tem uma rede. Baixei a rede anti-mosquitos na cama, pus spray anti-mosquitos em todo o quarto e dentro da rede também, antes de sair para jantar.
Por esta altura ouve-se grande algazarra das crianças a brincar na rua. Brincam até anoitecer, e já noite cerrada, às 19h, finalmente vão para casa e faz-se silêncio.
O esquentador aquece pouco, pelo que me trouxeram um balde de água quente. A seguir ao banho tive de pôr gel analgésico e anti-inflamatório no antebraço esquerdo. Ainda não recuperou dos 3 km (sim, 3 km) da descida do Loré (crónica 30), ontem de manhã. Ficaram a doer-me músculos que eu nem sabia que os tinha. É certo que eu podia descer mais moderadamente, devagarinho… Está bem, abelha.
O jantar vai ser naquela casa lá em cima, suspensa no ar. Cada vez que a senhora vai levar a comida à mesa, abanamos todos.
A pousada pertence a um antigo comandante das Falintil. Não está cá, foi a Díli, disseram-me.
Jantar às 20h. Grande silêncio. Ou melhor, muitos tokés a cantar, alegres e felizes.
Tofu; carne de vaca com batatas fritas. Salada para o Valério, já que infelizmente não posso comer legumes crus molhados com água da torneira, conforme explicado na crónica 16. A juntar a isto, encontrei um ovo cozido na minha bolsa da cintura. Com grande surpresa. Só agora é que me lembrei que guardei um dos ovos cozidos do pequeno almoço (crónica 37), porque não me apeteceu comer os dois que serviram. Descasquei-o e comi-o agora.
– Olá Rute! – cumprimentou-me este Toké.
– Como é que sabes o meu nome?
– Eu pertenço ao reino dos Tokés, e ademais sou um Toké timorense xamã, tudo está ao alcance do meu conhecimento!
Então eu ajoelhei-me e prestei-lhe reverência.
– Segue o teu caminho por terras timorenses, Rute. Debaixo do meu canto estarás protegida e chegarás sã e salva ao teu destino.
E eu agradeci-lhe profundamente e retirei-me para o meu quarto. Sim, seguirei o meu caminho, pequeno grande Toké.
Não é qualquer mulher que tem o privilégio de estar no quarto do borracho do Xanana Gusmão, mas no estado em que eu estou, com tanto sono, acho que ainda iria adormecer a meio da coisa. Eu nem consegui fazer a seleção de fotos diária, que é suposto fazer na máquina. Acabei de jantar, apaguei a luz e adormeci profundamente. Nem houve Tokés que me acordassem.