051 – Passagem por Same e por Dom Boaventura

Nesta passagem pelo município de Manufahi, cuja capital é Same, falemos de Dom Boaventura, régulo timorense (ou seja, um chefe timorense, também designado de “liurai”) e da revolta de Manufahi contra a colonização portuguesa, em 1912.
Dom Boaventura da Costa Sottomayor era o filho mais velho de Dom Duarte da Costa Sottomayor, rei de Manufahi, o qual prestava vassalagem desde 1884 a El-Rei de Portugal, D. Luiz I. Uma década mais tarde, em 1894, apesar do juramento diante do Governador João Maria Pereira, e de novo juramento na presença do Governador José Celestino da Silva, Dom Duarte deixou de pagar impostos e de prestar outros serviços, em total “desobediência”, tendo-se incompatibilizado com o Governador de Timor-Leste. Após esta situação de “incumprimento” generalizado ocorreram os primeiros confrontos militares, violentos, sendo considerado por vários historiadores como a primeira guerra de Manufahi.
Dom Duarte, desgastado da guerra e aprisionado, com o surgimento da varíola acabou por falecer. O filho, Dom Boaventura, também não via com bom olhos a colonização portuguesa, e tal como o pai, recusava-se a pagar impostos obrigatórios.¹

Fiquemos com este resumo publicado no Diário de Notícias funchalense sobre a revolta de Manufahi, em 1912:

Motivos
Com a implantação da República, a 5 de outubro de 1910, alguns régulos não aceitaram a mudança do regime. Os chefes tradicionais, que tinham jurado fidelidade ao rei de Portugal, temiam ser destituídos e perder as regalias sob o novo regime republicano. As tensões agravaram-se, em 1911, com as notícias vindas de Lisboa sobre novos impostos (a capitação passaria de uma para duas patacas; o corte de sândalo seria taxado de duas patacas; os coqueiros e os gados seriam recenseados; acrescia um imposto de cinco patacas sobre os animais abatidos, etc).

Origem da revolta
Na véspera do dia de Natal, em 1911, um tenente português foi assassinado por pessoas do régulo. Seguiram-se escaramuças entre militares e guerreiros locais. Vários reinos aliaram-se a Dom Boaventura e ocorreram duros combates em várias localidades. O régulo refugiou-se em Betano, mas foi detido a 26 outubro de 1912. Os militares controlaram a situação apenas ao fim de um ano, com ajuda de alguns reinos que se mantiveram fiéis a Portugal.

O “verdadeiro motivo”
Mateus Tilman, chefe de suco e liurai de Manufahi, em julho de 2004, no café Acait, Díli, disse-me que os seus avós sempre lhe contaram que um militar português namorou uma das mulheres do régulo. Outras pessoas confirmaram, também, que esta foi a “verdadeira” causa da revolta.
Num recente livro de D. Ximenes Belo, além dos motivos políticos, nacionalistas e económicos da revolta de Manufahi, descreve que “uma fonte holandesa diz que o oficial português tinha violado a liurai feto, mulher do liurai de Manufahi.”
Os timorenses são implacáveis em fazer justiça, principalmente se está em causa a sua honra. É muito provável que este episódio (da mulher do régulo), possa ter despoletado a revolta. Os outros motivos (abolição da monarquia e novos impostos) explicam, sem dúvida, o forte apoio que D. Boaventura recebeu de outros reinos e a sangrenta resistência, que se prolongou até final de 1912.

Consequências
Dom Boaventura foi preso e o seu destino é incerto. Alguns dizem que foi assassinado e está sepultado em frente à porta do cemitério de Santa Cruz. Mas não há certeza. Esta revolta provocou cerca de 3.000 mortos, dizem uns. Segundo outras fontes, como D. Ximenes Belo, terá provocado entre 15.000 a 25.000 mortos.
Os régulos timorenses nunca mais gozaram das regalias que tinham desfrutado durante a monarquia. D. Boaventura, porém, passou a ser considerado como um dos maiores símbolos nacionalistas timorenses.²

Na crónica 53 continuarei este tema, analisando a presença colonial de Portugal em Timor e a importância desta revolta de Manufahi.

Foto de Dom Boaventura
Retirada de: https://en.wikipedia.org/wiki/File:Dom_Boaventura_of_Manufahi.jpg

Em busca de mais manteiga de amendoim, e outro spray anti-mosquitos para pôr no quarto. Ao fim de uma semana está-se tudo a acabar.

Paragem em Same para comprar o jantar. São 5 da tarde. Vamos levar o jantar connosco, dado que no nosso destino – a pousada no Ramelau, a montanha mais alta de Timor – não cozinham. E ainda estamos longe.

Enquanto o jantar se faz,  o Valério leva-me na pickup até à parte mais alta de Same.

Estes rapazes andam a treinar, e vieram a correr desde lá debaixo, numa subida muitíssimo íngreme. Foi com algum divertimento que os vi chegar, estafados, e atirarem-se quase todos para o chão, ao chegarem cá acima.

De regresso ao restaurante para levantarmos as refeições. Escolhemos filetes de peixe fritos. O Valério normalmente escolhe o que eu escolho. O rapaz come tudo, não é esquisito.

Eu aproveitei para ir à casa de banho, no restaurante, e apanhei um susto. Vi-me ao espelho pela primeira vez desde ontem. O meu quarto de hotel em Viqueque não tinha espelhos, dei conta agora. Pareço um bicho selvagem, estou completamente desgrenhada e com o cabelo cheio de terra. O que pensarão os timorenses ao ver-me? Que sou um bicho branco selvagem, montada no meu cavalo alado? Agora percebo porque é que o miúdo da crónica 48 deitou logo os ténis para o chão e se preparou para fugir, quando eu parei ao pé dele. Afinal era mesmo para fugir, só pode.

Adelino e Fernanda, os donos do restaurante. Toleraram a minha presença excêntrica. Devem estar habituados, nesta área de negócio – deve-lhes entrar tudo pela porta adentro. Viveram sete anos em Lisboa. Ela é daqui de Same, ele é de Baucau. Têm seis filhos e já netos em Portugal. E a máquina fotográfica resolveu focar as bebidas atrás deles, em vez deles próprios. Eu não dei conta. Não ando propriamente a tirar fotos com tripé, tranquilamente. Isto é tudo de passagem. Nem sequer vejo as fotos no pequeno visor da máquina, senão não há baterias que cheguem para dias tão grandes e plenos como os que estão a ser estes. O que ficar, ficou. E ficaram os rums e os vodkas.


¹ De Menezes, M. Azancot (2018, 26 Agosto), “As Revoltas de Manufahi em Timor-Leste”. Jornal Tornado Online. Página consultada a 15 Novembro 2018,
<https://www.jornaltornado.pt/as-revoltas-de-manufahi-em-timor-leste/>

² Gonçalves, João Luís (2012, 5 Dezembro), “A revolta de Manufahi – 1912”. Diário de Notícias do Funchal. Página consultada a 15 Novembro 2018,
<http://www.dnoticias.pt/opiniao/artigos/358280-a-revolta-de-manufhai-1912-CMDN358280#>

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