071 – A Igreja do Massacre de Liquiçá
Continuando o tema das milícias, iniciado na crónica 67.
O Presidente da Indonésia, Habibie, num programa de democratização geral, realizou um referendo em Timor-Leste, a 30 de Agosto de 1999, no qual foi dado aos timorenses o poder de escolha de uma maior autonomia dentro da Indonésia ou a independência. Ou seja, o objetivo era determinar se Timor-Leste permaneceria parte da Indonésia como uma Região Autónoma Especial, ou se separaria daquela e se tornaria independente. O referendo foi organizado e monitorizado pela Missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNAMET) e 450.000 pessoas estavam aptas a votar, incluindo 13.000 timorenses fora dos limites territoriais do Timor-Leste.¹
Desde o início dos anos 1990, uma lei indonésia aprovava milícias que “defendessem” os interesses da nação em Timor-Leste. O exército indonésio treinou e equipou diversas milícias, que serviram de ameaça contra o povo durante o referendo. Apesar das ameaças, mais de 98% da população timorense foi às urnas no dia 30 de agosto de 1999 para votar na consulta popular.
As milícias, protegidas pelo exército indonésio, desencadearam uma onda de violência antes da proclamação dos resultados. Homens armados mataram nas ruas todas as pessoas suspeitas de terem votado pela independência. Milhares de pessoas foram separadas das famílias e colocadas à força em camiões, cujo destino ainda hoje é desconhecido (muitas levadas para Kupang, no outro lado da ilha de Timor, pertencente à Indonésia). A população começou a fugir para as montanhas e a buscar refúgio em edifícios de organizações internacionais e nas igrejas. Os estrangeiros foram evacuados, deixando Timor entregue à violência dos militares e das milícias indonésios.²
No dia 4 de Setembro de 1999 foram anunciados os resultados. O “sim” à independência ganha com 78,5%. Não há festa nas ruas, porque muitos timorenses já se tinham refugiado nas montanhas logo no dia da votação. De imediato começa a campanha de violência organizada em larga escala pelos militares indonésios em articulação com as milícias armadas. As casas e a sede da Missão de Observação Portuguesa em Timor-Leste (MOPTL) são atacadas. Depois dum cerco à missão por milícias armadas, cerca de 30 portugueses e 60 timorenses obtêm refúgio na sede da UNAMET (Missão das Nações Unidas em Timor-Leste).³
A polícia e o exército não tomaram qualquer iniciativa para parar os ataques das milícias, chegando nalguns casos a juntar-se a elas.⁴
Conforme referido na crónica 67, estas milícias surgiram em finais de Janeiro de 1999, depois do Presidente indonésio Habibie ter anunciado que daria a Timor-Leste a opção de escolher a autonomia sob soberania indonésia, ou a sua separação da Indonésia. Era uma rede de treze milícias regionais. Os treze grupos de milícias eram chefiados por timorenses conhecidos pela sua colaboração com o exército indonésio. Alguns surgiram nos anos 1970, após a invasão indonésia, mas uma das três piores – Besi Merah Putih (em Liquiçá) – foi criada em 1999. A campanha de intimidação e de terror das milícias parece ter chegado ao seu auge em Abril, quando esta milícia massacrou cerca de quarenta e cinco refugiados no interior desta igreja em Liquiçá, tendo depois saqueado casas e escritórios de alegados apoiantes da independência em Díli. Ninguém foi preso por causa das barbáries, apesar dos seus promotores serem sobejamente conhecidos.
A violência das milícias continuou durante todo o mês de Julho, tendo culminado num ataque a um comboio de víveres para refugiados de uma ONG. (Por esta altura, cerca de 40.000 pessoas tinham sido deslocadas por causa da violência das milícias). A indignação internacional levou à prisão de sete jovens suspeitos, nenhum dos quais responsável pela organização do ataque, e a uma diminuição dos atos de terror da milícia nas semanas seguintes. Uma nova vaga de violência começou após a abertura, em Julho, dos centros de recenseamento para registar os eleitores para a consulta popular sobre a autonomia/independência.
Dois meses depois, no sábado de manhã, 4 de Setembro, quando foram anunciados os resultados do referendo, as milícias iniciaram o que parecia ser uma ofensiva planeada e coordenada por todo o território, mas sobretudo em Díli e nas regiões ocidentais, nomeadamente Liquiçá, Bobonaro, Suai e Ermera. Qualquer timorense associado de alguma maneira à Missão da ONU em Timor-Leste, denominada UNAMET, era atacado. Foram igualmente atacados os jornalistas estrangeiros e indonésios alegadamente simpatizantes do movimento independentista e os escritórios e as casas de apoiantes pró-independência. Houve ataques à residência de D. Ximenes Belo e à Diocese de Díli. Milhares de deslocados foram atacados nos seus locais de refúgio e alguns milhares terão sido deportados para Timor Ocidental.⁴
Estão a ensaiar cânticos. Fiquei a ouvi-los durante alguns minutos, em pé, à porta.
¹ “Referendo de independência de Timor-Leste de 1999” (s.d.). Wikipedia. Página consultada a 13 dezembro 2018,
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Referendo_de_independ%C3%AAncia_de_Timor-Leste_de_1999>
² “História – Invasão Indonésia” (s.d.) in “Timor-Leste”. Wikipedia. Página consultada a 13 dezembro 2018,
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Timor-Leste>
³ Alvarez, Luciano (2017, 7 Junho) “Cronologia dos tempos da brasa em Timor”. Jornal Público. Página consultada a 13 dezembro 2018,
<https://www.publico.pt/2017/06/07/politica/noticia/cronologia-dos-tempos-da-brasa-em-timor-1774940>
⁴ “Questões e Respostas sobre Timor-Leste” (s.d.) Human Rights Watch (HRW). Página consultada a 13 Dezembro 2018,
<https://www.hrw.org/legacy/portuguese/press/1999/timor-bck0908-por.htm>