060 – Chegada e Almoço em Ataúro & O Petróleo (cont.)

A viagem durou 4 horas. Nem eu resisti e ainda dormi uma hora. Um galo veio a cantar o caminho todo. Há mar e mar… e há galos a cantar. O Natalino disse que não é normal a viagem levar tanto tempo, ele já esteve em Ataúro quatro vezes, uma delas para jogar futebol, pela sua equipa (contra a equipa de Ataúro) e indica que deve haver um problema para o barco andar tão devagar. Amanhã regressaremos e durará hora e meia, disse-me. Também me disse que era do Real Madrid, e que agora é da Juventus, pois claro.

Fizemos 19 minutos neste tuk-tuk desde o porto, em Beloi, até à Vila Maumeta. Custou 4 dólares. Se não estivéssemos com bagagens iríamos a pedalar.

Chegámos às 12.45h à guesthouse.

Casa de banho. Não tem duche, só um balde gigante.

O Natalino a encomendar o almoço para nós, na guesthouse.

Nós estamos na Vila Maumeta. O Natalino propôs-me ir a Manukoko, 999 metros altura, a montanha mais alta de Ataúro. São 3h para lá e outras 3 para cá, a caminhar, diz-me ele. Ontem subi o Ramelau de manhã e à tarde fiz 58 km na bicicleta; hoje o Natalino quer pôr-me a subir o Manukoko. Haja força e saúde para isto tudo… Mas ainda temos de chegar a Manukoko, não é só subir a montanha. E para chegar a Manukoko temos de ir nas bicicletas por uma zona montanhosa. Terminámos de almoçar às duas da tarde. Pelo que se formos, chegaremos à noite. E bem noite. Às seis e meia da tarde já anoiteceu. Não, vamos arranjar um programa mais suave. (Estes três não batem bem da cabeça… antes era só eu e o Valério, como referi na crónica 42. Agora com o Natalino formámos um trio… mas desta vez eu fui mais cautelosa. Falam-me em subir montanhas na bicicleta e eu torno-me logo mais razoável). Vamos andar de bicicleta ao longo da costa. O Natalino diz-me que tem família em Bikeli, na outra ponta da ilha. Então é aí mesmo que vamos, disse-lhe eu. Vamos visitar a família do Natalino, aí está um bom programa.

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Continuando e terminando o tema do petróleo, iniciado na crónica anterior.
A assinatura do Tratado das Fronteiras Marítimas em março de 2018, entre Timor-Leste e a Austrália, não significa porém que a saga do Mar de Timor tenha acabado. As fronteiras marítimas são apenas um aspeto deste complexo conjunto de disputas. Ainda a ser determinado é se o gás do complexo Greater Sunrise será canalizado para Timor-Leste ou para a Austrália, de forma a ser processado. E esta decisão, por sua vez, ditará a divisão das receitas.¹¹
Os campos do Greater Sunrise estão a 150 km de Timor-Leste e a 450 km de Darwin, na Austrália. Díli há muito que pressiona para que o gás seja processado em Timor-Leste, procurando gerar milhares de empregos na construção e, uma vez desenvolvidos, no lucrativo processamento de petróleo e gás, bem como no armazenamento, transporte e indústrias petroquímicas. A Austrália, no entanto, tem uma infraestrutura de gás existente e uma força de trabalho experiente, tornando-se o local preferido da indústria.
Os sócios da Greater Sunrise são a australiana Woodside, a norte-americana ConocoPhillips, a anglo-holandesa Royal Dutch Shell e a japonesa Osaka Gas.¹²

O novo tratado fornece duas opções para o desenvolvimento do Greater Sunrise com uma divisão diferente nas receitas, dependendo de qual direção que o gasoduto toma. Se o gasoduto for para Timor-Leste, a Austrália receberá 30% da receita resultante do desenvolvimento. Se o gás for bombeado para Darwin, a Austrália terá apenas 20% da receita. Este “extra” de 10% da receita que Timor-Leste receberia se perdesse o gasoduto foi estimado em 3,1 a 3,5 biliões de dólares.
O desenvolvimento atempado do Greater Sunrise é uma consideração estratégica crucial para Timor-Leste. Mais de 90% do orçamento nacional de Timor-Leste vem das receitas petrolíferas dos campos que estarão esgotados em menos de cinco anos, e o governo esgotará o fundo soberano de Timor-Leste dentro de uma década à sua taxa atual de despesa. Se Timor-Leste garantir o gasoduto, receberá menos receitas, mas em vez disso obterá lucrativos desenvolvimentos industriais e criação de emprego que necessariamente fluem do processamento de gás e outros recursos.
O principal negociador e ex-primeiro ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão, tem sido explícito em afirmar que ter o oleoduto para Timor-Leste não é negociável.¹¹

A comissão da ONU para a conciliação entre os dois países argumenta que a construção de um gasoduto a ligar Timor-Leste à Austrália só terá retornos comerciais viáveis se houver um “subsídio direto” do governo ou de outra fonte no valor de 4500 milhões de euros.¹³ “Ficámos desapontados ao ver a direção que a Comissão adotou na sua análise. Em vez de trabalhar de forma igual e equilibrada nos dois conceitos de desenvolvimento, os esforços da Comissão focaram-se mais em construir o conceito do DLNG (gasoduto para Darwin, ou seja, Darwin Liquified Natural Gas), em detrimento do TLNG (gasoduto para Timor-Leste)”, escreveu Xanana Gusmão. Seja como for que os enquadremos (os documentos), além de conterem sérias falhas e erros técnicos e económicos fundamentais, não são uma simples recomendação mas, em vez disso, uma clara posição parcial, desenhada para pressionar Timor-Leste a decidir a favor do conceito de desenvolvimento do DLNG”, sustentou.
(Fim de citação).

No caso da opção de TLNG, a comissão lista sete benefícios sublinhando que Timor-Leste “enfatizou repetidamente que está mais preocupado com o desenvolvimento do capital humano e da atividade económica a longo prazo do que com receitas imediatas”. Entre os benefícios, lista o retorno do investimento em capital; efeitos “multiplicadores na atividade de petróleo e gás em Timor-Leste, empregos para timorenses, e a compra de materiais e fornecimentos locais durante a construção”. Refere ainda o emprego de timorenses na operação das infraestruturas no sul do país – com gastos anuais estimados de 280 milhões de dólares – e poupanças de até 25 milhões de dólares por ano no custo mais baixo da produção elétrica ao converter as centrais de diesel para gás.
A opção favoreceria ainda a eventual exploração de outros campos no futuro, desenvolvimento de capacidades e qualificações nesta área em Timor-Leste.

Entre os benefícios da opção DLNG, a comissão destaca as receitas adicionais de 10% para Timor-Leste – ou entre cerca de 3 mil milhões de dólares durante a vida do projeto. Entre os 14 benefícios desta opção, a comissão inclui ainda a participação da petrolífera timorense “Timor Gap” no desenho, construção, gestão e operação do projeto do Greater Sunrise, empregos para timorenses e o estabelecimento de uma unidade de fabrico e manufatura com receitas anuais estimadas de seis milhões de dólares.¹⁴

Finalizemos este tema com os cálculos bilionários da Forbes:
Assumindo que o Greater Sunrise pode produzir 92,6 milhões de toneladas de GNL (Gás Natural Liquefeito) com um valor de vendas de US $ 432 por tonelada, então a venda de gás gera US $ 40 biliões, disse Peter Strachan, especialista independente em petróleo e gás em Perth. Pode custar US $ 12,5 biliões para produzir esta receita depois dum custo de capital inicial de US $ 15,7 biliões. Portanto, a receita líquida antes dos impostos é de US $ 11,8 biliões.
Assim, se os governos normalmente tirarem 50% disso, a Woodside e seus parceiros, Shell, ConocoPhillips e Osaka Gas, poderiam ficar com US $ 5,9 biliões, e os governos de Timor-Leste e Austrália dividiriam os US $ 5,9 biliões durante os 20 anos de duração do projeto, calcula Strachan.

Mas o Greater Sunrise também possui petróleo, o que torna o desenvolvimento do gás atrativo. Assumindo um preço do petróleo de US $70 por barril, poderiam ser gerados cerca de US $ 12,5 biliões de receita nestes campos, acrescenta Strachan.
Os custos operacionais podem ser de US $ 3 biliões a US $ 4 biliões, com grande parte do custo de capital incluído no lado do projeto do gás, portanto, o desenvolvimento do petróleo geraria um cash flow operacional após todos os custos de US $ 8,6 biliões. Com os governos a ficarem com metade disto como royalties, e os desenvolvedores do projeto ficando com cerca de US $ 4,3 biliões, o petróleo seria tão valioso quanto o gás, diz Strachan.

Em termos simples, existe um royalty total estimado para petróleo e gás no valor de US $ 10,2 biliões disponíveis para serem partilhados entre os governos da Austrália e de Timor-Leste, se os campos do Greater Sunrise chegarem a ser desenvolvidos.
De facto, nenhum investidor sensato, a menos que fosse compensado pelas suas perdas, consideraria a construção de novas infraestruturas em Timor-Leste, excepto talvez as companhias petrolíferas chinesas apoiadas pelo Estado. Mas, em troca da perda de biliões de dólares num elefante branco, Pequim gostaria de receber a sua fatia de carne de Timor-Leste. Construir longas pistas de cimento para os seus caças e portos para a marinha nesta nação do Sudeste Asiático é uma perspetiva tentadora. Mas é difícil ver os vizinhos da Indonésia e da Austrália a deixar os chineses entrarem na sua vizinhança.¹⁵

Resumindo e concluindo:
Não percam as cenas dos próximos capítulos. Vamos ver como se resolverá isto, e já não deve ser no tempo destas crónicas. Fica como tema para o próximo ciclista que vá a Timor. Só sei que eu não queria estar na posição do Xanana Gusmão e da equipa timorense, com uma luta tão árdua pela frente.


¹¹ Schofield, Clive e Strating, Bec (2018, 30 Março) “Sun setting on Timor-Leste’s Greater Sunrise plan”. East Asia Forum. Página consultada a 28 Novembro 2018,
<http://www.eastasiaforum.org/2018/03/30/sun-setting-on-timor-lestes-greater-sunrise-plan/>

¹² Gloystein, Henning e Paul, Sonali (2018, 7 Março) “How Australia-East Timor treaty unlocks $65 billion gas fields”. Agência Reuters. Página consultada a 28 Novembro 2018,
<https://www.reuters.com/article/us-timor-australia-lng/how-australia-east-timor-treaty-unlocks-65-billion-gas-fields-idUSKCN1GJ0L8>

¹³ Viana, Joana Azevedo (2018, 7 Março) “Timor-Leste e Austrália assinam histórico acordo marítimo”. Jornal Expresso. Página consultada a 28 Novembro 2018,
<https://expresso.sapo.pt/internacional/2018-03-07-Timor-Leste-e-Australia-assinam-historico-acordo-maritimo#gs.qq1yNMQ>

¹⁴ Agência Lusa (2018, 7 Março) “Gasoduto para Timor-Leste só com subsídio de 5,6 mil milhões de dólares”. RTP Notícias. Página consultada a 28 Novembro 2018,
<https://www.rtp.pt/noticias/economia/gasoduto-para-timor-leste-so-com-subsidio-de-56-mil-milhoes-de-dolares_n1062298>

¹⁵ Evans, Damon (2018, 2 Março) “Overblown Expectations For East Timor’s Greater Sunrise Oil And Gas”. Forbes. Página consultada a 28 Novembro 2018,
<https://www.forbes.com/sites/damonevans/2018/03/02/overblown-expectations-for-east-timors-greater-sunrise-oil-gas/#547ef8a299a3>

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