098 – 29º dia, Viagem de Regresso & Despedida de São Tomé e Príncipe
Hoje é sexta-feira, 2 de Agosto de 2019. Tenho o voo para Lisboa às 12h30. Vem o taxista Kymilson buscar-me às 9h30.
Às duas da manhã andei acordada. Ouvi algo a restolhar com muito barulho e fui lá fora com a luz potente da iluminação portátil da máquina fotográfica. Calou-se. Pode ser um porco, um cão. O segurança Abílio dorme no chão do alpendre, nem deu conta da minha presença.
Tinha o despertador para as 7, mas acordei às 5h30. Fiquei na cama até às 6.
Galos, pintainhos e galinhas cacarejam à porta do meu quarto.
É para as galinhas. Eu não desisto! É pão duro de anteontem.
A Virgínia chega às 7 e apanha-me já na fase de sacudir as migalhas da toalha.
Pergunto-lhe pelo lixo, que vi ontem na berma do campo de futebol, e ela explica que aqui puseram contentores mas roubaram-nos todos. As pessoas é que têm de levar o lixo para uma terra chamada Caminho de Água Porca; lá há uma lixeira. Aqui ninguém recolhe o lixo. O Célio às vezes leva as garrafas para a lixeira, outras vezes queimam o lixo.
Perguntei-lhe também pela aranha, a Virgínia diz que nunca viu aranha nenhuma, nem a matou. Riu-se e disse que ela apanhou medo. Ainda bem que a fotografei duas vezes, senão ainda diria eu que estava com alucinações durante a noite. A aranha vinha passar as noites na minha casa de banho e depois desaparecia.
Às 8h20 estou pronta para sair. O Kymilson virá buscar-me no táxi às 9h30. Sento-me na minha cadeira e mesa habituais, aqui nas traseiras. A Virgínia está ocupada a lavar a roupa no tanque. Hoje tem a colcha branca do segurança Abílio. Não fez perguntas. (Porque carga d’água terei eu sujado uma segunda colcha?…)
Bebi 13 litros de leite aqui em São Tomé, nestes 17 dias. Sempre leite importado de Portugal. Não vi outro à venda. Sobrou-me um garrafão de 6 litros de água, dos seis que comprei. Também vindos de Portugal. Bebi portanto 30 litros de água; usei alguma para lavar os dentes; e mais outras tantas garrafas que fui comprando pelo caminho, nos passeios de bicicleta. Está portanto dentro da minha média habitual, de três litros por dia, entre água e leite.
Tenho “O Rei Leão” para ver no cinema, estreou a 17 julho. Um mês sem ir ao cinema – já estou a ressacar.
Li as notícias internacionais, no telemóvel. Até podia eclodir a terceira guerra mundial, neste mês que passei em São Tomé e Príncipe, que eu não saberia de nada. Começo já a pôr-me a par das notícias, antes de ir para o avião. Vou deixar a paz desta ilha tropical, vou voltar ao bulício duma capital europeia.
A bicicleta está tão bem embrulhada, Rute. E tão limpa.
É o mesmo plástico que a trouxe no voo para cá. Andei com o plástico guardado este tempo todo. Trazer o rolo era pesado demais, e nem cabia na mala, tão cheia que vinha. Portanto, é o que há.
Aqui fica o relatório diário de quilómetros na bicicleta, na ilha de São Tomé. Relativamente à ilha do Príncipe, o relatório encontra-se na crónica 34.
11º dia
Voo cancelado
Não houve bicicleta
12º dia
Voo para São Tomé
Não houve bicicleta
13º dia
Cascata de São Nicolau, Monte Café, Jardim botânico e Trindade
37 km de bicicleta
14º dia
Praia dos Tamarindos
31,7 km de bicicleta
34,5 km de moto
15º dia
Praia das Pombas e Museu Nacional
29,2 km de bicicleta
9 km de carro
16º dia
Passeio de barco
Não houve bicicleta
17º dia
Micoló e Fernão Dias
30,5 km de bicicleta
23 km em táxis partilhados
18º dia
Roça Bombaim
37 km de bicicleta
19º dia
Praia Messias Alves / Mergulho na Lagoa Azul
20,4 km de bicicleta
Não contabilizada a distância em táxis partilhados e barcos
20º dia
De Guadalupe a Santa Catarina
44,8 km de bicicleta
66,3 km em táxis partilhados
21º dia
Porto Alegre e Ilhéu das Rolas
8,2 km de bicicleta
Não contabilizada a distância em táxis partilhados e barcos
22º dia
Cemitério de Trindade
8,8 km de bicicleta
23º dia
Roça Uba-Budo
36 km de bicicleta
24º dia
Missas em Trindade
6 km de bicicleta
25º dia
Pico Cão Grande
2 km de bicicleta
Não contabilizada a distância em táxi
26º dia
Agostinho Neto
33,5 km de bicicleta
14 km em táxis partilhados
27º dia
Água Izé e Boca do Inferno
28 km de bicicleta
Não contabilizada a distância em táxis partilhados
28º e 29º dias
Não houve bicicleta
Total na ilha de São Tomé: 353,1 km
Total na ilha do Príncipe: 204,7 km
Total das duas ilhas: 557,8 km
O Kymilson chegou apenas às 9h52, o que me deixou num nervoso miúdo. Telefonei-lhe, disse-me que estava a caminho. Gastei 1,26 dobras para telefonar-lhe, fiquei com 0,56 dobras de saldo (2 cêntimos de euro!). Internet continua a não me faltar. Ainda vou dar-lhe bastante uso no aeroporto, nomeadamente com o Whatsapp e as mensagens para Portugal, a avisar que está tudo bem e que vou entrar para o avião. Se o avião cair, ao menos falei com toda a gente. Eu sempre disse que preferia que o avião caísse no regresso a Lisboa, do que na ida! Ao menos gozei um mês de férias antes de morrer!
(Para quê esconder estas coisas? Para quê ter medo de falar delas? Fazem parte da vida, quer queiramos quer não. Já não ser atingido por um míssil, por engano, é muito bom. É esta a nossa vida hodierna).
Teve de ser o Kymilson a retirar o suporte da água, debaixo do selim. “É preciso força de homem”, disse-lhe eu. Exatamente como me aconteceu no Príncipe, onde teve de ser o Ney a ajudar-me. E aquilo deu luta a ambos.
Às 9h59 arrancámos, e eis que o Kymilson me diz que vai pelo Caminho de Água Porca. Esta é boa. Parece ele que adivinhou a minha conversa com a Virgínia. Então ainda vou conhecer essa célebre lixeira.
Cheguei às 10h25 ao aeroporto. Já há esta grande fila para o check-in.
No check-in queriam cobrar-me 100€ pela bicicleta. Mas o preço é 50€! Eu fiquei nervosíssima porque só tenho 50€ em dobras guardadas propositadamente para isto e não tenho forma de levantar mais. Eu indiquei então que tenho um email da companhia aérea com o valor de 50€. As duas funcionárias que me atenderam pediram para eu acalmar-me. Pediram-me o email. Erro crasso meu, não trouxe o email, descarregou em casa e já não o tenho no telemóvel. Nunca imaginei que houvesse discrepâncias no valor. As senhoras telefonaram para o escritório mas não conseguiram falar com a pessoa responsável. Aceitaram-me então o molhinho de dobras equivalentes a 50€ (1.250 dobras guardadas num saquinho plástico) e deixaram-me o email do aeroporto para eu fazer forward desse email, com o preço, quando eu chegar a casa. Respirei de alívio. Vi a minha vida a andar para trás. Porque não há multibancos para eu levantar dinheiro. Eu não tinha maneira de pagar-lhes. Se eu tivesse, até poderia pagar, e depois logo nos entenderíamos sobre o preço, logo me fariam um crédito, mas a bicicleta tem de vir comigo para Portugal, não posso deixá-la aqui.
Com isto tudo, sobraram-me 117 dobras. Menos de 5€. Não há nada para cambiar dinheiro no aeroporto. (Ouviram isto? Não há nada para cambiar dinheiro no aeroporto). Por isso levantei o menos possível. Porque em Portugal ninguém cambia dobras. Também verifiquei isto antes de vir para cá. Nenhuma loja de câmbios cambia dobras, em Lisboa. Portanto não convém ficar com muitas.
Comprei uns biscoitos de coco aqui no aeroporto para ficar sem as dobras. Custam 5€ (já usam euros, aqui) ou seja, 125 dobras. Dei cem dobras e mais uma moeda de 1€. Fiquei com 17 dobras de recordação. Ainda irei dá-las a algum santomense.
O avião parte com uma hora de atraso, às 13h30.
A lei internacional prevê a desinsetização do avião, avisaram-nos depois de entramos. Espalharam spray duas vezes; pediram desculpa pelo incómodo, nos altifalantes.
Estão previstas 5h30 de viagem.
Serviram depois um lanche de queijo e paio, manteiga e doce… mas sem pão. Aparentemente enganaram-se e serviram um pão de leite juntamente com a carcaça, ao almoço. Foi a portuguesa ao meu lado que me disse, pois eu não recebi pão de leite nenhum. Nem ao almoço nem ao lanche. Comi as fatias de queijo e também uma salada de frutas, e tudo o resto ficou. Vou comer a manteiga com quê?… e o doce? No Príncipe serviram-me só pão ao pequeno-almoço (na crónica 26), aqui no avião servem-me só manteiga e doce 🙂
Deixam-nos três garrafas de água de litro e meio ao dispor, a meio do avião, num balcão.
Eu aprendi onde estão os copos de plástico, numa das portazinhas a meio do avião, vi como se abrem e fecham, e servi-me. Já não tinha o meu copo do almoço, senão tê-lo-ia usado. (Temos de evitar os plásticos!!)
Ouvi música toda a viagem, no ipod. Há um mês que não ouço música. Matei saudades durante 5h30.
Vim sentada num assento do meio, ao centro do avião. Muito chato, tive sempre que pedir licença para sair, fosse para que lado fosse. E assim não tirei fotos da janela.
O ar condicionado foram ligando e desligando, pelo que a temperatura foi estável. Aleluia. Recordo que para cá parecíamos pinguins gelados, todos embrulhados em mantas, portugueses e santomenses. Aqui esteve bastante equilibrado. Aprovado.
Às 20h15 aterrámos em Lisboa (19h15 hora de São Tomé e Príncipe). As malas começaram a aparecer apenas ao fim duma hora!
Esta veio primeiro, mas abriu-se pelo caminho, está visto, revelando o seu conteúdo: banana-pão (para cozinhar) e matabala! Há um santomense pior do que eu, cheio de comida na bagagem, com medo de passar fome em Lisboa!!
E a minha mala só apareceu às 21h30. Foi uma bela seca. Uma hora e um quarto à espera da mala. Eu e a maior parte das pessoas, claro. Deve ter havido algum problema, pressuponho.
Às 21h50 finalmente aparece a minha bicicleta.
Entretanto já mudei o cartão do telemóvel: tirei o santomense e coloquei o meu português. Teve de ser uma rapariga a ajudar-me com o seu brinco. Eu esqueci-me de trazer um clip. Sei que tenho um clip algures comigo, mas não me lembro onde. Ela tirou o brinco da orelha e espetou-o no orifício do telemóvel. Só depois me ocorreu que eu própria uso brincos, e também daria com certeza.
Pó e terra das florestas de São Tomé e Príncipe, aqui no aeroporto de Lisboa, que é para aprenderem.
A bicicleta vai já nos próximos dias para uma revisão e limpeza total, na oficina.
Desta vez foi um simpático (e giro, note-se) funcionário do aeroporto quem me ajudou a levar a bicicleta.
Ah pois é!… Bananinhas de São Tomé e Príncipe! Já em minha casa! Trouxe-as comigo na bagagem! Não são apenas os santomenses que trazem comida!…
Vai aqui um tráfico de comida nos aeroportos e aviões…