120 – 24º Dia, Amanhecer em Atsabe & Café de Timor

Faz um frio de rachar nesta terra. Negociei o pequeno-almoço para as 6.45h (tem de ser negociado, o horário do pequeno-almoço… A senhora queria o pequeno-almoço às 7. Ora às 7 já nós temos meia hora de caminho, dado que costumamos arrancar às 6.30h, ou mesmo às 7, já com o pequeno-almoço tomado). Sendo o pequeno-almoço às 7, então eu – uma vez mais – disse ao Valério que iria comer os meus cereais de chocolate, com leite, cerca das 6.30h, e que nós arrancaríamos às 7. Mas o Valério não quer, nunca acha bem que eu coma cereais ao pequeno-almoço, isto deve fazer-lhe confusão, e tentou chegar a acordo comigo e com a senhora. Cedi para as 6.45h e ela também. Pronto, seja. Cada qual cedeu 15 minutos. Mas também é um pequeno-almoço muito parco, constituído por pão, margarina e doce (e café), e eu até gosto mais de cereais com leite. Mas convencer o Valério… Aqueles bolos todos foi o Valério que comprou na véspera, no Suai. Não sou amiga de bolos pela manhã, pelo que para já não lhes toquei. Depois de almoço já lhes trato da saúde.

E depois desta negociação toda, eis que eu acordo 45 minutos atrasada. Não posso acreditar. Deixei o despertador no telemóvel que não tem rede nem internet. Resultado: ainda tem a hora indonésia, uma hora mais tarde, que foi a última vez que apanhou wifi no hotel. Bom, acordei disparada – sobretudo por causa desta negociação dos horários – então agora sou que fico a dormir?!…  – e ainda tive de pôr protetor solar e a seguir o anti-mosquitos antes de sair do quarto. Há melgas a esvoaçar na rede. A janela não tem vidro, é só rede. Eu dormi praticamente ao relento, com três camisolas e uma t-shirt, dois cobertores e a toalha de banho por cima de mim. Já estou a ganhar prática nisto, de me tapar durante a noite com a toalha de banho. É o que dá vir para países tropicais sem imaginar que faz este frio em algumas terras. E ainda as peúgas pretas que me deram no avião. Efetivamente transpirei durante a noite. Ora agora não posso andar por aí, com tantas melgas, sem o repelente de insetos. Mais uma vez repito: não é pelas melgas, é pelo mosquito da malária, que também pode andar por aí.
O protetor solar está tão espesso, que nem sai do frasco, por causa do frio. E a seguir é que posso pôr o anti-mosquitos. Enfim, com este despertar tão apressado, cheguei 5 ou 10 minutos tarde ao pequeno-almoço. Agora as malas ainda estão por fazer, claro, quando normalmente fica tudo feito antes de ir tomar pequeno-almoço.

Partimos às 7.40h, já tarde, para meu gosto. Foram os meus 45 minutos a dormir. E pedi ao Valério para voltarmos para trás, para fazermos três ou quatro quilómetros para trás porque eu quero ir ver novamente as árvores “Madres do Cacau” (Paraserianthes falcataria). É que na véspera vínhamos um pouco à pressa porque o Valério estava preocupado com a disponibilidade do hotel. Bastaria haver um grupo de 3 ou 4 turistas e já não haveriam quartos para nós, pois o hotel é muito pequeno, parece-me que só tem 4 ou 5 quartos. Então não parámos e eu não pude ver com calma as árvores. Voltamos agora para trás, portanto. Eu fui na bicicleta a descer a montanha, em busca das árvores (sem saber bem ao certo onde estão), e o Valério atrás de mim na pickup.

Não sou a única friorenta por aqui, heim?!… Eu estou com uma camisola de manga comprida, e por baixo duas t-shirts, a pedalar.

Placard sobre o programa de demonstração de reabilitação das plantações de café. Ao centro estão os logotipos da NCBA (National Cooperative Business Association – ou em português: Associação Nacional de Empresas Cooperativas, uma organização dos EUA), e um logotipo da Nova Zelândia. Nas pontas estão os logotipos da  Cooperativa Café Timor (CCT) e do Ministério da Agricultura e Pescas. O placard detalha o programa:

  1. Poda e rejuvenescimento, Novembro 2016
  2. Utilização de adubo orgânico, Dezembro 2016
  3. Fazer socalcos nas encostas, Fevereiro 2017
  4. Seleção dos ramos/galhos novos, Setembro 2017
  5. Aparar os ramos para modelar a planta
  6. Manutenção da base/planta do cafezeiro (limpar as ervas).
  7. Gestão e manutenção

Sobre a Cooperativa Café Timor (CCT) – e citando o seu próprio site – é a maior cooperativa agrícola de Timor-Leste com 28.000 membros. Produz café, especiarias e farinha de mandioca de alta qualidade para venda nacional e exportação. A CCT é detida, gerida e composta por timorenses, operando em 11 dos 13 municípios do país.
Nos últimos 17 anos, a CCT tem prestado serviços de atenção primária à saúde “gratuitos” para benefício das comunidades rurais nas regiões produtoras de café dos municípios de Ermera, Ainaro, Aileu, Liquiçá e Manufahi. Os serviços de saúde incluem serviços médicos gerais, dentários e de saúde materno-infantil. O CCT possui serviços clínicos fixos e também móveis, reforçados com os serviços das aldeias próximas. O Programa de Saúde Masculina da CCT é um programa voluntário baseado na comunidade, o qual aborda questões de homens em saúde; nutrição; questões de género; inclusão social e gestão de renda.
Estas atividades de saúde do CCT são sustentadas pela venda de produtos agrícolas da cooperativa e funcionam em estreita colaboração com o Ministério da Saúde de Timor-Leste para melhorar o estado de saúde dos timorenses rurais.¹

Pontualmente nestas crónicas tenho falado do café, e recupero agora essas informações dispersas: na crónica 53 é indicado que “o café, introduzido em 1815, tornou-se o mais importante produto de exportação, contabilizando cerca de 80% do volume total das exportações. Escusado será dizer que os beneficiários desta economia não eram os timorenses. Um total de 40% da produção de café era propriedade de uma empresa portuguesa cujos proprietários quase nunca puseram os pés na colónia. Outros 40% pertenciam a meia dúzia de famílias portuguesas, e o restante a alguns chefes tribais timorenses.”²
Na crónica 59 é indicado que exportação de café ainda não chegou aos níveis da época colonial como uma forma alternativa de obter rendimentos.
Na crónica 38 refiro que o café é a única commoditie significativa para uma futura balança comercial, pelo que a recuperação da agricultura foi um dos primeiros passos do programa da ONU.

Escreveu assim o Padre Francisco Maria Fernandes, em 2006:
“O café deu muita prosperidade a Timor. Era muito abundante no planalto de Aileu e em Ermera [Ermera é onde eu estou agora], espalhava-se pelos 600 a 2000 metros de altitude. Era o produto mais exportado pelos portugueses e dava dinheiro ao território. Lembro-me que, antes de 1974, os amigos da Alfândega de Díli diziam que saíam de Ermera mais de 2000 toneladas de café, representando mais de metade do valor das exportações de Timor. Hoje, infelizmente, o café está muito decadente e abandonado, mas podia ser um dos mais importantes produtos de exportação de Timor.”³

Bom, e voltamos ao cartaz de hoje, com o programa de demonstração de reabilitação das plantações de café em 2016 e 2017.
O site oficial do Governo de Timor-Leste indica:

Café é o príncipe dourado da agricultura timorense. Durante cerca de um século tem sido de longe a maior fonte de rendimento para os agricultores nas montanhas e é também o principal produto de exportação de Timor-Leste (80%). O Híbrido do Timor, um cruzamento natural entre a variedade Robusta (resistente à ferrugem) e a Arábica (de grande qualidade) teve origem em Timor e depois de melhoria intensiva e seleção é hoje plantado em todo o mundo. O café orgânico certificado de Timor tem obtido um bom preço no mercado internacional e tem assim protegido os agricultures dos atuais preços baixos.
Para além do aspeto económico, o café pode também ser utilizado para proteger o solo nas encostas montanhosas que caracterizam a maior parte de Timor. Numa plantação de café, existe normalmente um andar superior, constituído por árvores leguminosas, normalmente Paraserianthes falcataria (albizia), Casuarina and Leucaena, que protegem e enriquecem o solo; um segundo andar constituído pelas plantas de café que contribuem para fixar o solo, e um terceiro andar de vegetação espontânea que serve de coberto vegetal.

Atualmente é possível melhorar bastante a produção do café em Timor-Leste. As possíveis melhorias são: substituição gradual das plantas de café que se têm transformado em árvores, a poda e limpeza das existentes, substituição das árvores de sombra (especialmente as albízias que estão a ser atacadas por Uromycladium tepperianum), e melhoria no processamento das cerejas. O preço de mercado do café é bastante influenciado pelo processamento pós-colheita (depois de apanhar o café), e Timor tem o potencial para exportar café de grande qualidade, só se e quando, se utilizarem as técnicas adequadas para o processamento.⁴

Em 2016 encontro uma notícia sobre o “Festival do Café”:

Um concurso para escolher o melhor café timorense e o melhor ‘cocktail’ usando este ingrediente são o ponto alto do primeiro Festival de Café de Timor-Leste, que a partir de segunda-feira decorre em vários pontos do país. Iniciativa da Associação de Café de Timor-Leste (ACTL), o festival, que decorre até 3 de dezembro, incluirá a primeira competição de provas de café do país, com juízes profissionais da Austrália, Canadá, México, Tailândia e Estados Unidos.
A competição está aberta a agricultores e a grupos de agricultores que têm de apresentar amostras de dois quilos de café com casca ou 1,5 quilos de café sem casca com um grau de humidade de 9 a 12%.
Apesar de ainda reduzida – Timor-Leste exporta anualmente café no valor de cerca de 20 milhões de dólares – a produção de café timorense tem vindo a viver nos últimos anos uma revitalização. Vários projetos levaram à recuperação de algumas produções importantes tendo sido lançadas várias marcas que estão agora disponíveis no mercado nacional.⁵

Encontro uma notícia já sobre a edição de 2017 no site do Governo de Timor-Leste, dizendo que quem ganhou em 2017 foi alguém de Ermera. Este vídeo de 4 minutos mostra os concorrentes a servirem os seus cafezinhos (até fico com vontade de beber um) e vê-se o vencedor. O vídeo está legendado em inglês e não carece de password no Facebook:
https://www.facebook.com/kafetimor/videos/1857078544591855/
Aparentemente a edição de 2018 já não se realizou, pois a página oficial do Festival, no Facebook, só fala da edição de 2017.

Eu fui provando o café de Timor-Leste em alguns dos meus pequenos-almoços. É raríssimo eu beber café, mas aqui fui gostando e repetindo. Não sou entendida na matéria dado que não bebo café habitualmente (se eu já tenho esta energia toda sem café, imaginem se eu bebesse uma bica ou duas por dia; acho que ficaria capaz de trepar pelas paredes, como aquela criatura dos filmes do Shyamalan) – mas adoro café – pelo que tenho prazer em bebê-lo. Os entendidos certamente seriam capazes de comentar muito melhor o café de Timor-Leste do que eu. Fui bebendo o chamado “café Timor”, que é café moído, posto em água a ferver e depois deixa-se pousar e é coado num pano ou rede fina. Por vezes servem-no já com doses generosas de açúcar.

Cá estão elas, as árvores “Madres do Cacau” (Paraserianthes falcataria) que são usadas para dar sombra nas plantações de café.
Sobre aquela espécie de ninho que se vê ao centro, num dos troncos, são fetos, e em breve irei falar deles.

Dado que não fotografei decentemente a planta do café, segue esta foto retirada da internet. Nesta foto vêem-se as cerejas, que serão descascadas e no interior contêm os grãos de café.
Foto retirada daqui.

E depois de termos voltado para trás uns quilómetros para ver as árvores, regressamos novamente a Atsabe, de onde prosseguiremos caminho. As próximas fotos foram todas tiradas na vila de Atsabe, onde eu pernoitei.

“Morto por Portugal”. Quem é que foi morto por Portugal?

Foi o Cipriano, em 1943. (Não diz mais nada! É intrigante, esta campa… o Cipriano morreu por Portugal…)
Posteriormente vim a saber que foi um chefe timorense de Atsabe, o chamado “Liurai”: Dom Cipriano Gonçalves, morto pelos japoneses durante a 2ª Guerra Mundial.

Aqui temos mais uma coisinha linda, minorca, timorense.


¹ “Cooperativa Café Timor (CCT) – About” (s.d.). Cooperativa Café Timor. Página consultada a 24 Fevereiro de 2019,
<https://hamutuk.tl/en/profiles/organisation/CCT/#people>

² Ramos-Horta, José (1987). “Funu: The Unfinished Saga of East Timor”. Capítulo “Colonial Beginnings”, pág. 20. Segunda Edição (1996), The Red Sea Press, Inc., Nova Jersey. Página online consultada a 24 Fevereiro de 2019,
<https://books.google.pt/books?id=WsFVXrVEEekC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false>

³ Fernandes, Francisco Maria (2006) “Macao-East Timor Historic Relations”. Review of Culture, pág. 37. Instituto Cultural do Governo da R.A.E. de Macau. Página consultada a 24 Fevereiro de 2019,
<https://www.researchgate.net/publication/280313960_A_Cultura_Mambai_em_Timor_Leste>

⁴ “Café” (s.d.). Welcome to Timor-Leste. Government of the Democratic Republic of Timor-Leste. Página consultada a 24 Fevereiro de 2019,
<http://gov.east-timor.org/MAFF/Portugues/Cafe.htm>

⁵ “Festival vai escolher melhor café de Timor-Leste” (2016, 22 Novembro). Agêncisa Lusa. Jornal online O Observador. Página consultada a 24 Fevereiro de 2019,
< https://observador.pt/2016/11/22/festival-vai-escolher-melhor-cafe-de-timor-leste/>

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