066 – Em Neves – o Petróleo & Almoço de Santola

A chegar à povoação de Neves. São 9h32 e tenho 29 km na bicicleta.
Ali à frente são depósitos de petróleo da ENCO (Empresa Nacional de Combustíveis e Óleos), a única empresa de combustíveis de São Tomé e Príncipe, ou seja, que importa e distribui combustíveis no país. Antes a ENCO era uma empresa pública, mas em 2008 foi privatizada: as suas 35 mil ações foram vendidas pelo Governo a favor da petrolífera angolana Sonangol. O Estado são-tomense encaixou 22 milhões de dólares, nesse ano de 2008, e a petrolífera angolana ficou com 76% do capital social da ENCO.
Entretanto, em 2019, a petrolífera angolana decidiu desinvestir na ENCO. Ou seja, a Sonangol vai abrir mãos do seu capital social maioritário na ENCO. Vai vender a sua participação na única empresa de combustíveis de São Tomé e Príncipe. A Sonangol indica que a partir do ano 2021 a ENCO já não fará mais parte da sua família acionista.¹

E é aqui que está a origem das constantes faltas de luz e água que tenho sofrido desde que cheguei ao Príncipe, e depois a São Tomé (eu e toda a população, claro). Têm sido muitos pequenos-almoços à luz do iluminador portátil da minha máquina fotográfica!! A máquina de café sem funcionar!! Recordo que esta viagem decorre em Julho de 2019. Veja-se esta notícia de 13 de Julho de 2019:

São Tomé e Príncipe resolve crise energética
Após uma semana marcada por apagões, a crise energética em São Tomé e Príncipe está resolvida com a chegada de combustíveis vindos de Angola. São Tomé e Príncipe mantém negociações com Angola para evitar que este cenário se repita.
A crise energética está resolvida com a chegada esta sexta-feira de combustível, nomeadamente, gasolina, gasóleo e petróleo.
A única abastecedora de combustíveis no arquipélago é a empresa ENCO, que pertence à petrolífera angolana Sonangol. A petrolífera angolana anunciou que um navio chegou esta sexta-feira para reabastecer o centro da ENCO, localizado na cidade de Neves, no norte da ilha de São Tomé.
Com estes combustíveis, que chegaram de Angola, foram abastecidas as gasolineiras e os depósitos da Empresa de Água e Eletricidade, EMAE.
O ministro do Planeamento, Finanças e Economia Azul, Osvaldo Vaz, referiu que decorrem negociações com Angola para evitar novas rupturas de combustível.²
(Fim de citação)

E que negociações são estas entre São Tomé e Príncipe e a petrolífera angolana Sonangol? Veja-se esta notícia de Setembro de 2019:

São Tomé e Príncipe paga dívida à angolana Sonangol em 25 anos
A dívida de 150 milhões de dólares da ENCO para com Sonangol vai ser paga à razão de 500 mil dólares por mês, anunciou o ministro do Planeamento, Finanças e Economia Azul. 500 mil dólares serão entregues à Empresa de Água e Electricidade (EMAE) para que esta possa pagar à ENCO que, por sua vez, depositará na conta da estatal angolana um valor não inferior a meio milhão de dólares.
“Para quem não pagava nada, já é um grande sinal e acreditamos que vamos melhorar”, disse o ministro, para acrescentar terem sido já pagos os meses de Julho e Agosto, indo agora ser pago o mês de Setembro.
O ministro salientou ter a Sonangol “fechado a torneira” quando decidiu reduzir o fornecimento de combustíveis para um terço do que era habitual (…).
O diretor-geral da EMAE, Celestino Andrade, disse na semana passada que a empresa deve cerca de 140 milhões de dólares à ENCO, resultante da falta de pagamento do combustível para alimentar as centrais térmicas.
Propriedade do Estado são-tomense, a EMAE é a única empresa produtora e distribuidora de energia eléctrica no arquipélago³ [cujas centrais térmicas precisam de gasóleo para funcionar].
(Fim de citação)

 

Tenho ouvido dizer que há petróleo em São Tomé e Príncipe. Aqui debaixo destas águas. Os santomenses de vez em quando falam-me disto. Eu parada na bicicleta, a falar com as pessoas, e elas referem-me isto, que se descobriu petróleo em São Tomé e Príncipe. Mas há petróleo ou não há petróleo, afinal? Onde é que ele está?
Então encontro esta notícia de Junho de 2019 que não podia ser mais clara. Diz assim a antiga primeira-ministra de São Tomé e Príncipe, Maria das Neves (o seu nome será pura coincidência aqui com a povoação de Neves):

Isto, apesar do petróleo “ainda não estar a jorrar” e de nem se saber quando poderá estar, até porque, referiu, já se fixaram “tantos prazos para se começar a produzir o petróleo e até agora ainda não se vê a luz ao fundo do túnel”. O país “não tem condições para produzir petróleo” e “depende muito dos parceiros” também para levar por diante esse processo. Maria das Neves recordou que foram lançados vários concursos públicos, e houve empresas que começaram a fazer a prospeção, mas os custos eram tão elevados que acabaram por desistir.
“Tudo indica que há petróleo, mas está em águas ultra profundas, o que exigiria equipamentos muito mais sofisticados, com custos acrescidos, e este é o problema”, afirmou.
“Já se falou tanto de petróleo, que eu sou como São Tomé, prefiro ver para crer. (…) Já em tempos eu dizia que o nosso petróleo pode ser o nosso céu, o nosso inferno ou o nosso purgatório. Tudo depende da forma como as autoridades lidarem com este processo”, considerou.⁴
(Fim de citação)

No entanto a prospeção estará a ser feita, conforme noticiado em Março de 2019:

Total e Sonangol assinam contrato para exploração do bloco 1 em São Tomé e Príncipe
Com o contrato de partilha de produção para exploração do bloco 1 na Zona Económica Exclusiva, a Total fica com 55% de interesse participativo, a Sonangol com 30% e o Estado são-tomense com 15%.
A Total e Sonangol vão explorar em parceria o bloco 1 que cobre uma área de 3.292 km² e estão obrigadas a pagar ao Estado um bónus de assinatura de 2,5 milhões de dólares (2,2 milhões de euros), além de financiar projetos sociais no valor de um milhão de dólares (884 milhões de euros) anuais durante quatro anos.
“A Total e a Sonangol estão muito satisfeitas com a assinatura hoje do acordo do bloco 1, e este evento marca a entrada do grupo Total em São Tomé”, disse por seu lado, o representante da petrolífera francesa Gui Maurice, sublinhando “a esperança e confiança” da sua empresa “no futuro do óleo, gás e petróleo em São Tomé”.
A duração do contrato é de 28 anos, sendo 8 anos para a fase de pesquisa e 20 para a fase de produção.⁵
(Fim de citação).

Pronto, cá ficamos a aguardar os 8 anos de pesquisa. O próximo ciclista que cá vier, daqui a 8 anos, logo nos contará o desenlace desta história nas suas crónicas.

Neves é onde se come santola – em abundância e barata.

Deixo a tradução em inglês, para os leitores estrangeiros:
“Spider Crab Fishermen’s Association. Spider Crab Sale Center. Japan – Sao Tome and Principe Cooperation”.

Esta rapaziada de Neves chamou-me. Eu dei meia volta na bicicleta e fui ter com eles. Uma destas meninas diz que sou muito linda, eu rio-me e digo-lhes que as meninas à minha frente também são, mirando uma por uma (e são mesmo). De pólo verde é o Leonaldo (não é Leonardo, é Leonaldo), o qual tem Whatsapp e trocámos de números de telefone, para eu enviar-lhe estas fotos. Também tem Facebook e de vez em quando falamos através do Messenger. Permitir que esta malta nova tenha acesso à internet, smartphones e computadores é importantíssimo. Muito poucos santomenses têm acesso à internet. E os poucos que têm, é condicionada por tempo de acesso e saldo. Navegação ilimitada, como estamos habituados na Europa, é para esquecer. Conforme comentei na crónica 57, no relatório “Human Development Indices and Indicators 2018 Statistical Update”, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, nem existem dados sobre quantas pessoas em São Tomé e Príncipe têm internet. Não se sabe.

Deixo a nota de que o Leonaldo é um rapaz todo desembaraçado, e já aproveitou os seus recursos para obter informações na internet através de mim. Na escola deram-lhe um trabalho de pesquisa: verificar os atletas da lusofonia que já ganharam prémios. Aparentemente até é uma pesquisa difícil. O Leonaldo pôs-me a mim a fazer pesquisa, em minha casa, em Lisboa, já que a minha internet é mais rápida (e tenho um computador, não estou a navegar no telemóvel). E afinal encontrei logo a informação na Wikipedia. Os professores deram aos alunos um trabalho de pesquisa relativamente fácil, para eles praticarem. Enviei o link ao Leonaldo. Espero que tenha passado nos testes! 🙂

São 10h10. É hora de almoço, para mim. Já em Micoló almocei a esta hora. Afinal de contas acordei às 4 da manhã e tomei logo o pequeno-almoço. Já lá vão 6 horas e venho em esforço físico. Será que aqui me servem uma santola às 10 da manhã? Eu estou pronta para comer santolas a qualquer hora do dia!

Como eu estava a custar a encontrar o restaurante, esta senhora de cor-de-rosa trouxe-me aqui.

O restaurante é no piso de cima desta mercearia. Os donos são os mesmos. Questionei se me serviam agora, e por quanto. A Aleida (das crónicas 33 e 34) disse-me que já aqui andou e que custa 80 a 100 dobras. E agora pediram-me 250. Mau. Sou turista, está visto. Mas eu não quero gastar tanto dinheiro, não aceitei. Sugeriram-me então meia dose por 125 dobras. Está bem. Nem me convêm grandes quantidades, pois ainda tenho muito para pedalar até Santa Catarina.

Eu vou para o andar de cima e a minha bicicleta tem de ficar aqui em baixo, o que me causa um nervoso miúdo por não estar a vê-la. Deixo-a presa com o cadeado, apesar de me dizerem que não é preciso. Eu sei que ninguém ma rouba (volto a repetir) mas os pequenotes – as crianças – são naturalmente curiosos, e é preciso ter cuidado com aqueles dedinhos.

São 10 e meia da manhã, é normal que não haja ninguém no restaurante a almoçar. Servirem-me a mim já é uma sorte.

Bom, se isto é meia dose, como será a dose.

Estava muito bom, e comi a santola maior. A mais pequena ficou no prato. Também comi uns pedacinhos de banana frita. Fiquei bastante satisfeita e pronta para continuar a pedalar. Em Neves não há combustível para as gasolineiras, mas há combustível para o estômago da Rute.


¹ Veiga, Abel (2019, 23 Setembro) “Sonangol vai vender a ENCO de São Tomé e Príncipe”. Téla Nón. Página consultada a 27 Novembro 2019,
<https://www.telanon.info/economia/2019/09/23/29991/sonangol-vai-vender-a-enco-de-sao-tome-e-principe/>

² “São Tomé e Príncipe resolve crise energética” (2019, 13 Julho). RFI, Grupo France Médias Monde. Página consultada a 27 Novembro 2019,
<http://www.rfi.fr/pt/sao-tome-e-principe/20190713-sao-tome-e-principe-resolveu-crise-energetica>

 ³ “São Tomé e Príncipe paga dívida à angolana Sonangol em 25 anos” (2019, 24 Setembro). Macauhub. Página consultada a 27 Novembro 2019,
<https://macauhub.com.mo/pt/2019/09/24/pt-sao-tome-e-principe-paga-divida-a-angolana-sonangol-em-25-anos/>

⁴ “’Falta consenso’ entre dirigentes em São Tomé e Príncipe” (2019, 5 Junho). Agência Lusa. Observador. Página consultada a 27 Novembro 2019,
<https://observador.pt/2019/06/05/falta-consenso-entre-dirigentes-em-sao-tome-e-principe/>

⁵ “Total e Sonangol assinam contrato para exploração do bloco 1 em São Tomé e Príncipe” (2019, 15 Março). Agência Lusa. Observador. Página consultada a 27 Novembro 2019,
<https://observador.pt/2019/03/15/total-e-sonagol-assinam-contrato-para-exploracao-do-bloco-1-em-sao-tome-e-principe/>

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