048 – Corvo – Caldeirão
Eu estava a meter-me com o caozarrão no tabuleiro da carrinha, tão pacífico que nem me ligou nenhuma.
Faltam 4,5 km para o Caldeirão, sempre a subir.
Ali à frente estão dois turistas que vieram a pé da Vila do Corvo, chegaram do lado esquerdo, pelo meio dos pastos. Estão a subir também. Pararam para comer. Cumprimentei-os. São 12h36.
O caminho para o Farolim Canto da Carneira deixou-me uma recordação.
Aqui não cantei, vou a deitar os bofes pela boca, tenho lá forças para cantar, e quero despachar-me, estou em modo acelerado porque tenho receio que fique nublado e não consiga ver nada.
Wow!
Que êxtase!…
Deixei a bicicleta presa com o cadeado, e agora vou dar a volta ao Caldeirão, pelo interior. São 4 km a pé.
Acho que é impossível não ter ataques de alegria perante tamanho cenário. Eu fiquei em êxtase o tempo todo. Tirei três mil fotos. Qual fome, qual hora de almoço, quero lá saber.
Na pedra estão duas riscas paralelas, amarela e vermelha – é o caminho a seguir. A vermelha está com a forma de “L” ao contrário. Significa, tal como está, que é para virar para a direita neste ponto.
De acordo com o que virei a ler num Centro de Interpretação que irei visitar daqui a uns dias, noutra ilha:
Toda a ilha do Corvo corresponde a um edifício vulcânico poligenético, com uma caldeira no seu topo (Caldeirão) e vários cones secundários nos seus flancos e intra-caldeira. O vulcão de Monte Gordo – como se chama este vulcão – não possui qualquer atividade vulcânica recente, isto é, nos últimos milhares de anos.¹
Um campo vulcânico poligenético é um grupo de vulcões poligenéticos, cada um dos quais erupciona repetidamente, em contraste com vulcões monogenéticos, cada um dos quais entra em erupção apenas uma vez.²
Portanto este vulcãozinho teve várias erupções. E tem vários cones secundários. Fartou-se de borbulhar lava.
E a propósito deste adorável vulcão da ilha do Corvo, deixo o link para uma curta-metragem de cinco minutos – um lindíssimo filme de desenhos animados, da Pixar, sobre a história dum vulcão: https://www.youtube.com/watch?v=vxofj3n_oUA
A terminar a volta. Agora há que subir isto, a bicicleta está lá em cima.
Cantei imenso às vaquinhas aqui dentro do Caldeirão. Uma delas tossiu. Se fosse um humano, e não uma vaquinha, ficava já tudo com medo.
São 16h02, tenho 22,4 km, numa mistura de bicicleta e a pé. O passeio durou 8h35, estive 5h03 em movimento, e 3h32 parada. A altitude atual é de 556 metros. Desloquei-me a uma média de 4,4 km / hora e a velocidade máxima que atingi foi 37,6 km / hora.
Já só tenho aquele restinho de água, no cantil da frente. Os de trás já os tinha bebido. Isto é mesmo à tangente. Agora vou descer para a vila, rapidamente.
Antes de arrancar na bicicleta pedalo até aqui, para ver pela última vez esta magnífica e lindíssima cratera do vulcão Monte Gordo. Está a escurecer. Está tudo deserto, sou a única pessoa aqui, a esta hora. As nuvens irão cobrir tudo agora. As vaquinhas deixar-se-ão de ver. Algumas já estão aninhadas no meio dos pastos, prontas para passar a noite.
Visto a minha camisola de manga comprida, já faz frio.
Obrigada, ilha do Corvo, pelo tempo limpo, com sol, que me proporcionaste.
Adeus lindo vulcão, adeus lindas vaquinhas.
De volta à civilização. São 16h35 e o Flávio, que nasceu no Faial, simpaticamente entrega-me o meu almoço que a Alzira deixou ali guardado.
Pelo caminho encontrei o Pedro. Cumprimentámo-nos. Disse-me que foi mal feito – que devíamos ter metido a bicicleta no carro e que me levaria lá acima ao Caldeirão. Depois na descida eu iria ao Farol. Mas eu disse que não, que quero fazer tudo na bicicleta. Vi ainda um dos seus filhos, que estava consigo, e cumprimentámo-nos também.
Bifes de frango com molho de cogumelos e natas. 6€. Muito saborosos. Nem aqueci no micro-ondas, muito menos as batatas fritas. Está morno e comi assim.
Será que alguém se lembra do que eu escrevi na crónica 46, sobre ter partido esta manhã sem o penso no pé esquerdo porque não o encontrei em lado nenhum? Bom, acabei de encontrá-lo. Já tomei banho e vou vestir a camisola com que durmo. E o pé esquerdo está bem, a esfoladela não reabriu.
Fiquei sim com estas novas esfoladelas. Mas aparentemente não há de ser nada de grave. Nem tenho maneira de colocar pensos de proteção aqui. Saem logo.
Às 19h a Vera veio mudar uma lâmpada que se fundiu num dos candeeiros da mesinha de cabeceira. Já na ilha das Flores foi a mesma coisa, mas dessa vez já estava fundida, quando lá cheguei.
A Vera contou-me que há cerca de cinco anos houve uma operação de esterilização de gatos aqui na ilha do Corvo, levada a cabo pela SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves.
Aves? Bom, não interessa, o que interessa é que hajam operações de esterilização, seja lá por quem for. (Será que os gatos andavam a comer as aves? Ou foi mesmo uma operação caridosa de quem estava à frente dessa associação?)
A Vera disse-me também, em conversa, que nunca existiu nenhum caso de Covid-19 aqui na ilha do Corvo.
Sobre o pequeno-almoço, eu disse que não quero fiambre. Não vale a pena, não aprecio e acaba por ir fora. Depois de estar na minha mesa, não se pode voltar a servir, por causa do vírus, apesar de eu não lhe ter tocado. A Vera disse que amanhã chega o barco e vamos ver o que ele traz. Talvez chourição, disse-lhe eu.
E o sino toca diariamente entre as 9 e as 21h. Acho que eu iria acordar às tantas da manhã com ele a tocar ali mesmo ao meu lado, se tocasse. Não sei.
Às 11h da noite, hora a que estou a comer estas torradas, as senhoras turistas açorianas, aqui alojadas também, estão numa tagarelice no andar de cima, em alto e bom som, e ecoam pelo edifício. Fui lá acima. Estão a jogar às cartas, e mais o rapaz. Pedi para falarem um pouco mais baixo. Responderam que se vão deitar daqui a pouco. Ainda vão fazer um chazinho, acrescentaram. Não precisam de ir deitar-se, disse-lhes eu, estão de férias, é para se divertirem. É só falar um bocadinho mais baixo. (Inverteram-se os papéis!… Esta gente mais nova a querer dormir cedo e a estragar-lhes a borga!…)
Este pão foi o que comprei na padaria, logo à chegada. O iogurte e a manteiga também são meus. A manteiga comprei-a na ilha das Flores. Estão no frigorífico, mas a Vera tem tudo ao dispor, inclusive a minha manteiga preferida, em pacotinhos pequeninos.
¹ “Ilha do Corvo” (s.d.) Placa exposta no Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos, Faial, julho 2020.
² “Campo vulcânico poligenético” (s.d.) Wikipédia. Página consultada a 17 novembro 2020,
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Campo_vulc%C3%A2nico_poligen%C3%A9tico>