113 – Graciosa – Furna da Maria Encantada & nas Cumeeiras da Caldeira

A Furna da Maria Encantada é uma das mais notáveis cavidades vulcânicas dos Açores e única no panorama internacional. A sua génese está associada à formação de um lago de lava no interior da caldeira, que transbordou para noroeste, tendo originado grutas como esta Furna da Maria Encantada.¹

O historiador Gaspar Frutuoso, nascido na ilha de São Miguel, e o qual já apresentei na crónica 6 quando visitei o seu túmulo, refere esta furna no seu livro “Saudades da Terra”. Dá-lhe outro nome – Furna do Castelo:
“…desembarcando em um grande areal e não sabendo pera onde fosse com a mulher e filhos, por a terra estar toda coberta de espesso arvoredo, achou um carreiro que o gado tinha feito, e caminhando por ele pela terra dentro, foi ter a uma furna, que se chama a Furna do Castelo, feita como uma casa de pedra, ao modo de abóboda muito fremosa, onde se meteu e agasalhou com sua gente (…)”.²

A tradição oral que sustenta os dados relatados pelo cronista Gaspar Frutuoso, em finais do século XVI, fixa o povoamento da Graciosa na década de 1470, embora liderado por duas figuras diferentes. Uma das propostas refere a iniciativa de um Vasco Gil Sodré, cavaleiro natural de Montemor-o-Velho, que tinha estado envolvido nas façanhas portuguesas no norte de África. Acompanhado de família e criados, Vasco Gil Sodré desembarca na Graciosa, depois de uma breve passagem na Terceira, estabelecendo-se numa gruta, a Furna do Castelo. Continuando a seguir o relato quinhentista de Frutuoso, temos a informação de que, dois meses depois, este pequeno grupo é atacado por espanhóis e, perante a sua resistência, o próprio Vasco Gil Sodré é levado pelos castelhanos. Numa outra versão, Gaspar Frutuoso refere o nome de Duarte Barreto, natural do Algarve e cunhado de Vasco Gil Sodré, que se terá estabelecido na zona da Praia na qualidade de capitão da Graciosa. Também aqui, o confronto entre Duarte Barreto e os espanhóis resulta no aprisionamento ou morte deste capitão português.³

Leio na internet: a subida à Furna da Maria Encantada dá uma panorâmica de toda a depressão e da abundante e pujante vegetação plantada pelo homem: criptomérias, acácias, pinheiros e incensos cobrem a quase totalidade das paredes da caldeira e contrastam com a vegetação de outras áreas da ilha.⁴

Repare-se no que diz a placa relativamente à fauna e flora. Nomeadamente: “Neste habitat reside a única espécie de mamífero endémico dos Açores, o morcego dos Açores (Nyctalus azoreum)”.
Vamos lá ver a carinha deste morcego:

Morcego dos Açores (Nyctalus azoreum).

É o único mamífero endémico do arquipélago. Trata-se da mais pequena espécie do género Nyctalus da Europa, com um comprimento corporal máximo de 54 mm, tendo apenas 35 mm de cauda. A sua pelagem é, geralmente, muito escura, clareando na região ventral. Esta espécie é uma das poucas no mundo que possui forte atividade diurna, o que se deve, provavelmente, à ausência de predadores. A sua distribuição está restrita aos grupos central e oriental do arquipélago sendo que na ilha de Santa Maria a sua ocorrência é bastante rara. Esta espécie está, atualmente, considerada em Perigo pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas do IUCN e as suas populações estão a decrescer rapidamente. O isolamento geográfico a que a espécie está sujeita constitui um dos principais fatores de ameaça, tornando-a mais sensível quer a desastres naturais quer a outras ameaças como a perturbação de colónias e a alteração ou destruição de abrigos.⁵
Foto retirada de Azores Bioportal.

Claro que subi à torre. Como é que eu podia vir à ilha Graciosa sem subir à torre? E abana que se farta. Parece um pudim a abanar, comigo lá em cima.

Continuo a caminhar pela cumeeira da Caldeira, ou seja, pela crista do vulcão. A bicicleta ficou presa ao poste da Furna da Maria Encantada.

Mas esta caminhada pela cumeeira não deixa ver a caldeira (à esquerda). Está tapada pelas árvores.

A ilha de São Jorge, e atrás dela a montanha de Pico, o Titã. Está sempre à espreita.

Agora além de não ver a Caldeira, tenho o caminho barrado com arame farpado. Efetivamente é fácil de passar por baixo, pois ele é bastante largo. O pior é se há vacas bravias. Vou mas é telefonar para os serviços do Parque Natural – alguém há de esclarecer-me que caminho é este, e como é que posso passear nas cumeeiras da Caldeira. Tenho rede de telemóvel, felizmente.

A minha localização está identificada pela seta azul. Mas o GPS deve estar um bocado perdido, porque eu estou junto à Caldeira, não estou na estrada lá em baixo. E afinal este caminho que eu estou a fazer não é o correto. Este não é um caminho para passear. Não é para turistas! E não há vacas bravias na ilha Graciosa, informaram-me ao telefone, dos serviços do Parque Natural. Até posso passar por baixo do arame farpado e continuar, se quiser. Mas o caminho oficial para dar a volta à Caldeira é mais abaixo, e fica junto à entrada para a Furna da Maria Encantada, onde deixei a bicicleta, e efetivamente fotografei a placa ali perto a anunciá-lo.
Pronto. Então volto para trás. Fiz 1 km até aqui, e agora faço outro km para trás. É sempre bom fazer 2 km a pé pela ilha Graciosa, mesmo perdida.

Agora sim, regressei à bicicleta e prossigo pelo caminho oficial.

Ali em baixo é onde eu estou alojada, na Praia (localidade também chamada de São Mateus).

E ali está o meu moinho cinzento, ao lado do branco.

Mas neste caminho oficial, que dá para carros, também não vejo a Caldeira. Eu queria passear pelas cumeeiras da Caldeira, como fiz nas ilhas de São Miguel e do Corvo, mas sempre a ver a Caldeira.

Novamente, a minha localização está identificada pela seta azul. Eu não vou prosseguir mais. Não quero dar a volta à Caldeira sem a ver.

Vou mas é para o meu segundo destino de hoje: a Caldeirinha, seguindo os planos que já contei na crónica 110. Não sem antes aproveitar este magnífico estar neste magnífico miradouro. Estou a ver o restaurante dos hambúrgueres lá em baixo, onde eu tenho comido, mas ir lá agora seria uma grande volta, iria comprometer a minha ida à Caldeirinha. Não há tempo a perder e portanto como um bife sob a forma duma barra de proteína.


¹ “Caldeira da Graciosa”. Placa exposta no miradouro da Furna da Maria Encantada. Governo Regional dos Açores. Julho 2020.

² “Furna da Maria Encantada” (s.d.) Wikipédia. Página consultada a 25 fevereiro 2021,
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Furna_da_Maria_Encantada>

³ Costa, Susana Goulart (s.d.). “Graciosa, a Ilha Esquecida”. Instituto Açoriano de Cultura. Inventário do Património Imóvel dos Açores. Página consultada a 25 fevereiro 2021,
<https://www.iac-azores.org/iac2018/projetos/IPIA/graciosa/santacruz/graciosa-ilha-esquecida.html>

⁴ “Furna da Maria Encantada” (s.d.) Visit Azores, Sítio Oficial Turismo dos Açores. Página consultada a 25 fevereiro 2021,
<https://www.visitazores.com/pt/the-azores/places-to-visit/furna-da-maria-encantada>

⁵ “Morcego-dos-Açores” (s.d.). Governo dos Açores. Página consultada a 25 fevereiro 2021,
<https://www.azores.gov.pt/Gra/srrn-cets/conteudos/livres/Morcego-dos-A%C3%A7ores.htm>

<< >>