103 – Disputa de Fronteiras em Oepoli & Chegada à Meia Noite a Kefa (Indonésia)

Às 18h começou a anoitecer, e às 18.30h já é noite cerrada. A escuridão é de tal ordem, que eu para fazer xixi nem vale a pena afastar-me da pickup. Quando precisei agachei-me ao lado da roda da frente, do lado do passageiro, sem ver um palmo adiante do nariz. Aliás, se porventura houvesse um buraco ao lado da roda, eu cairia dentro dele, por não o ver. Nós vamos com os olhos habituados aos faróis da pickup e está escuro como breu, no campo, sem luzes nenhumas. Os três ficam sentados dentro da pickup, ou em pé do outro lado da pickup, conforme queiram sair ou não. Isto de viajar com três homens requer uma certa gestão logística.
A certo ponto, seriam umas onze da noite, o Valério parou, desligou o motor e os faróis, e nós saímos para esticar as pernas. Silêncio e escuridão totais. Mas à medida em que os nossos olhos se foram habituando, comecei a vislumbrar um fenomenal céu estrelado. Centenas de milhares de estrelas cintilantes. Fiquei especada a olhar, de pescoço dobrado para trás, naquele silêncio. Ou melhor, com muitos grilos e cigarras a cantarem.
As pessoas andam com lanternas na mão. Passou inclusivamente uma mota com uma família (homem, mulher e criança) e a mota ia sem luz, mas o homem, que era quem conduzia, levava uma lanterna presa na cabeça a iluminar o caminho, tal como os espeleólogos nas grutas.

São 10 da noite, agora, e chegámos a Oepoli, uma aldeia indonésia junto à fronteira com o Oecusse. A zona à frente está a ser disputada entre os dois países, estão a haver negociações entre ambos para definir a fronteira, porém está num impasse. Repare-se que o cartaz está em indonésio, porém também tem o nome da RDTL – República Democrática de Timor-Leste. O cartaz diz:

Komando Pelaksana Operasi Pamtas RI-RDTL
Sektor Barat
Pos Oepoli Sungai
Satgas Pamtas RI-RDTL Yonif 715/MTL

O que significa, segundo o Google Translator:
Comando de Operações Pamtas da República da Indonésia – República Democrática de Timor-Leste
Setor Oeste
Posto do rio Oepoli
Divisão Pamtas da RI-RDTL Batalhão 715 / MTL

Fazendo uma pesquisa adicional na internet, verifico que:
– “Pamtas” são militares do Exército Nacional Indonésio pertencentes a uma divisão de segurança fronteiriça;
– Yonif 715/MTL é o Batalhão 715 / Motuliato. “Motuliato” é o nome do Batalhão e significa “rápido e ágil”. Vejo na Wikipedia que “Yonif 715 / Motuliato” é o batalhão mais jovem nas fileiras do exército indonésio.¹

Enquanto a disputa das fronteiras se resolve e não resolve, os dois exércitos estão unidos em serviço, o que é de louvar.

São militares “Pamtas”, ou seja, pertencem à divisão de segurança fronteiriça. São dez da noite e não estão em serviço, vieram ver o que se passa ao ouvir a nossa pickup a chegar a horas inusitadas. Nem estamos a chegar, estamos de passagem, pois dirigimo-nos para Kefamenanu e ainda falta um bom bocado. Nem nós sabemos ao certo quanto. O Valério, o Sanches e o Rui pediram-lhes indicações sobre o caminho. Que será muito mau, terrível mesmo. São caminhos escuros, de terra e pedras, por vezes com declives muito acentuados, e sem uma única placa a indicar a direção. Quando chegamos a uma bifurcação, é o Rui quem tem de dizer por onde vamos. Se porventura tiver dúvidas, nestes 200 e tal quilómetros de caminho, pois enveredamos por um deles e logo se vê. (Relembro que fui eu que quis vir por aqui, por estradas alternativas. Não quis repetir a estrada principal – de alcatrão, direta – entre Kupang e Kefamenanu, que fiz ao ir para Kupang. E a Timor MEGAtours fez-me a vontade, arranjando um guia local para ajudar-nos no novo caminho).

E enquanto esta longa viagem prossegue, falemos de Oepoli e desta disputa de fronteiras. Repare-se que o militar do centro tem as duas bandeiras na t-shirt – a indonésia e a de Timor-Leste.
Fiquemos com um artigo do “The Conversation”, um site com artigos e estudos provenientes das comunidades universitárias e de investigação. (Reparem que hoje em dia é preciso muito cuidado ao escolher os sites, já que proliferam tantos de notícias falsas. Agora está na moda ganhar dinheiro com notícias falsas, portanto todo o cuidado é pouco. Antes de aproveitar algum texto ou sequer perder tempo a lê-lo, é preciso investigar muito bem a sua origem. Este “The Conversation”, que eu não conhecia, parece ser bastante interessante). Vamos ao artigo:

“Os governos da Indonésia e de Timor-Leste devem incluir a população indígena nas negociações das disputas fronteiriças entre os dois países. A comunidade indígena do povo Ambenu em Timor-Leste tem laços de parentesco com o povo Amfoang em Timor Ocidental, na Indonésia, e eles iniciaram os seus próprios diálogos para resolver os problemas decorrentes das disputas fronteiriças.

Impacto na sociedade
Duas fronteiras terrestres separam a Indonésia e Timor-Leste. No leste, um trecho de 150 km divide a ilha de Timor em dois. No oeste, dentro da província indonésia de Nusa Tenggara, uma curva de 120 km cria um enclave timorense, Oecusse, dentro do território da Indonésia. Enquanto a parte oriental da fronteira foi negociada com sucesso, a fronteira em torno do Oecusse permanece em disputa.
Esta disputa prolongada paralisou o desenvolvimento da área. Pior ainda, causou tensão entre as pessoas que ocupam a área da fronteira. Conflito e violência surgiram como resultado dessa situação incerta.

Negociações paralisadas
A Indonésia e Timor-Leste começaram a negociar as suas fronteiras em 2000 após a independência de Timor-Leste em 1999. Enquanto a fronteira oriental foi rapidamente colonizada, a fronteira em torno de Oecusse permanece sem solução.
As negociações destas fronteiras instáveis fizeram pouco progresso até hoje. A última reunião dos ministros das Relações Externas de ambos os países em janeiro de 2018 não trouxe nenhuma solução tangível.

Os dois países basearam as suas negociações fronteiriças num tratado de 1904 entre os portugueses e os holandeses, bem como numa decisão do Tribunal Permanente de Arbitragem de 1914. Mas as suas interpretações do Tratado de 1904 diferem. Negociadores indonésios insistem que a fronteira está no rio Noelbesi, que faria diminuir o território de Timor-Leste. Os negociadores de Timor-Leste dizem que a fronteira está noutro rio mais pequeno, o Nonotuinan.

Negociadores indonésios argumentaram que a base para estabelecer a fronteira não é fiável. Para além destes segmentos não resolvidos, algumas áreas do sub-distrito de Bikomi Nilulat em Timor Tengah Utara também permanecem sem serem definidas.

Diálogo dos povos indígenas
Enquanto se dão as negociações lentas entre os dois governos, as “masyarakat adat” (comunidades indígenas) dos dois países promoveram uma abordagem cultural para resolver a disputa.
Três encontros de adat masyarakat entre o povo Amfoang da Indonésia e o povo Ambenu de Timor-Leste ocorreram em Oecusse (Timor-Leste) em 2012; Kefamenanu (Timor indonésio) em 2012; e [aqui] em Oepoli em 2017.
A última reunião em Oepoli, a 14 de novembro de 2017, reuniu quatro grandes reinos de Timor. Três reis – Liurai Wahali, Liurai Sonbai e Rei Amfoang – da Indonésia reuniram-se com o Rei Ambenu, de Timor-Leste. Estavam unidos pelo espírito de “Nekaf mese e mesa Atoni Pah Meto” (Um coração uma alma, como Povo Atoni).
A reunião foi definida de acordo com a tradição de Timor, com cerimónias e rituais.
Os reis concentraram-se em reavivar laços de parentesco e paz entre pessoas com a mesma ancestralidade. Concordaram em resolver todos os problemas com base nos princípios da paz e do parentesco. Assinaram um acordo comprometendo-se a ver a fronteira entre a Indonésia e Timor-Leste como uma fronteira administrativa que não deveria limitar e separar as suas relações de parentesco.

O encontro em Oepoli constitui um caso único em que as relações internacionais, as relações sociais modernas, vão de encontro à tradição. A reunião não foi sobre a resolução da disputa da fronteira interestadual. No entanto, as suas implicações para resolver a disputa entre a Indonésia e Timor-Leste não podem ser simplesmente negligenciadas.
Na Indonésia, a inclusão do “masyarakat adat” na resolução da disputa das fronteiras foi iniciada com o apoio ativo do comando militar local. Isto abriu caminho para uma discussão em grupo em maio entre o governo da Indonésia e os académicos. O debate constatou que antes do domínio português em Timor-Leste já existiam acordos de fronteira entre os reinos timorenses, sob a forma de juramentos.
Os governos da Indonésia e de Timor-Leste devem começar a envolver os líderes indígenas nas negociações de fronteira. Devem ouvir as aspirações das comunidades indígenas para ajudar a criar uma solução sustentável que beneficie os estados e os seus povos.”²
(Fim de citação)

 

Fiquemos agora com uma análise da “International Crisis Group” (ICG), uma organização não-governamental fundada em 1995, transnacional, sem fins lucrativos, que realiza pesquisas de campo sobre conflitos violentos e desenvolve políticas para prevenir e resolver esses conflitos. (Curiosamente vejo na Wikipedia que um dos seus antigos Presidentes e CEOs foi também Ministro dos Negócios Estrangeiros na Austrália, e que este, em 1991, reconheceu oficialmente Timor-Leste como província da Indonésia, descrevendo o massacre do exército indonésio como uma “aberração”. Ok… Bom, ele disse isto em 1991 e em 1995 foi criado o ICG, o qual veio a liderar… Este mundo não tem descanso e temos de estar sempre alerta… Curiosamente a análise abaixo é tendenciosa pela falta de algumas explicações, mas deixo-a à vossa análise).³

No site do ICG as últimas notícias sobre Timor-Leste datam de 2013. Não há conflitos violentos para prevenir, aparentemente. Deixo no entanto um extrato dum seu relatório de 2010 sobre o tema de hoje – a disputa das fronteiras terrestres entre Timor-Leste e a Indonésia, porque efetivamente algumas partes mantêm-se atuais:

“A Indonésia e Timor-Leste fizeram muito para normalizar as relações após o fim do domínio indonésio na antiga província, mas a boa vontade entre as capitais ainda não é acompanhada pela total cooperação na fronteira. Os custos são maiores no Oecusse, o enclave isolado de Timor-Leste dentro do Timor Ocidental indonésio. Os negociadores até agora não conseguiram chegar a acordo sobre dois segmentos da fronteira de Oecusse, deixando em aberto o risco de que pequenas disputas locais possam ser politizadas e transformadas em conflitos maiores. Sem uma demarcação final, os passos para melhorar a gestão da fronteira porosa foram interrompidos. Iniciativas que promovam intercâmbios e diminuam o isolamento do enclave não são implementadas. À medida em que os laços entre as duas nações crescem, estas devem priorizar este assunto inacabado. Deixá-lo sem solução só pode promover o crime, a corrupção e a possibilidade de conflito.

Seja qual for a fronteira acordada, não satisfará a todos. Para aliviar este descontentamento, devem ser promovidos acordos a nível local para atividades transfronteiriças. Sem essa flexibilidade, as disputas locais de longa data vão deteriorar-se e podem transformar-se em conflito ativo.

Além das ameaças à segurança, os dois países enfrentam uma série de desafios relativos à gestão das fronteiras, nomeadamente o movimento de pessoas e bens. Embora o enclave permaneça politicamente distinto há várias centenas de anos, os laços permanecem fortes entre as famílias divididas pela fronteira. A fronteira é cruzada regularmente para casamentos e funerais. Alguns cultivam mesmo terras no outro país. Isolados do resto de Timor-Leste, os residentes do Oecusse dependem de mercadorias baratas da Indonésia.

Um esforço para construir um posto de imigração timorense perto de Citrana (em Timor-Leste) em novembro de 2008 levou a um aumento das tensões. O novo posto visava igualar um existente na Indonésia e representaria um sinal de relações normalizadas e um mecanismo para atravessar legalmente a fronteira ocidental isolada do Oecusse, mas ficava no meio dos 1.069 hectares de terras disputadas. Oficiais militares indonésios, que não tinham sido informados dos planos para construir o posto, protestaram imediatamente e pararam a construção. Uma variedade de pequenos incidentes deveram-se à entrada do TNI [Tentara Nasional Indonesia – Exército Nacional Indonésio] na área disputada, um triângulo de ricos campos agrícolas, terra conhecida como “Naktuka” (“cabeça decepada” no idioma local). Qualquer presença militar indonésia é sensível aqui: os aldeões queixam-se de que o posto de guarda fronteiriço timorense está afastado da área disputada em que vive, deixando-os vulneráveis à intimidação do lado indonésio; os guardas da fronteira explicam que a Indonésia não aceita nenhum posto mais perto. Em junho de 2009, soldados do TNI acompanharam uma pequena delegação civil liderada por Robby Manoh, um membro da assembleia distrital de Kupang e um chefe tradicional na região de Amfoang que fica ao lado de Naktuka no lado indonésio. Manoh disse que estava lá para examinar o sistema de irrigação de Naktuka, construído durante o período do governo indonésio. Tem consistentemente procurado promover a disputa das terras em Naktuka a nível nacional em Jacarta, e é frequentemente citado na imprensa indonésia, afirmando que se a reivindicação do país não for reconhecida, haverá violência. O incidente, que enfureceu os aldeões locais e foi noticiado nos meios de comunicação nacionais, elevou as temperaturas de tal forma que quando um grupo separado de sete soldados da TNI e dois civis entraram em Naktuka em setembro de 2009, houve uma reação diferente. Os indonésios começaram a fotografar um prédio do Ministério da Agricultura timorense construído recentemente. Os moradores locais confrontaram o grupo e, com efeito, prenderam-nos, escoltando-os até à patrulha de fronteira no posto em Citrana, onde foram detidos durante várias horas enquanto se fazia um esforço para contactar as autoridades nacionais em Díli. Até que foram finalmente libertados e autorizados a reentrar na Indonésia. A voluntariedade dos soldados em se submeterem ao controle dos aldeões evidenciou que a sua presença constituía pouca ameaça à segurança. Mas foi uma provocação, e uma série de novos incidentes sugerem que a Indonésia quer manter a sua reivindicação viva.

Este posto fronteiriço remoto, conhecido como Oepoli no lado indonésio, é de difícil acesso na estação chuvosa numa estrada não alcatroada. Não receberia esta atenção desproporcional por parte dos funcionários nacionais se a demarcação das fronteiras estivesse completa. O ministro da defesa indonésio fez uma visita surpresa ao posto em fevereiro de 2010, sugerindo que patrulhas conjuntas fossem formadas no dia seguinte. Depois de comunicarem com o quartel-general, os guardas timorenses da patrulha de fronteiras voltaram para explicar que não estariam disponíveis para qualquer cooperação. O ministro regressou cerca de um mês depois para fazer uma ronda aérea à área. Uma futura visita do chefe das forças armadas estava também a ser planeada. Os timorenses em Naktuka dizem que estão abertos aos desejos dos vizinhos indonésios de cultivar a terra, mas estão frustrados pelas reivindicações indonésias de que esta terra está em disputa. Dizem que pertenceu ao Oecusse desde que se podem lembrar. Um funcionário do governo timorense contou que, para neutralizar a situação em novembro de 2008, visitou o posto e ofereceu desculpas pessoais aos soldados indonésios, dando-lhes dinheiro para cigarros e cerveja. Mas não está claro se todos estão dispostos a adotar esta posição de deferência.⁴

Esta foto foi retirada dum jornal indonésio, de Jacarta, chamado “Publica News”. Encontrei esta notícia por acaso, numa busca na internet. O que seria da minha vida sem o Google Translator. Basta clicar no botão direito do rato, escolher a opção “Traduzir” e aparece tudo em português. Com falhas, claro, mas já dá para perceber a maior parte das coisas. Então a legenda desta foto diz:

“O acordo dos reis sobre as fronteiras da Indonésia e Timor-Leste no Distrito de Amfoang Leste, Kupang, NTT. (Foto: cais privado / Raja Amfoang)”

Sendo que NTT é a abreviatura do nome da região a que Amfoang pertence: Nusa Tenggara Oriental (em indonésio as siglas devem corresponder ao “NTT”).
Esta notícia de Outubro de 2018 é uma perolazinha, com foto e tudo. Em tétum é capaz de haver também, mas infelizmente o Google Translator ainda não identifica (nem traduz) o tétum. Palerma. (Palerma do Google, entenda-se).
Então vamos à notícia deste jornal indonésio. Desta vez não consigo fazer grandes verificações da fidedignidade deste, mas esta notícia não será falsa com certeza. O jornal tem bom ar, está bem organizado e não está carregado de publicidade cintilante por todo o lado. (Onde vão buscar o dinheiro então? Se calhar são patrocinados pelo Estado indonésio… se a perspetiva prevalecente nesta notícia for a dos Reis indonésios, já sabemos o porquê).

O Acordo dos Quatro Reis sobre o Limite da RI (República da Indonésia) – Timor-Leste não pode ser processado.
Os resultados do acordo dos reis das antigas regiões de Timor-Leste e da República da Indonésia tornaram-se uma referência decisiva que não pode ser violada. O acordo foi considerado o melhor após uma dezena de anos de disputas sobre as fronteiras territoriais dos dois países.
“No ano passado, construímos um acordo conjunto entre os reis leste-oeste da ilha de Timor relativamente às fronteiras regionais”, disse a figura tradicional da vila de Oepoli, Tom Kameo. Este revelou que a área é uma terra agrícola bastante extensa, atingindo 1.069 hectares. Os dois países não estabeleceram limites legais no segmento de Naktuka até agora. Portanto, quatro reis do leste-oeste, ou seja, Liurai Sila, Sonbai Sila, Benun Sia e Afo Sila assinaram o acordo em 14 de novembro de 2017 em Oepoli. “O acordo reafirma as fronteiras reais que foram estabelecidas nos tempos antigos e é legitimamente declarado nas atas”, disse Tom Kameo. Infelizmente, não há seguimento, embora representantes da República da Indonésia e de Timor-Leste também tenham sido testemunhas. O limite do território, Kameo acrescentou, é o limite natural seguindo a forma do Iron Noel (um grande rio) que foi determinado pelos antepassados naquele tempo. “Assim Naktuka faz parte do reino de Amfoang, da República da Indonésia. No entanto, os timorenses continuam a atravessar para o nosso território ”, explicou.
Se o acordo dos reis não for seguido, Tom Kameo está preocupado com a possibilidade dum potencial conflito. “Estamos a aguardar a atitude de nosso governo na Indonésia em relação a estas terras de Naktuka”, acrescentou Kameo.
(Fim de citação)

Segundo a versão indonésia, o Rei de Timor-Leste concordou que Naktuka pertence à Indonésia. Ficamos portanto a aguardar notícias em tétum, com a versão de Timor-Leste sobre o acordo estabelecido entre os quatro Reis. Não fosse já tão tarde, eu ainda iria entrevistar pessoalmente o Rei de Timor-Leste se ele aceitasse receber-me – teria a tradução do Valério, do Sanches e do Rui.

Também é possível encontrar na internet notícias significativas sobre a vida da população indonésia de Oepoli:

Outubro 2018:
“O nosso acesso à internet ainda depende da rede da Telemor, de Timor-Leste, que é de facto mais cara, e por isso a nossa grande esperança é que a Telkomsel [da Indonésia] possa entrar”, disse Wemfied a repórteres na vila de Netemnanu no domingo. Ele explicou que, para poderem ter acesso à internet na área, os moradores têm que comprar um cartão da Telemor a um preço de 30 mil rupias por cartão, e então adicionarem um vale em dólares no valor de 20 mil rupias. “Mas também é preciso comprar quatro vouchers. Pode custar 80.000 rupias usar a internet por uma semana, mesmo que seja usada com moderação”, disse ele. Segundo ele, o cartão e o vale podem ser comprados a timorenses todos os dias no Mercado de Oepoli.
“Se houver uma rede 3G ou 4G, então claro que será mais fácil para nós. O custo será mais eficiente, 100.000 rupias pode ser usado durante um mês”, disse ele. O uso da internet com os cartões da Telemor também é muito mais caro porque é necessário comprar vales de crédito que são vendidos separadamente. “Para a internet, compramos um voucher, para o WhatsApp também se compra um vale especial em separado, ao contrário do Telkomsel, cuja internet pode ser usada para todas as aplicações”, disse ele.⁵
(Fim de citação)

E  mais esta, também de Outubro de 2018:

Indonésios na fronteira com Timor-Leste esperam eletricidade barata
Vários cidadãos indonésios que vivem na vila de Oepoli, no distrito de Amfoang, sob a regência de Kupang, esperam que o governo apresente uma rede de eletricidade barata para que possam beneficiar de iluminação como os cidadãos indonésios das outras áreas da Indonésia. Esta expetativa foi transmitida pelos líderes tradicionais e pela comunidade de Tom Kameo na vila de Oepoli. Ouvimos dizer que as outras regiões têm eletricidade barata, mas aqui não temos, de modo que as grandes esperanças das pessoas nesta fronteira são depositadas nos programas de eletricidade baratos do governo”, disse Tom a repórteres em Oepoli, domingo.

Oepoli é uma área da Indonésia que está diretamente adjacente ao enclave de Timor-Leste, Oecusse. Ele e a comunidade local apreciariam os esforços do governo e da Companhia Nacional de Eletricidade, para que trouxessem eletricidade às pessoas na região da fronteira. Há quatro aldeias em Oepoli que recebem eletricidade da PLN [Central Elétrica da Indonésia], a saber, Desa Netemnanu, Netemnanu Utara, Netemnanu Selatan e Kifu, além de uma aldeia em expansão cuja rede elétrica também foi construída. “Pelo menos, esta eletricidade na fronteira faz-nos sentir o nome da independência da Indonésia, a qual tem sido comemorada há 73 anos”, disse ele.
Segundo ele, embora a rede de eletricidade tenha entrado nas aldeias da fronteira, nem todas as famílias foram conectadas ao contador por causa da limitada capacidade económica dos moradores. Segundo ele, geralmente as pessoas na fronteira são agricultores cuja renda é relativamente pequena, de modo que ainda é difícil satisfazer todas as suas necessidades básicas. “Se o custo da instalação de eletricidade for de milhões, então obviamente teremos dificuldade. Por essa razão, um programa de eletricidade barata deve chegar até nós aqui”, disse ele. Tom acrescentou que os moradores locais também não querem ficar atrás relativamente aos moradores do Oecusse, que têm eletricidade há tanto tempo.
“Esperamos que o governo e a PLN possam ajudar nesta dificuldade, pelo menos a eletricidade que já está presente possa ser desfrutada pelos cidadãos a preços acessíveis”, disse ele.⁶

Temos de ver quem é o Tom Kameo, líder tradicional aqui de Oepoli. A legenda desta foto é a seguinte: Tom Kameo, figura tradicional da comunidade de Oepoli, distrito de Amfoang, regência de Kupang, que é uma área de fronteira com o distrito de Oecusse.⁶

E finalmente esta notícia, também de Outubro de 2018. Parece que neste mês acordaram todos, deve ter acontecido alguma coisa que despertou tanta atenção nos meios de comunicação social indonésios, nesta altura. Desta vez é sobre o Centro de Saúde de Oepoli, entre outros temas:

Eksina Sora, do Centro de Saúde de Oepoli, queixou-se das várias limitações que foram sentidas, incluindo as limitações da equipa médica e também dos serviços de saúde. Além disso, o Centro de Saúde de Oepoli atende cinco aldeias com condições de terreno difíceis, não possui médicos de clínica geral, dentistas e enfermeiros dentistas.
“Técnicos de saúde ambiental, farmácias, nada existe. O encaminhamento de pacientes não pode ser feito para o Hospital Naebonat porque a distância é muito longa “, disse Eksina ao governador da NTT, Viktor Laiskodat, durante um diálogo na aldeia de Netemnanu Utara, no distrito de Amfoang Leste.

Enquanto Riki Kameo, um dos agricultores em Amfoang (…) revelou que a polícia local não possui veículos operacionais. A polícia de plantão usa principalmente motos particulares, bem como serviços de moto-táxi. O chefe do subdistrito de Amfoang, disse ele, não tem um veículo operacional.
Ao ouvir isso, o governador afirmou que iria fornecer assistência operacional em carros para o Polsek, Koramil, Puskesmas e Pos-AL em Amfoang. [Respetivamente: Polícia Setorial, Comando Distrital Militar, Clínicas de Saúde comunitárias, e os Correios]. Também disse que enviaria uma lâmpada cujo combustível não usa óleo, mas água do mar. Mil luzes serão enviadas para ajudar a comunidade, a igreja, a polícia, o comando militar e o centro de saúde.

O chefe da Agência de Gestão de Fronteiras, Paul Manehat, que orientou o diálogo com os moradores, revelou a questão da fronteira com Timor-Leste, inclusive em Naktuka. A questão do limite desta região ainda não foi resolvida até ao momento. O governador  afirmou que a comunidade de Oepoli e o povo timorense têm na verdade a mesma realidade sócio-cultural. As duas comunidades são limitadas politicamente, mas o aspeto social não. “Portanto, quero estabelecer comunicação e conversar com o Rei Ambenu do Oecusse, para que seja definida uma fronteira, e que a fronteira política não impeça a prosperidade das pessoas daqui”, disse o Governador da VBL.
Ele enfatizou que os limites existentes são linhas políticas e de soberania do Estado, e não as fronteiras sociais e culturais da comunidade. As disputas fronteiriças não devem prejudicar os esforços para melhorar o bem-estar das pessoas na região fronteiriça.⁷

Ainda aí estão? Eu arranquei às 6.45h da manhã, são agora 23.40h. Foram 17 horas de viagem. Estamos em Kefamenanu, cidade indonésia. A minha preocupação é o Valério, que conduz. O Valério é que tem de descansar. Hoje fez 282 km por estradas maioritariamente muito más, e à noite. O Valério conduz rapidamente, quase que voámos no meio daqueles campos, às vezes com subidas muito íngremes em que foi necessário ativar a tração às quatro rodas, e só com a iluminação dos faróis. Um autêntico piloto de rallies. Digo ao Valério para escolher a hora a que arrancamos amanhã, para ele descansar o que quiser. O Valério é que manda hoje. O Sanches mesmo assim é quem está pior, entre todos nós, com dores num braço. Vim posteriormente a saber que teve um acidente de mota e o braço pelos vistos não terá sido operado como deve ser. Ou se calhar não foi operado de todo. Dei-lhe dois ou três Ben-u-Rons dos mais fortes. O Rui está bem e desapareceu, enquanto andávamos nas lides dos quartos de hotel, nem tive oportunidade de me despedir de si. Aparentemente foi já apanhar uma microlet para regressar a Kupang (são cerca de 70 km em alcatrão, será rápido). Eu estou bem, efetivamente estou com a pica toda, nem que seja pela louca condução do Valério, que me faz vibrar. É impossível adormecer sendo co-piloto num rally.
Eu não quis jantar, comi apenas bananas e leite. Os três foram comendo também pelo caminho, bolachas e afins.

Mas a saga está longe de acabar. Hoje não saímos daqui. Foram 17 horas de viagem, e agora ainda tenho uma hora pela frente, nomeadamente com as lides do hotel, que não estava à nossa espera e não tem funcionários de serviço. Estes dois homens são os seguranças. São os seguranças do hotel que estão a fazer a minha cama. Estamos num terceiro andar sem elevador. Com bagagens para carregar. E depois de terem feito a cama, constatámos que este quarto não tem água quente, pelo que tiveram de mudar-me para outro (na foto seguinte).

E neste quarto não há toalhas. Agora estou no segundo andar. Ia ligar à receção através do telefone, mas levantei o auscultador e não dá sinal. Fui lá abaixo pessoalmente. O rapaz disse-me que as levam lá acima, através de gestos. Eu fiz gestos a dizer que espero aqui em baixo. E o rapaz da receção desapareceu. Como nunca mais apareciam as toalhas (eu desejando de despachar-me, a querer tomar um banho e deitar-me), e ouvindo risos na sala ao lado, fui espreitar. Os dois seguranças estavam a passar a ferro a minha toalha. Eles riram-se, ao serem apanhados assim tão inesperadamente. Eu disse que não era preciso passarem a toalha a ferro (tudo através de gestos). Eles deram-me a entender que a toalha está molhada, deixaram-me tocar-lhe. Explicaram que estão sozinhos, são dois seguranças e mais o rapaz da receção. Perguntaram de onde sou, ou pelo menos assim entendi, disseram Holanda. Eu disse Portugal, Cristiano Ronaldo. Foi uma festa. Apareceu um homem a ver o que se passava, provavelmente descontente com tanto barulho e conversa à meia-noite e meia. Porque já é meia noite e meia. Percebi depois que será o dono, ou um responsável, pois perguntou-me se estava tudo ok quando eu levei a toalha. Todos tocaram na toalha para ver se está seca ou molhada. Espero que tenham as mãos limpas. A toalha está molhada, mas o ferro não seca nada e eu quero ir dormir!

Não levei a máquina fotográfica comigo, infelizmente, para fotografar todo este episódio. Já sei que é regra de ouro, andar sempre com a máquina, e mesmo assim falho.
Se eu imaginasse que ia ser esta saga para tomar banho, eu teria deixado o banho para quando acordasse de manhã. Não sejamos puritanos, não é à meia noite – seria às sete da manhã.

O botão do autoclismo dá a volta completa, a água não pára de correr, é preciso ir mexendo no botão até conseguir parar a água. Quando se levanta aquela cobertura de cima, que está partida evidenciando que alguém já teve a mesma luta que eu, salta água por todo lado, para a cara. Já a torneira das mãos não dá para meter as mãos debaixo, não há espaço. Se repararem, a saída da água está mesmo junto à parede do lavatório.Tem de ser uma mão de cada vez, e espalmada contra a parede. As lutas com os autoclismos e torneiras na ilha de Timor têm sido uma constante, diga-se de passagem. Mas agora estamos num grande hotel com quatro andares, numa cidade (a foto da fachada está abaixo).

A cama, por seu lado, só tem lençol de baixo, não tem lençol de cima para tapar-me. O cobertor só tapa até a cintura. É um mini cobertor. Dormi com duas camisolas e mais um casaco cinzento do Valério, bem quente, emprestado.

A seta no teto a indicar a direção de Meca.

O Valério queria arrancar às 9, mas eu achei muito cedo – por sua causa – porque ele é o condutor e precisa de descansar. Pelo que lhe disse que era melhor arrancarmos às 11.30h ou meio-dia. Deixei despertador para as 10, mas acordei às oito e tal. Fiquei na ronha até às nove. Imagine-se, na ronha em Timor. Com tapa-olhos e tampões de cera nos ouvidos. Há muita luz no quarto. O pequeno-almoço ficou marcado para as 11.
Dado que o pequeno-almoço no hotel é entre as 7 e as 9, perdi o pequeno-almoço, mas quando saí do quarto à procura do Valério e do Sanches, deparo com estas duas meninas e um tabuleiro de comida. Quem será o sortudo que tem direito a pequeno-almoço no quarto, a estas horas, pensei. E afinal era para mim, elas andavam meio perdidas a tentar descobrir qual era o quarto onde deviam entregar o pequeno-almoço. Através da minha chave, constataram que é no meu. Ora bem, foi o Sanches que o encomendou para mim.

Bebi uma dose generosa de leite condensado, com o café. Se tivesse sido eu a servir-me, no restaurante do hotel, teria comido quatro vezes mais. Mas pronto, a menina Rute quis ficar na ronha.


¹ “Batalyon Infanteri 715” (s.d.). Wikipedia. Página consultada a 30 Janeiro 2019,
<https://id.wikipedia.org/wiki/Batalyon_Infanteri_715>

² Prabandari, Atin et al (2018, 10 Agosto) “Why Indonesia and Timor-Leste  should involve indigenous people in border dispute talks”. The Conversation. Página consultada a 30 Janeiro 2019,
<https://theconversation.com/why-indonesia-and-timor-leste-should-involve-indigenous-people-in-border-dispute-talks-101307>

³ “International Crisis Group” (s.d.) Wikipedia. Página consultada a 30 Janeiro 2019,
<https://en.wikipedia.org/wiki/International_Crisis_Group>

⁴ “Timor-Leste: Oecusse and the Indonesian Border” (2010, 20 Maio). International Crisis Group. Asia Briefing N°104, Díli/Brussels. Página consultada a 30 Janeiro 2019,
<https://www.files.ethz.ch/isn/116501/B104%20Timor-Leste.pdf>

⁵ Lewokeda, Aloysius (2018, 7 Outubro) “Warga perbatasan harap kehadiran jaringan internet Telkomsel”, Antara Kalbar. Página consultada a 30 Janeiro 2019,
<https://kalbar.antaranews.com/berita/366170/warga-perbatasan-harap-kehadiran-jaringan-internet-telkomsel>

⁶ “Warga Indonesia Di Perbatasan Dengan Timor-Leste  Harapkan Listrik Murah” (2018, 8 Outubro). Inakoran.com. Página consultada a 30 Janeiro 2019,
<https://inakoran.com/warga-indonesia-di-perbatasan-dengan-timor-leste-harapkan-listrik-murah/p5160>

⁷ “Masyarakat Oepoli Minta Puskesmas Terapung”. (2018, 29 Outubro). Victory News. Página consultada a 30 Janeiro 2019,
<http://www.victorynews.id/masyarakat-oepoli-minta-puskesmas-terapung/>

<< >>