076 – Cemitério de Trindade

Repare-se no “Sam Teresa”. Na crónica 22 falei da “Samé Nuna”. Sam é o prefixo feminino. Pelo que percebo, será algo como “dona” ou “senhora”. Mais abaixo, nestas fotos, irá aparecer um Manuel Santos, conhecido por “Sum Plácido”. Sum é o prefixo masculino.

Esta placa é curiosa. Tem as datas de nascimento, mas não tem as datas da morte.

Diamantino (vulgo “Bin Laden” por brincadeira, conta-me), um coveiro que trabalha aqui há 14 anos. São 5 ou 6 coveiros. O cemitério é grande, tem 2 portões, o primeiro com a data de 1902, o segundo de 2002.

Um dos túmulos mais antigos deste cemitério. É do proprietário desta terra que cedeu o terreno para o cemitério, explicou-me o Diamantino.

Será uma médica santomense?, Julieta Espírito Santo. Morreu em 2008 com 86 anos. Nascida em 1922 e sendo formada em Medicina, é uma raridade em qualquer parte do mundo. Aqui em São Tomé e Príncipe será um prodígio. A placa indica “Espírito reto e limpa palavra, leal e invencível coração, alto exemplo. Permanece eterna saudade dos sobrinhos, primos e amigos.”

Cá está a placa com “Sum Plácido”.

Estou na ala mais antiga do cemitério. Este túmulo indica:
Aqui jaz Maria Belém Vicente Espírito Santo. Nasceu em 1851 e faleceu em 23-02-1920.

O coveiro José. Não queria ficar na foto com a jaca, diz que se calhar não é apropriado. Bom, mas os vivos têm que alimentar-se, disse eu. Não sei é como é que ele não fica todo colado. Eu fiquei, e agora é um mistério ver as pessoas a comerem jaca sem se queixarem de nada.

Um dos portões – este com a data de 1902.

Este é um dos túmulos mais antigos deste cemitério. Não se sabe de quem é, a família não vem visitar. Não se pode retirá-lo, já é um monumento, explica-me o José.

O homem que impediu o massacre de 1953, explica-me o coveiro José. Sobre o Massacre de Batepá, ocorrido em 1953, falei dele na crónica 54. Fiquei sem perceber quem será este homem aqui enterrado. A placa diz “Zé Angolo” – com o “Z” ao contrário. O massacre ocorreu mesmo, ninguém o impediu. Talvez seja uma figura importante da revolta.

O José pensava que eu era mais criança, na bicicleta, ao longe. Depois percebeu que eu sou mais velha, mas diz-me que ainda estou bonita. Ri-me. Na sociedade tradicional de São Tomé e Príncipe, o papel das mulheres é casar e ter filhos, pelo que a partir dos 20 ou 30 anos já começam a ser velhas.
O José trabalha há 4 anos aqui. Antes era serrador. Quando era novo fazia crochet, mas quando casou e teve filhos essa atividade não dava para sustentar a família. Então foi para serrador. Uns italianos quando foram embora deram-lhe um terreno, contou-me. O Estado precisou desse terreno para construir um liceu. Por isso o Estado indemnizou-o, e o José ficou apenas com metade do terreno. A mulher faleceu e deixou-o com 4 filhos. O irmão arranjou-lhe aqui trabalho. Tem 65 anos. Em São Tomé e Príncipe a idade da reforma é aos 62 anos, explica-me. Com um mínimo de 10 anos de trabalho. Há um coveiro com trinta e tal anos de trabalho mas não tem 62 anos, não pode ainda reformar-se, conta-me.

Papaias, fora do muro do cemitério. Ou mamão. Ainda não sei se existe alguma diferença entre papaia e mamão. Se houver, alguma alma caridosa que entre em contacto comigo para explicar-me.

Também crescem cá dentro legumes, mostra-me o José.

Batata-doce. Também há couves e tomates. Mas o Estado e os médicos proíbem o cultivo de alimentos em cemitérios, explica-me.

Nesta foto vê-se claramente os dois portões do cemitério. O da direita é o mais antigo, de 1902, e o da esquerda foi fruto do alargamento das instalações, com a data de 2002. Cem anos depois foi necessário alargar o cemitério, portanto.

A equipa de coveiros do cemitério de Trindade. Ainda falta um, que não está agora de serviço. O Agostinho, o mais alto, conhecido por Gingo Namora, é o responsável. E falta apenas apresentar à direita o António, mais conhecido por Tchilili. Não faço ideia se se escreve assim, pelo menos diz-se.
Dizem-me que devo levar a língua de São Tomé e Príncipe. Perguntei como se diz olá. “Olá, seja bem vindo” é yabô, ensinam-me.
“Você está bom? (Ou boa)”: Bô saboado?
Para uma criança: “Anjo de deus, estás bom?”: Anzo desso, bô saboado?
“Mina anzo”: criança pequenina.
“Santome co plixipe satela glavi”: São Tomé e Príncipe terra bonita.

Isto é dialeto de São Tomé e Príncipe, explicam-me. É “Língua Tela” – língua da terra.
Cão é cassô.
Gato é gato.
Galinha é gânhá.
Isto é dialeto forro, dizem-me.
Existem três dialetos, explicam-me: angolar, forro, e moncó no Príncipe. Depois há o português. O angolar é muito complicado, contam-me. O José não o percebe de todo.

Ganham 3.000 dobras por mês (120€), disseram-me (e efetivamente corresponde aos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística de São Tomé e Príncipe, que referi na crónica 13 – a função pública ganha uma média de 2.600 dobras mensais (104€). A minha bicicleta, que está longe de ser das melhores, custa muitos meses de trabalho aqui em São Tomé e Príncipe, fizeram-me notar.

E assim nos despedimos, com um aperto de mão. O José não me deu mão, deu o braço, porque tem cola da jaca. Ah bom! Afinal os santomenses também ficam colados, está resolvido o mistério.
São quase 13h. Passei 2h15 no cemitério. Bem que preciso de passar um mês de férias em São Tomé e Príncipe, se ocupo 2h15 a visitar um cemitério pequeno.
Leve-leve. Vai-se leve-leve nesta vida.

Repare-se – por último – neste pequeno passeio. Acho que foi o único passeio para peões que vi em todo o país.

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