110 – Graciosa, 31º dia – A Caminho do Vulcão Caldeira
Hoje é 6ª feira, dia 31 de julho de 2020.
Despertador para as 5h20, mas acordei uns minutos antes.
Já estou na fase de, ao acordar durante a noite para ir à casa de banho, não saber para que lado da cama saio. Onde está a casa de banho? Que casa é esta? Em que ilha estou?
Acabei com o Chocapic, e como era pouco, ainda comi um iogurte com pedaços de cereais.
Partida às 6h46. E estive à espera que amanhecesse. Amanhece tarde.
Hoje tenho dois destinos: primeiro, o Vulcão Caldeira. Não é “Vulcão da Caldeira”, como está ali no Maps.me. Estes estrangeiros não percebem nada. É “Vulcão Caldeira”, simplesmente. É o que o IVAR diz – Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos, dos Açores. Com estas coisas de vulcões uma pessoa até se desorienta no vocabulário. Olhem esta descrição do Vulcão Caldeira, feita pelo IVAR:
O Vulcão Caldeira da Graciosa corresponde a um vulcão poligenético com caldeira, em cujo interior se identificam diversas formações lávicas e dois maars. A história evolutiva deste vulcão caracteriza-se por uma sucessão de episódios subaéreos, envolvendo períodos de atividade havaiana, estromboliana, subpliniana e pliniana, por vezes, com características hidromagmáticas. A formação da caldeira data de há cerca de 12.200±40 anos e está relacionada com um importante evento explosivo hidromagmático, marcado pela extrusão de piroclastos pomíticos de queda, escoadas piroclásticas, lahars e surges.
Perceberam tudo, naturalmente? Vão ver as imagens, quando eu lá chegar. Tudo irá tornar-se claro. Quando virem um piroclasto pomítico, saberão logo o que é.
Bom, adiante. A seguir à Caldeira, irei à Caldeirinha, que se vê ali no mapa, a meio da ilha.
Está imenso trânsito, como se pode ver. Eu vou no meio da estrada, e parar para tirar esta foto foi uma operação complicada.
Eu tenho de ir para aquela estrada atrás do STOP. Com tanto movimento, tenho de ter muito cuidado.
Não há trânsito nenhum, mas este desgraçado tinha de ser apanhado por um carro.
Com a ajuda daquela folha de eucalipto, agarrei no pêlo do rato e tirei-o da estrada. Pu-lo ali. Coitadinho. Este é um rato do campo, é mais limpo do que muitos humanos. Habituado a percorrer os verdes campos açorianos, eis que morre no alcatrão. Que morte ingrata.
E posso dizer que o coelho da ilha de São Miguel, da crónica 4, cheirava muito mal, em comparação com este rato do campo. Aliás, este rato do campo não cheira mal. Pelos vistos lava-se, coisa que o coelho aparentemente não faz.
São 7h14. É a primeira pessoa que vejo. Claro que lhe tiro imediatamente uma foto.
Chama-se Ricardo, e esta povoação chama-se Pinheiro, diz-me.
O Ricardo está à espera duma boleia. Vem um carro buscá-lo para o trabalho.
O Ricardo nasceu em Angola, veio para Portugal quando tinha 4 anos, e trabalha na Câmara Municipal. Vive na ilha Graciosa há 4 anos. Correu as ilhas todas dos Açores com os escuteiros; eram 105. Já viveu em Lisboa, na ilha de São Miguel e na ilha Terceira.
Nesta foto veio mostrar-me a bicicleta que comprou para o filho. Vai arranjá-la e irá ficar uma bela máquina.
O Ricardo limpou os olhos ao gatinho, mas ele não consegue abri-los. Tem que ir ao veterinário, disse-lhe eu. Senão ele ainda cega.
O Ricardo tem um cão da raça Pinscher há 11 anos, com as vacinas em dia, e o veterinário liga-lhe quando se aproxima a altura de outra, contou-me. O seu cão já viajou consigo para todo o lado, de barco e de avião numa mochila consigo.
São 7h23. Chegou a boleia do Ricardo. Despedimo-nos e eu prossigo caminho.
Era suposto apanhar o nascer do sol e as vaquinhas, mas nem dei conta que a máquina focou nas grades do portão. Paciência, mantive a foto.
Igreja de Santa Quitéria, também conhecida por Igreja de Nossa Senhora do Livramento, na povoação de Fonte do Mato. Procurando na internet informação sobre ela, só existe na Wikipédia, a qual aparentemente vai buscar a informação a um livro de Francisco Carreiro da Costa: “História das Igrejas e Ermidas dos Açores”:
Remonta a um primitivo templo de pequenas dimensões. Arruinado pelo tempo, foi substituído em meados do século XIX pelo atual. A sua construção iniciou-se em 1853, por iniciativa do abastado proprietário graciosense Francisco de Sousa Machado. Embora pouco ou nada se saiba acerca da sua construção, do exame da sua fachada depreende-se que o projeto original compreendia uma segunda torre lateral que não chegou a ser elevada, possivelmente por falta de recursos.
O orago correto é Santa Quitéria, mártir do século II, que nasceu em Braga e foi martirizada com 15 anos de idade.²
A imagem de Nossa Senhora do Livramento, oferecida como ex-voto pela tripulação da barca “Livramento”, que uma tempestade arrastou da Vila da Praia até às costas do Algarve, milagrosamente sem perda de vidas, encontra-se num nicho lateral, tendo do lado oposto a imagem de Nossa Senhora do Rosário. A devoção à imagem da Senhora do Livramento está na origem da designação popular.
O local beneficiou da influência de António da Cunha Silveira de Bettencourt (1782-1873), 1º barão da Fonte do Mato, responsável pela canalização de água potável para o lugar e pelo arranjo do templo. Tem império do Divino Espírito Santo próprio.¹
A segunda pessoa que vejo hoje. São 7h35. Chama-se Belchior e mora aqui na Fonte do Mato. Nasceu na ilha Graciosa. Conhece todas as ilhas dos Açores e a sua preferida é mesmo a Graciosa. O Belchior referiu-me a ilha do Pico, não me recordo porquê – só registei a sua pronúncia. O Belchior não disse “Pico”, disse “Puc”. Esteve no Puc!
Também esteve 4 meses no continente, em Pedrouços, a tirar a carta marinha na Escola de Pesca e de Marinha de Comércio, ao lado da Torre de Belém. Foi buscar dois navios à Noruega, contou-me. É contramestre. E disse-me para eu ver a sua casa, que tem umas bandeiras à porta. Bom, eu vou em frente, logo a verei.
Ninguém mais dormiu nesta terra da Fonte do Mato, com este cão a ladrar desalmadamente à minha passagem.
Já aquele cão, ali na varanda, chama-se Lex e é muito mimado com o dono, que está a sair de casa agora. Nem ladra.
Bom, era impossível não ver a casa do Belchior!! Tem o seu nome no cimo da porta e tudo, não vá a gente ter dúvidas.
Passou por mim a correr e não falámos. Mas tirei-lhe esta foto. Consegui apanhá-lo completamente no ar, não tem nenhum pé no chão. Esta foto ainda conseguiu ser melhor do que a minha, na crónica 104, que fiquei com um calcanhar a tocar no chão.
Mas depois arrependi-me de não ter pedido ao rapaz para parar, e pelo menos perguntar-lhe o nome. Ele vai lá à frente. Vou acelerar e vou apanhá-lo ainda.
Ainda me deu luta, tive de esfalfar-me na bicicleta, por ali acima, atrás dele.
Chama-se Gil! Tem 16 anos, nasceu na ilha de São Miguel e está na Graciosa a passar férias em casa de família.
Pronto, está desvendado o mistério.
E este micaelense é giríssimo.
E quem vem aqui, agora? Tenho de conhecer toda a gente.
Esta senhora chama-se Livramento e nasceu aqui na ilha Graciosa. Sempre viveu na Graciosa. Falta-lhe conhecer apenas as ilhas das Flores e Corvo. Trabalha nos bordados em Santa Cruz, disse-me. Nasceu lá mais para baixo mas vive nesta casa há 40 e tal anos.
A Livramento também estava à espera de boleia. Esta carrinha veio buscá-la.
E quem é aquele senhor de tshirt branca, que mora aqui ao lado da Livramento? Esperem lá que eu vou já saber.
Em primeiro plano está o José; em segundo plano está um gato que fiquei sem saber se tem nome sequer. Atrás do José está a sua casa.
O José Ramos Aguiar nasceu a 6 setembro de 1960 aqui na ilha Graciosa e viveu 6 anos na ilha Terceira, a estudar. Aos 13 anos foi de barco sozinho para estudar lá. Não havia avião. No porto, ao chegar, sentou-se e esperou. Apareceu um rapaz que lhe perguntou se ele vinha estudar para a ilha Terceira, e informou-o de que havia mais dois rapazes a chegar, que era preciso esperar por eles. Fez na ilha de São Miguel o então chamado Ano Propedêutico. Antigamente a escolaridade pré-universitária era de apenas onze anos. Em 1977 foi instituído este Ano Propedêutico, considerado uma preparação para a universidade. Atualmente corresponde ao 12º ano. Ora o José, que sempre se destacou por ser um bom aluno, aqui atrapalhou-se e chumbou: em 5 disciplinas chumbou 2. E no ano seguinte este sistema mudou, deixou de existir o Ano Propedêutico e instituiu-se oficialmente o 12º ano. Tinha de repetir tudo, mesmo as 3 disciplinas às quais passou. Não quis. Foi trabalhar. (Sempre foi dos melhores alunos e agora chumba! Cá para mim andou ali um rabo de saia a desorientar o rapaz…).
O José tem três filhos aqui na Graciosa, bem como duas netas. Duas filhas e um filho. Moram todos aqui na ilha.
Esteve no Regimento de Comandos, no continente – na Amadora. Foi vereador da Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa. Foi convidado com 29 anos de idade para deputado regional, e aí esteve durante 3 mandatos. Foi presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa durante 2 mandatos. Antes era gerente no Centro de Saúde. E quando terminou o segundo mandato voltou para o Centro de Saúde.
A sua mãe ainda está viva, mora lá em baixo na mesma casa, vai fazer 84 anos de idade. O pai, que faleceu há 13 anos, não queria que ele estudasse porque não tinha dinheiro. Antes era o chamado “Pai dos Menores” que ia buscar os mais inteligentes à escola. Como o José se destacava na turma, pelas suas boas notas, o Pai dos Menores foi falar com os seus pais para levá-lo a prosseguir os estudos na ilha Terceira, já que na ilha Graciosa não existiam escolas. O pai recusou duas vezes, e à terceira o Pai dos Menores perguntou-lhe o motivo. Respondeu que não tinha maneira de pagar. Mas a mãe queria que ele fosse estudar, e incentivava-o. O Pai dos Menores disse que se era esse o problema, que estava resolvido, pois ele não pagaria nada. E o José Ramos foi então para um orfanato, acolheram-no lá. E esteve lá esses 6 anos a estudar.
Despedi-me do José e prossigo viagem. Com todas estas conversas pelo caminho, farei os meus 4,9 km em dez horas. São agora 8h31.
E prender aquela bicicleta para quê? Quem quiser pode ir dar uma voltinha nela. As galinhas, ali com uma janelinha, tomam conta dela.
Aqui temos a Lúcia Paz. Também nasceu aqui na ilha Graciosa. Conhece a ilha Terceira apenas. Ainda tem muitas ilhas pela frente, para conhecer!
¹ “Igreja de Santa Quitéria” (s.d.) Wikipédia. Página consultada a 22 fevereiro 2021,
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_de_Santa_Quit%C3%A9ria>
² Costa, Luís (2018, 19 julho) “Programa das Festas (Santa Quitéria)”. RTP Açores. Página consultada a 22 fevereiro 2021,
<https://www.rtp.pt/acores/graciosa-online/programa-das-festas-santa-quiteria_58494>