118 – Graciosa – Porto Afonso, Baía da Caldeirinha

O Porto Afonso, primitivamente designado como Afonso do Porto, é um porto de pesca. O nome de Afonso do Porto provirá, segundo os historiadores, do facto de as terras queimadas onde o porto se encontra terem sido, nos inícios do povoamento da ilha, de alguém com esse nome.¹

Parece um cenário lunar e eu decidi divertir-me na bicicleta. A bicicleta está lá ao fundo, contra o mar. Vou deixar a máquina fotográfica em contagem decrescente (20 segundos) e depois disparará 9 fotos seguidas, de 5 em 5 segundos.

Mas a bicicleta está tão longe, e eu tenho de descer por uma zona de piso mau, com ervas cerradas, pelo que a máquina apanhou-me ainda a correr em direção à bicicleta. (Porque é que eu invento estas coisas? Não era melhor colocar a máquina mais perto, Rute? Não!… porque o objetivo é apanhar a paisagem. Se eu pusesse a máquina perto, só apanharia aquele bocadinho de terra).

Finalmente.

– Não era melhor colocares a máquina mais perto, Rute?
– Vai ser a seguir, cavalinho, vou experimentar a seguir!
(Este cavalo observou tudo. Coitadinho, também raramente deve ver alguém, sobretudo nestes tempos de Covid-19, deve ser um acontecimento ver-me a correr para trás e para a frente).

A Baía da Caldeirinha. O mar transparente e o sol quente dão vontade de nadar.

A ilha de São Jorge, e por detrás está a ilha do Pico. O Titã está com nuvens à volta.

Ao estar aqui sentada, torna-se um pouco mais fácil compreender o espírito de alguém que nasceu numa ilha – um ilhéu. Uma pessoa que nasceu numa ilha é um ilhéu. Um ilhéu nasce a ver o mar. Todos os dias vê o mar. Vive com o mar no verão, mergulha, nada. E no inverno vive com as violentas tempestades do mar, no silêncio firme das rochas.
Estas são as palavras² de um ilhéu açoriano:

Não sei explicar mais nada só sei dizer que não sou marinheiro nem fui à Índia nem nasci na rocha mas confesso sem pejo que fora da vista da água eu sinto que me afogo

Assim mesmo: com texto corrido, de um só fôlego, sem fim sequer.

É uma frase de um escritor e filósofo açoriano, Onésimo Teotónio Almeida, que hoje se divide entre os Açores e os EUA, onde é professor universitário. Nasceu na povoação do Pico da Pedra, na ilha de São Miguel, povoação que pode ser vista na crónica 13.

Estive muito tempo nesta Baía. Neste cenário deserto, vulcânico, ondulado, marítimo. Eu sou continental. E tenho origens nas planícies alentejanas. O meu mar é outro. É amarelo. Mas este cenário enfeitiça-me.

– Vais-te embora, Rute?
– Sim, passei aqui quase hora e meia, cavalinho.
– Eu moro aqui, Rute, todos os dias vejo esta paisagem.
– Sortudo, cavalinho. Mas estás muito sozinho.
– Vais para onde agora?
– Vou seguir pela estrada rente ao mar.
– Eu também a conheço. Boa viagem!
– Adeus cavalinho, vive bem.

Não passa um único carro. Silêncio total. Só mar e pássaros.


¹ “Porto Afonso” (s.d.). Destinazores. Página consultada a 4 março 2021,
<https://www.destinazores.com/pt-pt/destination/graciosa/porto-afonso/>

² Almeida, Onésimo Teotónio (2004). “Onze Prosemas (e um final merencório)”. Editora Ausência, Vila Nova de Gaia, Portugal.

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