070 – A Prisão de Ai Pelo

Eles pedalavam a uma velocidade considerável, embalados, e eu, que tinha parado para tirar a fotografia ao rapaz das amêijoas, montei e tive de acelerar consideravelmente para ultrapassá-los. Cumprimentei-os em andamento e mais à frente parei, desmontei, e preparei-me com a máquina fotográfica para apanhá-los, assim que aparecessem na curva. Eles não estavam à espera disto.
A única coisa que posso dizer é que espero andar à velocidade desta senhora, quando eu chegar à sua idade. É que me deram luta para ultrapassá-los.

Relembro que em Timor se conduz pela esquerda. Na crónica 5 já relatei algumas das experiências derivadas desta condução (estranha).

“Vida Diak Petroleo, Lda”. Pelos dados que encontro na internet, só existe aqui no município de Liquiçá. É uma empresa de Timor-Leste¹. Segundo o site da Autoridade Nacional do Petróleo e Minerais de Timor-Leste, a Vida Diak paga uma licença anual de 2.400 dólares². Optou por pagar semestralmente, e vejo uma publicação do “Jornal da República de Timor-Leste”, de agosto de 2018, indicando que esse pagamento semestral foi feito.³
Isto é o que se chama bisbilhotar tudo. Sim senhor, está tudo em ordem, a viagem prossegue.

Contexto Histórico (1ª Fase de Construção)

O edifício conhecido como Prisão do Ai Pelo, que funcionou igualmente como Posto de Comando e Alfândega da antiga administração colonial portuguesa, é um edifício de típica arquitetura colonial, construído entre finais do século XIX e inícios do século XX. Foi provavelmente mandado erigir pelo Governador António Francisco da Costa (1888-89).
A primeira fase de construção data de 1889, altura em que foi construído o edifício principal e provavelmente as casernas adjacentes, que albergavam os militares aí residentes. Construído num estilo neoclássico e pesado, o edifício central funcionava então como posto alfandegário, administrativo, e como prisão.
Em finais do século XIX, Timor vivia uma grave crise económica e política. Desde o tempo do Governador Alfredo de Lacerda Maia (1884-1887), as guerras entre régulos, e entre estes e a administração colonial portuguesa, eram uma constante. Acresce que a prática de contrabando agravava a situação económica, com a venda de produtos locais a ser realizada em Kupang, no Timor holandês, reduzindo a margem de lucro da administração portuguesa.
Para procurar contrariar esta tendência, o governo colonial ordenou a construção de vários postos alfandegários, com o objetivo de melhor fiscalizar o transporte e venda de produtos locais. Para além do Ai Pelo, foram construídas alfândegas em Liquiçá, Maubara, Batugade e Oecusse, a oeste de Díli; e em Manatuto, Baucau e Laga, a leste da capital. A maior parte destas estruturas são ainda hoje visíveis.

Manuel Viegas Carrascalão, Deportado Político Português

Manuel Viegas Carrascalão (pai), nasceu em Portugal em 1901. Tipógrafo de profissão, foi acusado pelo governo português de ser anarco-sindicalista e de conspirar contra as autoridades, sendo preso pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) e torturado.
Deportado para Timor em 1925 ou 1926, veio juntamente com outros opositores ao regime, entre os quais José Ramos Felipe, tio de José Ramos Horta.
Preso no Ai Pelo durante dois anos, aí voltou a ser torturado. Libertado por bom comportamento, foi desterrado para Venilale, onde casou. Como preso político, não podia trabalhar, tendo começado a ensinar a ler e a escrever português, e fazendo ainda pequenos trabalhos como carpinteiro e pedreiro. Como revolucionário, nunca deixou de incutir nas pessoas à sua volta um sentimento anti-regime.
Levado para trabalhar numa fazenda do Estado em Liquiçá (antiga Granja Eduardo Marques, atual Fazenda Algarve), foi juntando dinheiro, tendo acabado proprietário dessa plantação.

Segunda Guerra Mundial e Abandono

Julga-se que em 1939, no seguimento das fortes chuvas que caíram sobre Díli e Liquiçá, que provocaram inundações e perda de vidas humanas e infraestruturas, a prisão do Ai Pelo tenha sido finalmente desativada.
Em Fevereiro de 1942, no contexto da Segunda Guerra Mundial, o Japão invade Timor. Antes, em Dezembro de 1941, forças australianas e holandesas haviam entrado no antigo território português, contra a vontade do Governo da metrópole, e pondo em causa a decisão por este tomada de manter Portugal fora do conflito. Essa decisão terá justificado a ocupação militar japonesa de Timor, a qual aconteceu de forma rápida e em grande escala. A antiga Prisão do Ai Pelo, ou a parte que dela sobreviveu às intempéries de 1939, torna-se então num dos postos de comando do novo ocupante.
Bombardeado por forças australianas ou japonesas e parcialmente destruído, o Ai Pelo não voltaria a ser reconstruído. Em Agosto de 1945, quando a Segunda Guerra Mundial termina e Timor regressa novamente à administração portuguesa, o que resta da antiga cadeia é a imagem de um edifício negro e em ruínas.

Pelo que me explicou o Valério, que fala indonésio (ele teve de aprender na escola a língua indonésia, durante a ocupação, quando era criança – recordo que o português era proibido, e as escolas indonésias não ensinavam o tétum), esta placa – segundo a data que lá está, é de 1992 – indica que é um monumento histórico protegido. Ou seja, durante a ocupação a Indonésia colocou aqui esta placa indicando que considerava estas ruínas um monumento histórico. É uma preocupação curiosa, e pelo que me contam houve vários monumentos protegidos pela Indonésia, durante a ocupação. Vamos já embora daqui, senão ainda temos dez páginas de análise sobre esta curiosa preocupação, na altura da ocupação (e destruição). Hoje esta placa tornou-se ela própria um monumento histórico.

Todas as restantes placas, que li com atenção, colocadas pelo Ministério do Turismo, Arte e Cultura de Timor-Leste, deixo para vocês lerem, quando vierem aqui passar férias. (Não posso mostrar tudo, senão ninguém quer cá vir por já ter visto tudo!!)


¹ “Vida Diak Petroleo, Lda”. Timor-Leste eProcurement Portal. Página consultada a 12 Dezembro 2018,
<http://www.eprocurement.gov.tl/vendors/show/5230;jsessionid=11CAC988E227071C3106F2C1B7A59109>

² “2016 – Received Licensing Fee – Fuel Filling Station” (2017, 6 Junho). Autoridade Nacional do Petróleo e Minerais de Timor-Leste. Página consultada a 12 Dezembro 2018,
<http://www.anpm.tl/annual-payment-fee/>

³ “Anunsiu Publico No. T/PRAC/2018/12 – Taxa Selu ba Atividade – Vida Diak Petroleo, Lda”. Jornal da República de Timor-Leste, 2018, Série II, Nº 31. Documento consultado a 12 Dezembro 2018,
<http://www.mj.gov.tl/jornal/public/docs/2018/serie_2/SERIE_II_NO_31.pdf>

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