067 – Em Díli, a Antiga Prisão – Comarca Balide
Deixo a bicicleta nas instalações do Benfica, onde vai fazer uma revisão, sobretudo afinar as mudanças, que nunca ficaram bem afinadas desde o primeiro dia, conforme referi na crónica 4. Não consigo meter a última mudança de trás. Vai ficar agora resolvido, felizmente. Qualquer dia tenho eu de aprender a fazer isto. Também vão ser mudados os pedais. Efetivamente andei estes nove dias sem pedais, o que não facilita no terreno pedregoso de Timor. Tinha apenas os ferros de encaixe. As minhas sandálias é que são fortes, de todo o terreno, e agarraram relativamente bem a esses ferros.
Orlando – o mecânico, e a sua bicicleta, com a qual vai fazer o Tour de Timor em breve. Esta bicicleta sua tem pneu 29. A minha, alugada aqui em Timor, tem pneu 26. Pequeno, para meu gosto. Em Lisboa uso uma de 27,5. Mas durante muitos anos usei o de 26, foi um regresso ao passado. Esta moda dos pneus grandes é recente.
Visita à antiga prisão de Díli – Comarca Balide.
Conforme já descrito na crónica 38, e para nos situarmos em termos de datas: em 1999 Timor-Leste livrou-se do jugo indonésio, e, extremamente debilitado pela ocupação que durou 24 anos, foi administrado durante dois anos pelas Nações Unidas – mais especificamente pela UNTAET (Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste) até finalmente se tornar independente em 2001 e assumir as suas próprias rédeas.
Deixo um extrato dum livro de Michael Leach:
“A Comarca Balide, ou Prisão de Balide, é fulcral na formação da identidade nacional pós-colonial timorense. Estes difíceis locais do património cultural são especialmente importantes no processo de articulação duma visão nacionalista da história e identidade timorenses, uma vez que estão intimamente ligados a processos mais amplos de reconciliação nacional e justiça pós-conflito em Timor-Leste. Não é por acaso que a Comarca Balide é hoje o local onde se guardam os registos da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação de Timor-Leste (CAVR). O repositório mais importante das memórias nacionais da ocupação indonésia está aqui, na Comarca Balide. Prisão da época colonial portuguesa construída em 1963, foi usada como uma instalação de encarceramento por vários regimes, incluindo a unilateralmente declarada República Democrática de Timor-Leste, por curta duração, no final de 1975. Foi usada durante esse pouco tempo pela Fretilin para colocar os prisioneiros dos partidos políticos da oposição – a UDT e a Apodeti. Após a guerra civil de 1975, Timor foi posteriormente invadido e ocupado pela Indonésia, nesse mesmo ano de 1975, e esta prisão foi a partir de então um centro de interrogatórios indonésio dirigido pela notória polícia militar e organizações de inteligência Kodim e Morem. A importância da Comarca como local de dor e sofrimento sob sucessivos regimes tornou-a a melhor escolha simbólica para sede da CAVR após a independência. Quando as atividades de coleta de testemunhos da CAVR foram encerradas no final de 2005, o local foi designado como um memorial permanente e arquivo para os documentos, incluindo os milhares de testemunhos de vítimas.”¹
A proposta inicial de reabilitar a Comarca veio da Associação de ex-Prisioneiros Políticos (ASSEPOL) em 2000, e foi adotada pela então nascente CAVR como um local apropriado para albergar a “história dos direitos humanos” de Timor-Leste. Em 2002, um memorando de entendimento determinou que a Comarca se tornaria o escritório da CAVR em Díli durante o período do seu mandato, e depois mantida como um arquivo com o objetivo de longo prazo de “preservar a antiga prisão de Balide para as gerações futuras como um memorial à repressão, e como um centro para a promoção dos direitos humanos e da reconciliação em Timor-Leste ”.
Restaurado com o apoio dos governos japonês e irlandês, o edifício da Comarca ficou pronto para a abertura formal das audições da CAVR em fevereiro de 2003. A inspiração original da ASSEPOL não foi esquecida, com o folheto publicitário apresentando uma citação dum dos membros do comité fundador: “Mostraremos que podem crescer flores numa prisão”. O processo de restauração foi participativo e inclusivo, com ex-prisioneiros fortemente envolvidos na definição dos aspetos decorativos e outras características da restauração, como forma de terapia de reabilitação. Uma mulher que passou a sua infância aqui enquanto a mãe esteve presa, transformou os pátios internos em jardins. Ex-prisioneiros políticos também construíram os móveis e atris no espaço de reuniões existente no pátio. Antes da abertura, outro ex-prisioneiro conduziu uma cerimónia tradicional de purificação. Desta forma, o projeto de restauração da Comarca foi concebido tanto como um local para recuperação pessoal, como um repositório histórico nacional.
Em Dezembro de 2005, no final do período de mandato da CAVR, a Comarca tornou-se um memorial permanente para as vítimas de violações dos direitos humanos em Timor-Leste, e sede do secretariado técnico pós-CAVR, encarregado de divulgar o relatório da CAVR e manter os seus arquivos. O processo de conversão da Comarca num memorial e repositório histórico foi realizado consultando a UNESCO e outros museus internacionais relevantes.¹
Duas outras organizações independentes também têm sede aqui: o projecto “Memória Viva” da Associação dos ex-Prisioneiros Políticos (ASSEPOL) e o Gabinete de Apoio de Timor-Leste da Comissão da Verdade e Amizade (CTF).²
Um método inovador de preservar a memória dos abusos dos direitos humanos é através da conservação dos grafítis feitos pelos prisioneiros. No total são 65 grafítis, preservados no todo ou em parte, incluindo um dum futuro comissário da CAVR preso durante a era indonésia. A maioria dos grafítis está em português, e muitos expressam simples lembranças de prisioneiros, como “Aqui jaz Zeca”. Outros marcam longos períodos de prisão arbitrária nos primeiros anos da ocupação indonésia, como uns riscos na parede em que um prisioneiro lamenta: “Passei o meu passado nesta cela”. Alguns mostram sentido de humor sob a adversidade, como aquele que declara “cela especial para candidatos à liderança mundial”. Outros, no entanto, são mais perturbadores, como os encontrados nas celas de isolamento: “Torturaste o meu corpo nos grilhões do teu império”. Alguns grafítis nas celas de isolamento registam talvez o último testamento de prisioneiros políticos, como um datado de 10 de agosto de 1976, nove meses após a invasão indonésia, em que uma lista de nomes segue-se a uma gravação na parede: “Nesta cela de morte estiveram… ”
Enquanto as salas internas da Comarca foram renovadas, os grafítis dos prisioneiros estão conservados sob molduras de plástico [exemplo na foto acima], debaixo das modernas camadas de tinta, onde muitos foram inadvertidamente preservados em tempos indonésios.¹
O objetivo do programa de apuramento da verdade da CAVR consistia em documentar violações de direitos humanos cometidas por todas as partes envolvidas no conflito político entre Abril de 1974 e Outubro de 1999. As estratégias adotadas foram a recolha sistemática de testemunhos em cada subdistrito, a investigação focalizada e a realização de audiências públicas. Foi procurada documentação de fontes em Timor-Leste e no estrangeiro, incluindo documentos e outros materiais relevantes.
A Comissão reuniu 7.669 testemunhos dos 13 distritos e 65 subdistritos de Timor-Leste. A Comissão trabalhou em conjunto com uma coligação de organizações não governamentais de Timor Ocidental para dar aos timorenses de leste residentes em Timor Ocidental a oportunidade de prestarem testemunho.
A Unidade de Investigação da Comissão realizou mais de 1.000 entrevistas centradas nos seguintes temas: fome e deslocação, forças de segurança indonésias, Fretilin/Falintil, prisão e tortura, mortes extrajudiciais e desaparecimentos forçados, crianças, mulheres, e conflito interno armado.
Os entrevistados incluíam pessoas que interpretaram papéis significativos nos acontecimentos e que ocuparam cargos de liderança nas várias fases do conflito, bem como perpetradores e vítimas. Comissários e funcionários conduziram estas entrevistas em Díli, nos distritos, em Portugal e na Indonésia. Em meados de 2003, a Comissão iniciou várias entrevistas com figuras-chave nacionais, conhecidas como entrevistas VIP. Além de fornecerem um testemunho pessoal da experiência direta, estas entrevistas permitiram à Comissão investigar antecedentes e detalhes de organizações e acontecimentos. A Comissão realizou 15 entrevistas VIP, em Timor-Leste e na Indonésia, incluindo Timor Ocidental.
Em Junho de 2003, a Comissão conduziu um inquérito estatístico sobre o número de timorenses cuja morte resultou diretamente do conflito, de privação, de combate armado, de fogo cruzado, de morte ilícita ou de desaparecimento forçado. Embora tenham sido feitas várias tentativas no passado para calcular o número de mortes devido a estas causas, esta foi a primeira oportunidade que qualquer organização teve de proceder a uma investigação objetiva sobre o número de mortes ocorridas durante o conflito.³
No final destes trabalhos, em 2005, foi emitido um relatório muito detalhado e minucioso, com 3.128 páginas, com o título “Chega!”, o qual pode ser consultado neste link:
http://www.chegareport.net/download-chega-products-2/
“O Relatório da CAVR constitui um marco importante na busca da justiça, verdade e reconciliação em Timor-Leste. Espero sinceramente que seja uma contribuição duradoura para a construção da nação timorense e que ajude a prevenir a repetição de tais eventos trágicos em Timor-Leste e noutros locais.” – Kofi Annan, Secretário-Geral da ONU (Julho de 2006).⁴
Os milhares de documentos e testemunhos recolhidos pela CAVR (Comissão Acolhimento, Verdade e Reconciliação). Seguem alguns deles, retirados dum relatório da CAVR datado de 2003:
“Foi demonstrada a estratégia militar indonésia de exílio e de aprisionamento na ilha de Ataúro, na tentativa de separar a população dos guerrilheiros da resistência, ainda nas montanhas. Aparentemente, o aprisionamento em Ataúro foi utilizado contra aqueles que ainda tinham familiares nas montanhas.
Rosalina da Costa foi a mais velha sobrevivente a prestar testemunho. Falou de como a sua família foi separada após a invasão e de como foi ficar para trás numa vila depois de todos terem fugido para o mato:
“O meu marido e quatro dos nossos filhos correram para o mato. Eu fiquei para trás com uma das nossas crianças. Durante três anos, não nos rendemos… um militar indonésio violou-me sexualmente e um colega seu violou a E., apesar de ela estar grávida na altura. Eles violaram-nos durante sete meses… o exército indonésio violava as mulheres, estivessem casadas ou não.
Em 1981, durante a Operação Kikis ou “Escudos humanos”, em Aitana, eu e os meus filhos fomos transferidos para Ataúro… estivemos presos em Ataúro durante quatro anos, sete meses e sete dias… em Ataúro era horrível, não havia comida… Regressamos a Same, mas as pessoas de lá não nos aceitaram. Chamavam-nos batar fuhuk (milho estragado), diziam que éramos da Fretilin e não nos davam comida … O meu marido foi para o mato. Até hoje, ainda não sei se ele está vivo ou morto.”
Joana Pereira, de Quelicai, no distrito de Baucau, testemunhou o seguinte:
“O meu irmão mais velho, Pascoal Freitas, tinha a alcunha de Nixon, ainda estava no mato, com uma arma e envolvido no conflito com o exército indonésio… A 29 de Agosto de 1981, o Quelicai Koramil (comando do exército indonésio ao nível do sub-distrito) disse-nos: “Quem ainda tiver família no mato tem de ser punido”. E, então, o Koramil fez uma lista de todos os nossos nomes… apenas mais tarde soube que íamos ser presos na ilha de Ataúro, porque o Nixon ainda estava no mato. Nesse tempo, eu tinha 13 anos de idade e o Mateus tinha apenas 9 anos.
… no dia seguinte… o Quelicai Koramil levou-nos em direção ao porto de Laga, guardados por quatro camiões armados,… e depois no dia 30 de Agosto… os militares indonésios levaram-nos a nós e a outras famílias em direção a Díli, no navio de guerra número 502…
A 1 de Setembro de 1981, fomos mandados para a ilha de Ataúro, no navio de guerra número 511, às oito horas da manhã… quando chegamos lá, eu e o meu irmão fomos separados. Ele ficou na casa número 22, com 60 outras pessoas. Eu fiquei na casa 24, com mais 70 pessoas.
… Devido à distribuição de comida ser tão insuficiente, havia fome… Então, muitos morreram porque não havia comida suficiente. As pessoas de Viqueque e de Lospalos. Entre 2 a 5 pessoas morriam todos os dias, especialmente crianças e mulheres e homens idosos.
Eu fico muito triste quando falo sobre isto. A minha irmã mais nova morreu. A minha mãe e pai já não estão comigo. Estou muito triste… Sinto que isto foi resultado da guerra, nós sofremos pela terra de Timor. Peço à CAVR e ao governo que lembrem as pessoas que morreram em Ataúro… registem os seus nomes.”
A vila de Mauxiga, nas montanhas centrais de Ainaro, também sofreu imenso nessa altura. Na audiência pública sobre as Mulheres e o Conflito, realizada em Abril, Olga da Silva Amaral deu um testemunho emocionante. Nessa audiência, dois homens deram o seu testemunho sobre as atividades clandestinas contra o exército indonésio em Mauxiga, em Agosto de 1982, e a subsequente sanção. Abílio dos Santos Belo estava entre o grupo capturado e enviado para Ataúro:
“Os militares ordenaram-nos que entrássemos no barco. Aí, eu vi os meus irmãos e irmãs mais velhos, a minha mãe e a minha avó… Chegámos a Ataúro a 1 de Setembro de 1982… não nos levaram para a prisão, porque todas as barracas estavam cheias… a temperatura era muito elevada, o que matou muitas crianças e pessoas idosas… nós continuamos na vila de Ataúro… durante este aprisionamento em Ataúro, sofremos imenso. Era difícil encontrar comida, medicamentos e roupas. Apenas recebíamos assistência do exército indonésio na forma de milho bolorento… isso não era comida suficiente… três meses depois, a Cruz Vermelha Internacional entrou em Ataúro. As nossas vidas começaram a melhorar… A Outubro de 1984, as pessoas presas em Ataúro regressaram a Díli…”
António Pires fugiu para as montanhas, sendo mais tarde capturado pelo exército indonésio. Ele falou do castigo infligido na população civil:
“Membros de… quatro aldeias foram… capturados, mesmo as crianças e os idosos. Estes foram levados para o Koramil, onde foram brutal e sadicamente torturados. Foram despidos completamente, agredidos com paus, queimados com pontas de cigarro, feridos com choques elétricos, atados com cordas, pendurados numa árvore, mortos, esfaqueados com lanças, afogados na água, torturados debaixo do sol ardente, as mulheres foram violadas e outros, enterrados vivos.
Abílio dos Santos Belo concluiu:
“Para a população de Mauxiga, 20 de Agosto de 1982 é um dia histórico, tal como Kraras e o 12 de Novembro. As pessoas de Mauxiga estão tristes. Por favor escrevam os nossos nomes e isso ajudará a curar as nossas feridas.”⁵
Outubro de 2015 marca 10 anos desde que a CAVR entregou o Chega! Report ao Presidente de Timor-Leste, Xanana Gusmão. A AJAR (“Asia Justice and Rights” – uma organização não-governamental) e os seus parceiros estão a fazer um balanço do impacto do Chega!, reunindo os pontos de vista das vítimas e dos defensores dos direitos humanos nos seus assuntos inacabados. Nesta foto, familiares de desaparecidos do incidente de Marabia (junho de 1980) lembram os seus entes queridos.
Foto retirada de http://www.chegareport.net/, Homepage.
Uma cena duma das inovadoras cerimónias de reconciliação comunitária da CAVR.
Foto retirada de http://www.chegareport.net/, Homepage.
Seguem alguns processos de reconciliação nas comunidades, levados a cabo pela CAVR em 2003:
- 13 de Junho: Ermera – Matata: 14 Deponentes, 7 Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Membro da milícias, incêndio de casa, roubo de animais, agressão, intimidação.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Construir um novo mastro para a bandeira para o Dia da Independência, limpar a terra em volta do escritório da vila, pedir perdão, prometer não repetir.
- 17 de Junho: Ermera – Tokoluli: 3 Deponentes, Comunidade
Razão da Audiência: Membro da milícia, incêndio de casa.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Pedir perdão, prometer não repetir.
- 20 de Junho: Ermera – Fatukero: 10 Deponentes, 9 Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Membro da milícia, envolvimento na administração indonésia, agressão, intimidação, membro de um partido da juventude indonésio.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Pedir perdão, prometer não repetir.
N.B. 1 dos Deponentes não foi capaz de reconciliar com uma das vítimas, outras provas de natureza de crime grave (agressão) – o depoimento foi devolvido ao OPG.
- 21- 22 de Junho: Díli – Suleur: 18 Deponentes, comunidade (2 vítimas directas foram identificadas durante a audiência).
Razão da Audiência: Membro da mílicia, ameaças, intimidação sobre membros da comunidade.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Pedir perdão, prometer não repetir. Os Deponentes deram a sua palavra de que estariam ao serviço dos líderes locais durante três meses para cumprir qualquer tipo de trabalho comunitário. Os Deponentes deram dinheiro, uma cabra e vinho para as cerimónias prosseguirem.
- 23 de Junho: Bobonaro – Atudara: 6 Deponentes, 8 Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Incêndio de casa, ameaça & intimidação, agressão.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Serviço comunitário de reparar a casa do Padre um dia por semana, durante três meses. Pedir perdão, prometer não repetir.
- 24 de Junho: Manufahi – Betano: 18 Deponents, 13 Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Ataques da Fretilin a apoiantes da UDT em 1975, incêndio de casa, roubo, agressão e difamação (1999).
Ato de Reconciliação da Comunidade: Pedir perdão, prometer não repetir.
N.B. 1 dos Deponentes não pode participar devido à morte recente da mulher.
- 30 de Junho: Bobonaro – Odomau: 3 Deponentes, Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Membro da mílicia, elaboração de cerimónias para a milícia, envolvimento no serviço de política indonésio, incêndio de casa e destruição de propriedade.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Serviço comunitário de limpar a Igreja um dia por semana durante três meses, pagamento de um porco para sacrifício. Pedir perdão, prometer não repetir.
- 3 de Julho: Baucau – Venilale: 5 Deponentes, Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Membro da milícia e difamação.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Pedir perdão, prometer não repetir.
N.B. 1 dos Deponentes faltou à audiência.
- 5 de Julho: Oecussi – Bana Ufe: 2 Deponentes, 2 Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Incêndio de casa.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Pagamento simbólico de arroz, sal, dois porcos e vinho de palma para uma refeição comunitária. Pedir perdão, prometer não repetir.
- 10 de Julho: Aileu – Remixio: 1 Deponente, 15 Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Agressão, incêndio de casa, intimidação à comunidade.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Incapaz de se reconciliar – o depoimento foi devolvido ao OPG. O funcionário CRP regressará para explorar a possibilidade uma segunda audiência.
- 11 de Julho: Oecussi – Hau Ufe: 12 Deponentes, 9 Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Membro da milícia, incêncdio de casa, agressão e roubo.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Pagamento simbólico de vinho de palma para um refeição comunitária. Pedir perdão, prometer não repetir.
- 15 de Julho: Manufahi – Welaluhu: 6 Deponentes, 6 Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Abuso de autoridade – Chefe do sub-distrito e Chefe da Vila (desde 1985), intimidação e atividades das mílicias (1999).
Ato de Reconciliação da Comunidade: Pedir perdão, prometer não repetir.
- 18 de Julho: Bobonaro – Purugua: 4 Deponentes, 1 Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Suspeita de coloboração com o exército indonésio, membro da milícia.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Tarefas gerais de limpeza um dia por semana por três meses. Pedir perdão, prometer não repetir.
- 21 de Julho: Bobonaro – Asalao: 18 Deponentes, 13 Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Incêndio de casa, roubo de animais e propriedade e agressão.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Tarefas gerais de limpeza um dia por semana & reparar a casa do Padre por três meses. Pedir perdão, prometer não repetir.
- 22 de Julho: Manufahi – Babulu: 20 Deponentes, 16 Vítimas & comunidade.
Razão da Audiência: Destruição de propriedade, agressão e membro da milícia.
Ato de Reconciliação da Comunidade: Pedir perdão, prometer não repetir.
N.B. 3 dos Deponentes não conseguiram reconciliar-se com a vítima, por envolvimento num crime sério (agressão) – os depoimentos foram devolvidos ao OPG.⁵
O exército indonésio treinou e armou diversas milícias. Protegidas pelo exército indonésio, estas milícias e bandos paramilitares desencadearam ondas de violência por todo o território de Timor-Leste. Em finais de Janeiro de 1999, depois do Presidente indonésio Habibie ter anunciado que daria a Timor-Leste a opção de escolher a autonomia sob soberania indonésia, ou a sua separação da Indonésia, surgiu uma rede de treze milícias regionais. Estas milícias foram formadas para intimidar os timorenses a apoiarem a contínua integração de Timor à Indonésia. Estas milícias eram apoiadas abertamente pelo exército indonésio; estando a maior parte baseadas nos quartéis militares regionais.
Os treze grupos de milícias eram chefiados por timorenses conhecidos pela sua colaboração com o exército indonésio. Nem todos são novos. Alguns surgiram nos anos 1970, após a invasão indonésia, mas as três piores – Aitarak (Díli), Besi Merah Putih (Liquiçá) e Mahidi (Suai) – foram criadas em 1999. Eurico Guterres, o líder do Aitarak, é um antigo ativista pró-independência que trocou de campo após a sua detenção pelas forças indonésias, em 1989, quando estas descobriram que estava envolvido num plano para assassinar o Presidente indonésio Suharto durante a visita a Díli.⁶ Nascido em Viqueque, órfão de pai e mãe (o pai foi morto por militares indonésios nos primeiros anos da ocupação⁶), criado por um civil indonésio, viria a tornar-se chefe da denominada Gardapaksi, um auxiliar paramilitar indonésio criado em 1995. O líder da milícia em Baucau é um oficial ao serviço das Kopassus. A milícia Halilintar em Bobonaro, um dos grupos mais antigos, é chefiada por João Tavares, antigo chefe tradicional, membro do partido pró-Indonésia Apodeti antes da invasão em 1975. Diz-se que algumas das milícias não são provenientes de Timor-Leste. Correram ainda notícias de que metade da milícia Laksaur da região de Suai era formada por habitantes de Timor Ocidental.⁷
O julgamento destes criminosos de guerra tem sido alvo dos media, aos longo dos anos. Uma das primeiras notícias que encontro data de 2003, no Jornal Correio da Manhã:
“Os crimes cometidos, em 1999, em Timor-Leste, pela polícia Indonésia e pelas milícias vão ser finalmente julgados. Depois do comandante geral das Forças Armadas indonésio, General Wiranto ter sido formalmente acusado, é a vez do ex-comandante da polícia de Timor-Leste, general Timbul, e os comandantes das milícias Aitarak e Mahid, Eurico Guterres e Câncio Lopes de Carvalho respetivamente.⁸
No ano 2000, a Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste (ATNUTO – ou UNTAET em inglês) criou um sistema judicial destinado especificamente a processar os seguintes crimes: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade, assassinato, crimes sexuais e tortura. A jurisdição para processar estes crimes particularmente graves foi conferida ao Tribunal Distrital de Díli, com uma configuração especial, composta por juízes timorenses e internacionais. As sentenças proferidas por este Tribunal podem ser levadas perante um Tribunal de Recurso também localizado em Díli e igualmente composto por juízes tanto timorenses como internacionais. Sentenças variando de 11 meses a 33 anos de prisão foram proferidas.
Paralelamente, a Indonésia estabeleceu um procedimento destinado a julgar as atrocidades cometidas em Timor-Leste. Uma Comissão Nacional de Inquérito, cujo relatório final foi publicado em 31 de janeiro de 2000, levantou acusações diretamente contra 33 indivíduos, incluindo vários líderes militares. Um Tribunal de Direitos Humanos – uma jurisdição ad hoc com a tarefa específica de julgar esses indivíduos – foi posteriormente criado. Das 33 pessoas designadas pela Comissão de Inquérito, apenas 18 foram condenadas. 12 foram absolvidas pelo tribunal de primeira instância, 4 no recurso e 1 no recurso final perante o Supremo Tribunal. A única pessoa condenada foi Eurico Guterres, cuja pena de prisão foi fixada em 10 anos pelo Supremo Tribunal da Indonésia em março de 2006.⁹ Em 2008, o Supremo Tribunal indonésio anunciou a sua absolvição, porém. O motivo apresentado foi que a formação da sua milícia em 1999 foi ordenada pelo então governador da província de Timor-Leste, ele próprio libertado em 2004.¹⁰
No resultado final, a totalidade dos acusados de crimes cometidos em Timor-Leste foram assim absolvidos pelo Tribunal Indonésio de Direitos Humanos. Dúvidas sobre a imparcialidade deste organismo foram levantadas por muitas organizações de direitos humanos, em particular a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch e a Coalition for International Justice.⁹
¹ Leach, Michael (2008) “Difficult Memories: the independence struggle as cultural heritage in East Timor”. In “Places of Pain and Shame: Dealing with ‘Difficult Heritage’”, Edição de William Logan e Keir Reeves. Part II, Wartime Internment Sites, Páginas 148 a 150. Londres e Nova Iorque, Routledge, Taylor & Francis Group. Livro online consultado a 9 Dezembro 2018,
<https://books.google.pt/books?id=TOp9AgAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-PT#v=onepage&q&f=false>
² “The Comarca” (s.d.). Commission for Reception, Truth and Reconciliation (CAVR). Página consultada a 9 Dezembro 2018,
<http://www.cavr-timorleste.org/en/comarca.htm>
³ “Apuramento da verdade”, Comissão Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR). Página consultada a 9 Dezembro 2018,
<http://www.cavr-timorleste.org/po/Apuramento%20da%20verdade.htm>
⁴ “Chega! Report” (2013, Novembro). The Final Report of the Timor-Leste Commission for Reception, Truth and Reconciliation (CAVR). / author, CAVR. – Jakarta: KPG in cooperation with STP-CAVR. Contracapa. Livro online consultado a 9 Dezembro 2018,
<http://www.chegareport.net/download-chega-products-2/>
⁵ “Relatório de actividades Junho – Julho de 2003”. Comissão Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR). Página consultada a 9 Dezembro 2018,
<http://www.cavr-timorleste.org/updateFiles/portuguese/Piers%20Pigou.pdf>
⁶ Nogueira, Andreia (2015, 4 dezembro) “Regresso de Portugal foi para branquear imagem – Eurico Guterres”. Agência Lusa, Sapo.pt. Página consultada a 9 Dezembro 2018,
<https://24.sapo.pt/noticias/internacional/artigo/regresso-de-portugal-foi-para-branquear-imagem-eurico-guterres_20057276.html>
⁷ “Questões e Respostas sobre Timor-Leste” (s.d.) Human Rights Watch (HRW). Página consultada a 9 Dezembro 2018,
<https://www.hrw.org/legacy/portuguese/press/1999/timor-bck0908-por.htm>
⁸ “Timor-Leste: Comandantes das Milícias Acusados” (2003, 28 fevereiro). Jornal Correio da Manhã. Página online consultada a 9 Dezembro 2018,
<https://www.cmjornal.pt/mundo/detalhe/timor-leste-comandantes-das-milicias-acusados>
⁹ “Eurico Guterres – Context” (2004, Dezembro). TRIAL (Track Impunity Always). Página consultada a 9 Dezembro 2018,
<https://web.archive.org/web/20071024091149/http://www.trial-ch.org/en/trial-watch/profile/db/context/eurico_gutteres_569.html>
¹⁰ “Supremo indonésio absolve Eurico Guterres” (2008, 5 Abril). Jornal Expresso. Página consultada a 9 Dezembro 2018,
<https://expresso.sapo.pt/dossies/dossiest_actualidade/CriseemTimorLeste/supremo-indonesio-absolve-eurico-guterres=f285667#gs.pbd7R_8>