Dia 17 – Em Yerevan: Cemitério Yerablur, Museu de Arte Moderna, Zoo, Fortaleza Erebuni, Mercado Arménio e Centro de Arte Contemporânea

Hoje é 4ª feira, 17 de julho de 2024.
Dormi oito horas entre as 23 e as sete. Deixei o despertador para as oito. O pequeno-almoço é servido apenas às 8h30, muito tarde.
Hoje dão 20° de mínima (68F) e 34 de máxima (93F).

Repeti várias vezes; hoje nem às 3 da tarde eu terei forme.

Um Yandex Taxi a chegar. A aplicação no telemóvel indica-me a matrícula, o modelo e a cor do carro que vem apanhar-me.
O meu primeiro destino hoje – ou seja, é prioritário e visitado em primeiro lugar – é o Cemitério Militar Yerablur. Para ir de autocarro até ao cemitério, teria que apanhar dois, e ficaria a 1,1 quilómetros de distância. Não tenho tempo a perder, hoje, tenho que regressar a Mush ao final do dia, e ainda tenho de marcar o táxi compartilhado para cerca das 20 horas. Não sei ao certo a que horas me despacho, pelo que não reservei ainda o táxi compartilhado entre Yerevan e Mush. Eu e o Hakob fizemos experiências anteontem, e havia sempre lugares disponíveis, pelo que irei marcar um, na app, mais perto da hora.

O taxista Jorge. De início não queria tirar uma fotografia porque não tem a barba feita, disse.

Aqui, onde o meu táxi está parado, faz-se inversão de marcha. O traço está descontínuo, e passaram outros carros antes de nós. Naturalmente que é difícil, é preciso esperar que não venham carros nenhuns de frente. Estas inversões de marcha são muito comuns na Arménia, inclusive em autoestradas, que eu irei fotografar também. Aliás, eu própria tive que fazer inversão na bicicleta, em pontos destes.

A viagem durou 15 minutos e são agora 9h39.

O cão – chamado Mickey – é do guarda que ali está. Estive aqui uns minutos, à entrada do cemitério, e entretanto veio outro guarda falar comigo, dizer-me que não posso levar a máquina fotográfica para dentro do recinto. Tive que deixar a máquina fotográfica numa cabine de vidro, dos guardas. Só posso tirar fotos com o telemóvel, e poucas. Eu disse-lhes que era importante divulgar estes assuntos em Portugal e no mundo. Mas eles estão a cumprir regras.

Estou a sorrir porque estou viva, mas vou deixar de sorrir quando entrar no cemitério e vir tanta gente, e por vezes tão nova, morta na guerra de Nagorno-Karabakh.

O Cemitério Militar Yerablur foi inaugurado oficialmente em 1992, servindo como local de descanso final para muitos dos soldados arménios que perderam a vida durante a guerra de Nagorno-Karabakh, o conflito que envolveu a Arménia e o Azerbaijão pela região disputada (ver crónica 3 para mais detalhes). No entanto, há referências a enterros no local já em 1988, especialmente daqueles que morreram durante os primeiros conflitos.
Nos últimos anos, o cemitério ganhou ainda mais relevância devido aos novos conflitos de 2020 e 2023, entre a Arménia e o Azerbaijão, que resultou em muitas novas sepulturas neste local. Yerablur é um local de luto e memória, mas também de orgulho nacional e resiliência.

Os pombos brancos da paz observam o cemitério.

Aqui já tenho a minha máquina fotográfica de volta, e após um percalço com outro Yandex Taxi que deveria levar-me ao centro da cidade – e que dizia que já tinha chegado ao cemitério e que estava à minha espera, e eu ver que não estava carro nenhum ali – até que apareceu este casal e me disse para eu cancelar o meu táxi, e que posso ir no deles, pois também vão para o centro da cidade. Eu ofereci-me para dividir a despesa com eles, mas eles não aceitaram; o táxi foi 1300 drams (3,10€).
São a Marina e o Edward, de ascendência arménia. Nasceram na Síria, depois ela foi para o Chipre e ele para o Canadá. Conheceram-se através da internet, casaram-se há três dias, e estão a passar a lua de mel aqui na Arménia. Por causa do genocídio os avós tiveram que fugir, por isso nasceram na Síria. São o resultado direto do genocídio (sobre este, ver crónica 16). A Marina é formada em Matemática, e o Edward não cheguei a saber. Disseram-me que tiveram que tirar uma cópia do passaporte para entrar no cemitério. Se calhar é por ser homem. Eu não precisei de tirar.

Estive 25 minutos à procura da paragem do autocarro, a andar para trás e para a frente. Conforme me movia, a aplicação dava-me outras paragens e outros autocarros. Desisti e chamei um táxi – 800 drams (1,90€). Hoje não posso perder tempo com estas coisas.

A minha próxima visita é o Zoo de Yerevan. Ficou para segundo lugar porque é fora da cidade. As restantes visitas já serão todas no centro.

Tenho visitado os zoos por todo o mundo, para ver as condições em que cada país mantém os animais presos. Se antes sentia real prazer ao ver os animais, desde a infância, agora faço estas visitas com tristeza. Pobres bichos, uma vida inteira confinados num pequeno espaço, para divertirem os humanos. Mais tarde ou mais cedo os zoos serão abolidos.

Repare-se na placa: é permitido alimentar os animais, mas exclusivamente com a alimentação fornecida pelo próprio zoo. Um pacote com cenoura e outros legumes custa 500 drams (1,19€). A entrada custa 1000 drams (2,38€).

Há elefantes, aparentemente, mas esconderam-se.

Tenho enchido a garrafa nestes bebedouros espalhados por Yerevan. Ontem bebi dois goles de água nos bebedouros no Victoria Park (na “Mãe Arménia”), para experimentar. Lavei os dentes à noite com água da torneira. Se em Mush a água me faz doer o estômago, aqui em Yerevan não.

Eis a espécie que também devia estar numa jaula do jardim zoológico.

A Melanie, de 15 anos, aqui de Yerevan, veio mostrar o zoo àquela senhora lá atrás, uma familiar que está de visita. Fala bem inglês comigo, e conversámos porque eu procurava uma casa de banho. Já é a terceira pessoa a quem eu pergunto, de facto, e não há maneira de encontrá-la. E a Melanie inicialmente não me percebeu, e mostrou-me o mapa do zoo, para vermos as duas se encontrávamos esse animal que eu procurava. Claro que nos rimos no final, quando a Melanie percebeu e me apontou finalmente onde fica a casa-de-banho. Ela tirou-me a foto seguinte, com a minha câmera. Não sei como é que a coisa se proporcionou, mas acabei por deixar-lhe o meu Instagram, e quando cheguei a Portugal eu tinha uma mensagem sua. (Eu tinha a mensagem antes, de facto, mas não consultei as redes sociais durante esta viagem). E depois de regressar a Portugal, mantivemos o contacto através do WhatsApp. Já comigo em Portugal, a Melanie mostrou-me fotos de um passeio de bicicleta que tinha dado perto de sua casa, nos arredores de Yerevan, numa zona de campo, com cavalos inclusive.

Creio que este foi o cenário mais insólito que alguma vez eu vi num Jardim Zoológico. Aquele corredor põe em contacto os lobos com os ursos. Mas a porta está fechada, porque senão eles matavam-se. E puseram um bocado de carne ali, pelo que o lobo e o urso estavam a guerrear, através das grades, pela sua posse.
Não sei bem o que pense disto. Terá que ser um especialista em Zoologia, mas a impressão que me causou não foi boa. Já basta os bichos estarem presos uma vida inteira, ainda terem que ficar naquele estado de nervos?

O urso, com aquelas garras enormes, acabou por conseguir fazer passar o osso através das grades e foi-se embora com ele.

Morcegos!

O Zoo fica à beira de uma estrada com seis faixas, com uma acentuada subida, com um trânsito infernal, e um barulho insuportável – que felizmente não se ouvia nada dentro do Zoo. Mas eu não aguentei aqui nem um minuto e meti-me no primeiro autocarro que apareceu logo mal cheguei à paragem. Era o nº 1, que vai exatamente para o centro, felizmente.
Dei uma moeda de 100 drams (0,24€) ao entrar, como habitual, e desta vez recebi troco de 50.

É o motorista do meu autocarro, que saiu e foi beber água no bebedouro.

Eis o meu autocarro, e o simpático motorista riu-se ao ver-me tirar a foto.

O Museu de Arte Moderna. O autocarro deixou-me a cem metros dele. (Eu vou acompanhando o percurso na app do Maps.me – esta app vai sempre indicando a minha localização, enquanto eu estou dentro do autocarro. Eu coloquei como destino o museu, e vou vendo o progresso da minha viagem, em direção ao museu. Pelo que sei onde sair, nem precisei de perguntar nada ao motorista).

A entrada no museu custa 1500 drams (3,57€).

Gostei imenso da visita a este museu, fotografei muitas obras e respetivas placas, para eu saber quem são os artistas – todos arménios. Este museu é dedicado exclusivamente a artistas arménios. Deixo aqui apenas um resumo muito resumido; o museu é grande, tem várias salas.

“A caminho de Etchmiadzin”, outono 1970, Hakob  Hakobyan (1923-2013).

“Apóstolos”, 1987, Nona Gabrielyan (1944).

“Haik’s Ark”, 2014, Haik Mesropyan (1967)

Esqueci-me de fotografar a placa com o autor desta obra! Se alguém souber, que me envie uma mensagem e eu atualizarei esta crónica.

“O Tubarão”, 1987, Arman Grigoryan (1960)

“série Testemunha, 1”, 2020, Guy Ghazanchyan (1991)
Esta foi a minha obra preferida, neste museu. Eu vejo aqui o testemunhar do horror, o espanto, a inação. Eis a história da humanidade.

“Hiena”, 1974, Alexey Papovyan (1941-2021)

“série Noiva, nº 4”, 2014, Haik Mesropyan (1967)

Que me perdoem todos os restantes artistas, de outras magníficas obras, que aqui vi, mas eu não posso colocar o museu inteiro nesta crónica.

São 14h20 e chamo um Yandex Taxi para a minha próxima visita: Fortaleza Erebuni. 24 minutos de caminho, 1100 drams (2,62€).

O taxista Marcos diz que o Ronaldo é arménio. Vai com o telemóvel na mão porque se o puser no suporte, aquece muito e deixa de funcionar.
O Marcos viveu 20 anos no Cazaquistão, no tempo da União Soviética. Por isso sabe ler e escrever russo. Mas diz-me que todas os arménios com 30 ou 40 anos para cima, sabem russo. As novas gerações já estudam inglês e francês, e não russo, disse-me.

Lá ao fundo, no topo, já é a fortaleza, diz-me o Marcos.

Ao chegar à fortaleza descobri que tenho que ir primeiro ao museu comprar o bilhete para entrar. Ainda é uma caminhada grande, com muitos degraus até lá abaixo. O bilhete custa 1500 drams (3,57€). (Pergunto-me se haverá algum leitor destas crónicas que não saiba já de cor e salteado que 1500 drams são 3,57€…)

A Fortaleza de Erebuni, também conhecida como Arin Berd, foi fundada em 782 a.C. pelo rei Argishti I de Urartu, um antigo reino que existia na região do planalto arménio. O nome “Yerevan” acredita-se que tenha evoluído de “Erebuni”. Isto faz de Yerevan uma das cidades mais antigas do mundo ainda habitadas. As escavações neste local começaram no início do século XX e continuam até hoje. Os arqueólogos desenterraram muitas relíquias que estão agora em exposição no Museu de Erebuni, que mostrei nas fotos anteriores.

Eu era a única pessoa na fortaleza e andei com o segurança a perseguir-me, nem consegui perceber bem porquê. Há um aviso, logo à entrada, a dizer que câmeras fotográficas profissionais não podem entrar, ou pelo menos não podem tirar fotos. Alguma vez eu sou profissional, eu sou artista-viajante, sou pintora, não sou fotógrafa profissional. Depois ele não sabia falar inglês e estava a dizer-me qualquer coisa em arménio. Será que eu não posso estar em cima das pedras? Pois não cheguei a perceber. Enfim, um local turístico, calhava bem alguém que falasse inglês. Mas ainda consegui tirar esta foto.

Eis um autocarro elétrico! A app do “Maps.me” estava sempre a dizer-me para eu apanhar um elétrico, e eu sem ver elétricos nenhuns em Yerevan. Agora é que percebi! São autocarros elétricos!
Só mais tarde dei conta que o autocarro nº 1 que apanhei à saída do Zoo também era elétrico, e vê-se claramente na foto.

São 16h06 e aqui vou eu para o meu próximo destino: o Mercado Arménio. Qual almoço. Já começo a sentir algum apetite, todavia, depois daquele enorme pequeno-almoço no hotel.

O Mercado Arménio à direita, também conhecido por “GUM Market”.

Comprei aqui cerejas e fui a comê-las pelo caminho. Estas cerejas eram maravilhosas, a 500 drams o kg (1,19€). Fui deitando os caroços para outro saco de plástico que o vendedor me deu.

Aquele líquido é avinagrado, tem um forte odor, é tipo “pickles”.

Basturma: é uma iguaria tradicional arménia, também muito popular noutras regiões do Cáucaso e do Médio Oriente. Trata-se de carne curada, geralmente de vaca, que é temperada com uma mistura rica de especiarias e depois seca ao ar. A basturma tem um sabor forte e intenso, que combina o salgado da carne curada com o sabor picante e aromático da pasta de especiarias. É frequentemente servida fatiada muito fina, como aperitivo ou em sanduíches. É também utilizada em vários pratos, incluindo omeletes e outros pratos de carne.
Não cheguei a experimentar a basturma, nesta minha viagem. Arrependo-me hoje de não ter comprado aqui queijo e basturma. Mas eu não quero andar carregada, é a questão. Teriam que vender-me pedaços pequenos para eu comer já.

Aqui virei sim a experimentar aquelas bolas de figos secos, que estão ao centro, esbranquiçadas.

Está recheado com frutas secas e amêndoas, ou castanhas, ou nozes, ou tudo. É altamente nutritivo e saudável. Meio quilo de cerejas e este figo já me deixaram satisfeita.

Estes doces compridos chamam-se “sweet sujukh”, em inglês, ou “chouriço de nozes” ou “chouriço doce” em português. É uma sobremesa tradicional arménia feita com nozes ou amêndoas, cobertas com um xarope de açúcar cozido com sumo de uva ou romã e aromatizado com especiarias como cravo, canela e cardamomo. A mistura de nozes é moldada em formato de linguiça e mergulhada várias vezes no xarope de açúcar para criar uma camada cristalizada doce por fora.

Felizmente irei comer um, nesta viagem, daqui a uns dias.

São 17h18 e eu quero ir ao meu último destino de hoje: o Centro Arménio de Arte Experimental Contemporânea. Esta também foi uma sugestão do Mkrtich, ontem, ele é que me falou deste centro. São 1,2 km até lá, desde o mercado, onde me encontro. Ainda olhei para ver se vinha algum autocarro, mas eu não posso demorar-me. Decidi ir a pé. Ainda nem reservei o táxi partilhado para Mush, porque continuo sem saber a que horas me despacho. Espero conseguir um lugar, senão fico em terra. É arriscado o que estou a fazer, mas há coisas importantes que têm de ser feitas – se calhar só estou em Yerevan uma vez na vida.

Andei perdida, o “Maps.me” mandou-me por becos e ruelas para um local errado, nas traseiras da avenida. Foram várias pessoas na rua que me foram apontando o eventual caminho, conforme eu lhes mostrava a morada, até que cheguei aqui.

Centro Arménio de Arte Experimental Contemporânea

Foi maravilhosa, esta visita, antecipo-me já. Foi um bombom para finalizar o meu passeio por Yerevan. Ficam aqui algumas fotos. Numa parte da exposição podem ver-se obras de artistas arménios, ou da diáspora arménia. E noutra sala está patente uma exposição de trabalhos videográficos do artista espanhol Albert Merino, o qual propõe a construção de um imaginário fantástico, conforme nos explica o cartaz de entrada. Vídeos absolutamente fabulosos.

“Momento”, de Silvana Chobanyan.
Esta é uma obra feita com o pão tradicional arménio – o lavash.

Os três vasilhames ao centro: “Grito”, de Sonia Balassanian, que também é uma das curadoras desta exposição.

A instalação à direita: “Bandeiras da Independência, Individualidade e Solidariedade”, de Bela Pogosian.
As pinturas na parede: “série Flores Desabrochando”, de Kima Gyarakyan.

“Objeto XB-02”, de Hamlet Hovsepyan.

Os vídeos de Albert Merino.

Tenho que ir ao hotel buscar o meu saco, com as minhas coisas.

São 18h36. Consegui fazer uma reserva para um táxi partilhado às 19 horas, para Mush 2. Chamei um Yandex Taxi para me levar à estação de metro Barekamutyun, de onde o táxi partilhado parte. Mas devia ter ido de metro, pagaria apenas 100 drams e não teria trânsito nenhum. Foi uma má escolha. Apanhei um stress dos diabos, com o trânsito da hora de ponta, e cheguei dez minutos antes do táxi partir.

A paragem dos táxis partilhados, em Barekamutyun. O meu simpático motorista é o da tshirt lilás. Vim a descobrir que o meu lugar não está garantido, a minha reserva está pendente de aprovação, e ele disse-me – eu pensava que ele era outro passageiro, eu ainda não sabia que ele era o motorista – “I go! You stay!”, o que nos fez rir a todos.

Desta vez somos 3 mulheres e 3 homens, mais o motorista.

Eu fui no banco de trás, juntamente com este passageiro, que se chama Arseniy. Só lhe tirei esta foto e nem reparei que ficou com os olhos fechados, que pena, mas mantive-a, claro, é a única que tenho. Fomos a conversar todo o caminho: o Arseniy não tem um inglês perfeito (nem eu) mas deu perfeitamente para mantermos uma conversa durante mais de uma hora. Nasceu na Crimeia, e vive há um ano em Gyumri. É militar russo, e é formado em filosofia. Perguntei-lhe como é que um filósofo dá em soldado. (E se agora tiver que lutar contra a Ucrânia? – pensei). O Arseniy disse-me que pediu transferência para Gyumri, por ser um local pacífico. É casado e a mulher é formada em Culturologia, e está a viver em Gyumri consigo. Eu nunca ouvi falar deste curso em Portugal, mas investigando na internet, encontro prováveis equivalências: Estudos de Cultura, Ciências da Cultura, Estudos Culturais.
Curiosamente o Arseniy viu um filme documental há dois meses de um dos artistas residentes, nos apartamentos da Art Basis, em Mush 2. Era uma artista dos EUA, contou-me, mas com avós arménios, que fugiram durante o genocídio. A artista não fala arménio. Perguntei-lhe como é que ele soube desse evento, e ele respondeu-me que foi através de amigos.
O Arseniy, ao saber que eu viajava pelo mundo, disse que ele próprio era um “lazy traveller”: nasceu em 1983 na ex-USSR. Depois a Crimeia passou para a Ucrânia. Durante três dias foi uma república soberana. Depois voltou para a Rússia. Ou seja, está sempre a viajar entre países, mas sentado no mesmo local. Eu ri-me.
Falámos de questões de poder (isto de falar com um soldado filósofo, e ainda por cima às ordens do Putin…) e eu mostrei-lhe a minha pintura “The Mighty”, onde até os mais poderosos precisam de um suporte, de um apoio por detrás. Falei no documentário que vi recentemente no cinema, sobre a ascensão do Mussolini – “Marcha sobre Roma”, de Mark Cousins – e como esse filme mostra a linguagem corporal daquele, antes e depois de ter o apoio dos poderosos, mostrando como era acanhado antes.
Não tarda nada o Arseniy leva-me presa, mas pronto. Os russos já têm o meu passaporte, já sabem que eu estou aqui (conforme contei na crónica 12), e com esta conversa, não sei quanto tempo mais vou aguentar nestas terras.
Aligeirámos a conversa entretanto. O Arseniy não fala arménio, mas sabe algumas coisas e ensinou-me que na língua arménia não há “ele” ou “ela”, há só um género. Os arménios não dizem “ele está a beber uma cerveja“ ou “ela está a beber uma cerveja“; dizem algo como “a pessoa está a beber uma cerveja“. Achei isto interessantíssimo. A língua arménia já está um passo avançada na história, então, pois a distinção de géneros está a mudar radicalmente, no mundo, com a evolução. Antes havia só dois géneros, feminino e masculino, atualmente qualquer vulgar questionário já inclui outros géneros, para a pessoa escolher com qual se identifica mais.

O nosso táxi foi abastecer de gás, e é obrigatório todos saírem do carro e afastarem-se porque há perigo de explosão. Esta agora… Ao que parece são sistemas abastecedores de fraca qualidade.
Entretanto, enquanto esperávamos cá fora, outro rapaz no táxi perguntou-nos se éramos artistas. Eu respondi que sim, que eu sou. Ao conversarmos brevemente, esse rapaz disse-nos que é formado em Arte Digital numa universidade em Milão. Recebeu uma bolsa do Estado arménio e formou-se lá. Agora está a pensar em ir fazer o mestrado também em Milão. Trabalha em arte digital aqui em Gyumri, a sua terra natal, remotamente. Que sortudo.
E outro passageiro, dos seus 50 anos, é de Nagorno-Karabakh, disse-me.
Este táxi vai cheio de gente interessante.

Cheguei às 21h20 ao estúdio.
Choveu torrencialmente um pouco antes – o Arsenyi mostrou-me o vídeo com as imagens da chuvada, que a mulher lhe enviou. Grande novidade, relâmpagos, trovoadas e chuvas torrenciais, em Gyumri. E eu que venho dos maravilhosos 33 graus de Yerevan.

Só me apeteceu comer fruta e leite. Comi o pêssego que comprei ontem. E melão. Ainda comi uma fatia de queijo, e não me apeteceu mais. E, claro, o meu habitual leite morno com mel e canela.
Que dias tão intensos e bons vivi em Yerevan.

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