036 – Flores, 11º dia – Aldeia de Cuada & Cascata do Poço da Ribeira do Ferreiro
Hoje é sábado, 11 de julho. Apetece-me comer tudo ao pequeno-almoço, mas depois não consigo. Só comi o Nestum. Ainda tenho pão da ilha de Santa Maria.
Hoje chove bastante. Estou tramada. Deixei o despertador para um pouco mais tarde, para as seis, porque já sabia que davam chuva de manhã. Mas acordei na mesma às 5h20. Vim logo cá fora ver o tempo. Ainda não tinha chovido, estava tudo seco. Com vento, muito húmido e quente. A porta do cemitério está sempre aberta.
Mas aqui nesta foto já são 7 da manhã, e já começou entretanto a chover. E bem. Efetivamente a chuva chegou à hora marcada na meteorologia: seis da manhã. Acompanhada de grande ventania. Abri a porta da rua e levei logo com umas fortes bátegas. Fechei a porta contra o vento. Ainda ontem ponderei vestir o biquíni, hoje parece uma tempestade dos piores dos invernos em Lisboa. O motorista Luís ontem estava contente com esta chuva. Disse que há duas semanas que não chove. E que as suas plantações estão com falta de água, ele tem tido de regar manualmente.
Aqui nas Flores o sol nasce às 6h47. Tarde.
A meteorologia indica 92% de humidade, vento 26 km / hora. Indica que vai chover todo o dia e só a partir das 18 horas é que baixa para 30% de probabilidades de chuva.
Aproveitei para lavar o cabelo. Às 7h15 chove torrencialmente e faz trovoadas. E grandes rajadas de vento.
Às 7h30 estou desejosa de sair. Talvez ir ver o mar com a tempestade.
Decido ir à Aldeia da Cuada que é aqui ao lado. Tenho comida, tenho água, tenho impermeáveis caríssimos, o que estou eu a fazer em casa?
São 2,1 km até à Aldeia.
A Aldeia da Cuada existe desde o século XVII, mas foi abandonada nos anos 1960 pelos seus habitantes que emigraram principalmente para a América. Entretanto foi reconstruída, as casas de pedra foram recuperadas. Apercebi-me entretanto – porque não sabia – que a aldeia só tem turistas alojados. É um complexo turístico.
E esta foi a única foto que consegui tirar. Choveu torrencialmente todo o caminho. E vai continuar a chover torrencialmente até eu chegar de volta ao meu alojamento na Fajã Grande. Uma coisa espantosa. Um dilúvio. Eu tenho a máquina fotográfica fechada num saco plástico, na mochila às costas. É impossível tirá-la e usá-la sem pôr em risco o seu funcionamento, com tanta água.
Quando cheguei à Aldeia não vi vivalma. Nesta foto são 8h34, mas há pessoas dentro desta casa, que ficaram muito espantadas ao ver-me entrar pelo seu quintal adentro, e abrigar-me num telheiro. É o único abrigo existente em toda a aldeia, e eu nem caibo em pé – tenho que estar dobrada. Não estive aqui tempo nenhum, não vale a pena, fui-me embora, sempre debaixo de chuva. Curiosamente eu já me tinha cruzado com a senhora e com a criança que lá estavam – cruzámo-nos ontem nas Lagoas Negra e Comprida, no trilho. Entretanto começaram a sair das várias casas vários turistas, inclusive elas duas, e caminharam comigo, a senhora comentando que hoje não está bom tempo para passear. (Em inglês, falámos em inglês). Pelos vistos o pequeno-almoço é servido a esta hora, e começaram todos a sair debaixo de chuva, algumas pessoas com toalhas e casacos na cabeça. Ainda ponderei sentar-me no restaurante e tomar algo, mas em época de vírus não é boa onda fechar-me num restaurante cheio de turistas. Não há população local aqui. Não há mistura. Também não é propriamente a minha onda.
De volta à Fajã Grande. Aqui é o supermercado. Vim espreitar apenas, porque não tenho nada para comprar. Vi o abrigo e abriguei-me, antes de ir para casa. São 8h55.
Os dedos até estão engelhados com tanta chuva!!! Tenho a pele engelhada com este dilúvio florentino!! Aquelas pingas no chão sou eu que estou a pingar! Eu estou numa parte seca, abrigada, sem água no chão – aquelas pingas estão mesmo a cair de mim!!
Oh ilha! Agora que eu vim visitar-te é que mandas esta chuva toda?!
E estes adesivos foram comprados em São Tomé e Príncipe. Estão a proteger as esfoladelas que lá fiz, na ilha do Bom Bom, conforme já expliquei na crónica 9. Estas esfoladelas devem acompanhar-me para o resto da minha vida, está visto.
Fiquei encharcada até às cuecas. Espremi as cuecas na casa de banho e saiu muita água! Fiquei completamente desolada, cheia de frio. Detesto chuva e frio. Fico mesmo desconsolada.
Chamei a Márcia, a menina muito simpática que atende aqui nos alojamentos onde estou. Estou cheia de frio e quero ligar o ar condicionado – e não consigo. O botão do “On / Off” não funciona. Então a Márcia veio ligar-me o ar condicionado. Ligou logo. Não faço ideia o que se passou, o botão funciona na perfeição.
A Márcia tem de usar luvas de borracha, pelo que não sentia o fluxo do ar. Não conseguia perceber se estava a sair vento, e se vinha frio ou quente. “Não sinto nada com as luvas“, diz a Márcia também com a máscara na cara. Rimo-nos. Como esta pandemia é absurda e nos torna a todos ridículos. Eu também com a máscara na cara, pelo facto da Márcia estar dentro de minha casa.
Tenho dois ares condicionados: aqui na sala e também no quarto, reparei entretanto. Está ali por cima da bicicleta. Pus os dois a bombar à temperatura máxima, 30 graus. Aqueço ou não aqueço?!
Entretanto tive esta genial ideia. A roupa tem de secar, e eu finalmente estou a aquecer e a ganhar alento novamente. Duas divisões com dois ares condicionados a bombar a toda a força a 30°: finalmente senti-me confortável.
Comi uma banana e um iogurte aqui das Flores, e fiz uma torrada com manteiga. Bebi duas canecas de leite quente. Gradualmente vou reaquecendo, com o ar condicionado e as torradinhas.
Continua a chover, mas apenas chuva miúda. São 11h22.
Isto correu mal. Eu teria de sair uma hora mais tarde e isto não teria acontecido. Mas nunca pensei que chovesse torrencialmente o tempo todo. Quando saí estava a acalmar. Mas foi apenas aparência.
Agora pus tudo dentro de sacos plásticos: telemóvel e máquina fotográfica. Na última chuvada que apanhei, no Pico do Príncipe, fiquei sem telemóvel por não ter tido este cuidado. Aprendi a lição. Ele foi posto no suporte da bicicleta com um saco plástico a protegê-lo, e um atilho.
Não tive espaço na bagagem para trazer o impermeável de plástico que comprei para andar de bicicleta, constituído por casaco, calças e proteção de plástico para os sapatos também. É verão e faz calor para andar vestida com plásticos. Mas afinal faz frio e chuva e teria calhado muito bem trazer o impermeável.
Fiquei com tanto calor que tive que tirar a roupa quente; fiquei de calções e tshirt, e ainda abri a porta da rua para refrescar. Mas a roupa tem de secar.
Os sacos plásticos também. Tive de por o necessaire ali porque aquele saco mete-se na ranhura e cai para baixo da cama. À força de tanto o ir buscar debaixo da cama, meti ali uma barreira. Eles estão assim abertos porque estão a levar com ar quente em força. O ar condicionado está a bombar no máximo. Tenho que despachar-me, meus amigos. Já estou quente, bem alimentada com torradinhas e leite quente, com calor, tenho que ir desbravar esta ilha diluviana.
São 12h56. Como tomei um pequeno-almoço inesperado, não tenho fome nenhuma para almoçar. Vou mas é passear.
Agora vou à Cascata do Poço da Ribeira do Ferreiro. São 3,2 km sempre a subir. Está a parar de chover. Eu levo o mesmo impermeável da manhã – calções e casaco – ambos já secos.
Todos os caminhos para sair da Fajã Grande implicam subidas de 400 metros no mínimo. Para a Rocha dos Bordões são 9 quilómetros e 410 metros de subida.
Já marquei o táxi para amanhã me deixarem no topo da Lagoa Seca. Às 7h30. Tarde. Mas a chuva parece que termina cerca das oito da manhã.
Olha, olha. Santo António de Lisboa. E mais uma chuvinha. Abriguei-me ali à direita, colada à parede, debaixo daquelas telhas minúsculas. Agora esperas, Rute. Já não andas a chover.
E ainda fiz um xixizito ali escondida.
Sobre esta capela encontro apenas um blog dum florentino (não tenho a certeza se é florentino, mas dado que o blog é sobre a Fajã Grande, calculo que seja) e que indica o seguinte:
Foi construída e inaugurada em 1986 e mandada construir pelo luso-americano José Dias Fraga. Esta capela, localizada no lugar denominado de Santo António, no cruzamento dos caminhos da Cuada e dos Lavadouros, desde há muito que estava projetada na vontade do povo. Tinha como objetivo guardar uma enorme imagem de Santo António, existente na casa da Senhora Estulana, no cimo da Assomada e que, inexplicavelmente, estava impedida de ser colocada na igreja paroquial.¹
Wow!
Na cascata está uma multidão à minha volta. Uma multidão de pássaros!
Gravei um pequeno vídeo neste cenário deslumbrante. Podem vê-lo aqui.
Digam lá se não valeu a pena secar a roupa à pressa no ar condicionado a 30 graus.
Faz muito calor. Grande humidade. Abriu o sol. São 14h46, há uma hora que aqui estou, neste cenário extasiante. Mas estou cheia de fome, tenho de regressar.
Que é isto? Mora aqui um gato, no meio deste nada?
Fugiu logo, nem tive tempo de cantar-lhe um bocadinho.
Uma hora aqui abandonada, coitadinha. Venho sempre com um certo suspense – a bicicleta ainda lá estará?… Ela tem o cadeado posto, mas não consegui prendê-la a nada. Parece fácil saltar o muro e andar ali no emaranhado dos troncos escorregadios, mas é só na foto. Aqui no local não é nada fácil. A bicicleta, com as águas, pesa mais de 15 kg.
São 15h35 e eu pergunto ao Amaral o que me arranja para almoço, nestas horas tardias. Já não há o prato do dia. O bitoque é de porco. Escolho hambúrguer com batatas fritas.
Amanhã o prato do dia será couve com carne de porco, um prato típico, diz-me o Amaral. Eu devo estar para os lados de Santa Cruz, respondo-lhe.
Troquei de roupa pela terceira vez, antes de vir para aqui. Manga à cava. Pus protetor solar nos ombros. Se me dissessem que eu iria pôr protetor solar hoje, eu não acreditaria. Davam chuva até ao final do dia.
Está muito vento, pelo que como de capacete para ter o cabelo preso, e de óculos para proteger a vista da terra e pó. Quero comer na esplanada para apanhar sol. Até a carteira está na mesa para secar. As notas lá dentro estão molhadas. O vento e o sol secam tudo.
O hambúrguer vem de São Miguel, disse-me o Amaral, quando eu perguntei se era dos congelados. É bom, boa carne, mas picante. 5€. E um bolo de sobremesa, 1€.
O Francisco – quem me trouxe do aeroporto, quando cheguei à ilha das Flores. É o namorado da Márcia, que mostrei nas fotos acima. Sentou-se com dois amigos na mesa atrás de mim. Às quatro da tarde o café está cheio de gente. Cerca de 15 pessoas divididas por quatro grupos.
O gatarrão chama-se Riscas.
Hoje é a mulher do Amaral quem está a cozinhar.
Assim vais ficar com dores na coluna, disse-lhe eu. Agora não, mas quando fores grande terás dores. Tens de pôr o telemóvel em cima e endireitar o pescoço. Ele endireitou-se um pouco. E eu fui ao multibanco que está ao seu lado.
Já secou tudo, com este sol. Deixei isto à porta da minha casa a secar. Andei sem luvas porque ficou tudo encharcado.
Durante a tarde deixei a porta escancarada para entrar vento e sol.
Às 20h30 já dormia.
¹ Fagundes, Carlos (2017, 8 fevereiro) “Capelas da Ilha das Flores”. Blog Pico da Vigia 2. Página consultada a 1 novembro 2020,
<https://picodavigia2.blogs.sapo.pt/capelas-da-ilha-das-flores-761660>