114 – Graciosa – A Caminho da Caldeirinha
Lá em cima é de onde se vê a Caldeira.
A minha localização está identificada pela seta azul. A bandeira axadrezada mostra o meu destino: o Vulcão Caldeirinha. São 7,9 km de distância com uma subida acumulada de 240 metros. Ainda é puxadito. Tenho que despachar-me. São agora 13h21.
E manda-me já sair por aqui. Este caminho fica perto do miradouro onde estive sentada na última crónica.
Só mais tarde – muito mais tarde – é que me lembrei que ainda queria ir à Furna do Abel, depois da Furna da Maria Encantada. Esqueci-me completamente. Já não irá calhar mais em caminho. Terei que regressar um dia à ilha Graciosa, pois claro.
Eu vou muito devagar. Não dá para acelerar. Apanhar isto, por exemplo, a toda a velocidade, ao nível da cintura, poderia tornar-se muito complicado.
Aproveito este passeio para transcrever parcialmente um texto da açoriana e investigadora Susana Goulart Costa, da Universidade dos Açores:
A Graciosa sempre foi uma ilha ultraperiférica… A Graciosa sempre foi uma ilha esquecida… De central, só a sua inclusão geográfica na rede das cinco ilhas do grupo central dos Açores. Ao longo do tempo, a Graciosa nunca teve a amplitude de São Miguel; a prerrogativa da precocidade da descoberta, como Santa Maria; a vida urbana da Terceira; o porto apetecível como o Faial; a majestosidade da montanha do Pico; a singularidade das fajãs de São Jorge; a implantação de uma base aérea internacional, como as Flores; ou a peculiaridade minimalista do Corvo.¹
Continuando com o texto de Susana Goulart Costa:
O percurso histórico parece confirmar esta minha leitura. Em 1901, no contexto da visita régia aos Açores, o previsto desembarque dos reis na Graciosa não se efetua, por indisposição súbita da rainha D. Amélia, provocando grande desilusão nos graciosenses. Em 1924, a ilha continua a ser desconhecida para Raúl Brandão, que a retrata apenas da sua visão de embarcado, sem a Graciosa lhe ter merecido um passeio personalizado. Mais recentemente, com exceção de alguns breves estudos, a história da Graciosa não tem suscitado o interesse de investigadores e curiosos. Não se conhecem teses de Mestrado ou de Doutoramento sobre a Graciosa. Não há publicações sobre as genealogias da ilha. Raras são as obras sobre a evolução concelhia ou sobre temáticas específicas da vida graciosense. Os encontros científicos de âmbito regional seguem a mesma linha. Nos quatro volumes de atas dos Colóquios dedicados precisamente a estudar a periferia açoriana (“O Faial e a Periferia Açoriana – séculos XV-XX” organizados pelo Núcleo Cultural da Horta desde 1993), a Graciosa não merece nenhum artigo autónomo.¹
Com origem vulcânica como as suas congéneres açorianas, a ilha Graciosa desde sempre apresentou uma paisagem singular no seio do arquipélago. Aos primeiros navegadores, não foi indiferente a beleza da ilha, cujo traçado pouco montanhoso se distinguia das cotas mais elevadas das parcelas vizinhas, entre as quais a montanha picoense. Justificou-se, pois, a designação da ilha, face à harmonia e à graciosidade da sua aparência para quem vinha de viagens marítimas, por vezes muito morosas e agrestes.¹
Recomendo a leitura completa deste texto, no link abaixo, para quem quiser aprofundar os seus conhecimentos (e de uma forma resumida) sobre a ilha Graciosa, nomeadamente sobre a sua descoberta, história, evolução populacional, a produção agrícola, vinícola e leiteira, a natural falta de água e madeira, etc.
Estou agora a entrar numa povoação chamada Luz.
Aqui está a Mónica à janela. Apanhou um belo escaldão e agora tem as marcas da tshirt, pois claro. A Mónica é da ilha do Faial e veio para cá há um mês porque conheceu o namorado na internet. O namorado é daqui, é graciosense. O pai da Mónica é da ilha das Flores. O avô é da ilha Terceira. E a Mónica já esteve nas ilhas do Pico e de São Miguel, em férias.
Isto é muita ilha!!
Entretanto chega o seu namorado: chama-se José. Trouxe-o uma camioneta onde iam os trabalhadores da Câmara com quem falei na estrada, na crónica 111.
Que sorte a Mónica e o José terem-se encontrado através da internet. Cada um deles sozinho na respetiva ilha. Assim juntaram-se. Despedi-me de ambos: “Da próxima vez que eu cá vier à ilha Graciosa, quero tirar uma foto aos vossos dois filhos!”. Eles riram-se. Parece que por enquanto ainda não há planos nesse sentido. Primeiro é preciso arranjar emprego, disse a Mónica.
Há ali um café, vou sentar-me e comer um gelado. Faz sol e calor, está bom.
Manga ou frutos vermelhos? – pergunta-me a senhora.
Parece que estão a cantar o fado. Muito uivaram estas almas enquanto eu aqui estive a fotografar. Fizeram um escarcéu dos diabos.
Aqui temos a Maria Mercês Sousa. Eu sempre que apanho alguma pessoa, fotografo-a. Senão nestas crónicas pareceria tudo deserto. Efetivamente é tudo um bocado deserto, sim, sobretudo em julho de 2020, quando decorre esta viagem, ainda no rescaldo da quarentena da pandemia da Covid-19. São muito raros os turistas. E eu estou aqui, conforme contei na primeira crónica, porque tinha a viagem organizada desde novembro. Senão provavelmente também não estaria, com receio das incertezas e restrições impostas.
Este gatinho era duma senhora que morreu e ele instalou-se aqui. A Maria tem tratado dele. Ele segue-a para todo o lado. Não o deixa entrar em casa, ele dorme no barracão com o cão Noddy. Eu disse-lhe que a Maria até iria gostar de ter a sua companhia dentro de casa, enroscadinho. Estes bichos fazem muita companhia aos humanos.
E aqui está o cão Noddy. Já é velhinho.
A Maria perguntou se eu queria comer alguma coisa, e eu respondi que se tiver uma banana, aceito. “Não tenho bananas, mas tenho peras” – respondeu-me. Está bem, pode ser uma pera.
A Maria conhece três ilhas, para além desta, claro: Terceira, Faial e Pico.
Vai ao médico à ilha Terceira.
Tem uma filha e um casal de netos, com 22 e 16 anos. Moram aqui na Graciosa, em Santa Cruz.
E esta era uma bela pera, madura e doce. Importada sabe-se lá de onde; não era uma pera graciosense. Se calhar nem existem pereiras na ilha Graciosa.
Agradeci a simpatia à Maria, a pera soube-me muito bem, são agora 15h05 e prossigo o meu caminho em direção ao Vulcão Caldeirinha.
O gato adotado pela Maria veio ver-me mais de perto, curioso.
Tiveste sorte, felino, em ter alguém que cuida de ti.
E aqui está o João a abastecer-se de água. Eu teria conversado um pouco consigo também, mas eu já estou com pressa, são quase quatro da tarde e ainda tenho uma grande subida pela frente. E depois ainda tenho de regressar a casa. Parti, depois de tirar esta foto, sem demoras nem conversas, paciência.
¹ Costa, Susana Goulart (s.d.). “Graciosa, a Ilha Esquecida”. Instituto Açoriano de Cultura. Inventário do Património Imóvel dos Açores. Página consultada a 28 fevereiro 2021,
<https://www.iac-azores.org/iac2018/projetos/IPIA/graciosa/santacruz/graciosa-ilha-esquecida.html>