075 – 22º Dia, Dormir até Tarde & Passeios por Trindade
Hoje é sexta-feira, 26 de julho de 2019.
E hoje decidi dormir até mais tarde. Acordei um pouco antes das 7 e escancarei as janelas do quarto. Há luz, sol e calor. Todos os dias acordo noite cerrada, às 4. Hoje senti calor e acordei, a temperatura muda. Ao mesmo tempo chegou a Virgínia, que se espantou ao ver-me. Dormi mais três horas do que o habitual. Quem acorda às 9, por exemplo, dormir mais 3h significa acordar ao meio-dia. Efetivamente parece-me meio-dia, com tanta luz, sol e calor.
Dormi cerca de dez horas já com as interrupções todas. Às 2 da manhã alguém a martelar muito ligeiramente. Mas o Célio Santiago desta vez não está cá, quem será? O segurança?
Depois acordei com o segurança a caminhar e a arrastar os pés no alpendre junto ao meu quarto. Está a patrulhar, mas não há vidros, só ripas de madeira, rede anti-mosquitos e os cortinados a voarem com o vento. Parece que ele está a caminhar dentro do meu quarto. Pus os tampões de cera nos ouvidos e adormeci rapidamente.
Depois às 5h45 chamou-me: “Dona! Vou-me embora!”. O Célio Santiago deve-lhe ter dito que eu saía às 5h30 todos os dias. Eu respondi “ok”. Acho que ele perguntou mais qualquer coisa, talvez se está tudo bem, e eu voltei a responder “ok”. E dormi novamente. Agora com um tapa-olhos para evitar a luz do dia.
Eu – a vampira noturna – hoje estou em casa, pelo que será a Virgínia a preparar-me o pequeno-almoço. A Virgínia sabe que eu gosto dos ovos mal passados, apesar de ser a primeira vez que me faz o pequeno-almoço. Vê as cascas no lixo com eles quase crus, quando são cozidos.
A primeira coisa que fiz foi ir ao quarto de cima ver o que há lá. Todas as noites há barulho e agora o Célio Santiago não está cá. Ontem foi uma bola, hoje foi martelar. E eu sou a única hóspede. Está assombrado ou quê?
Haviam duas janelas abertas, fechei-as. Faz grande ventania durante a noite. Talvez sejam também gatos no telhado.
Novamente a Virgínia, quem trata das lides da casa, a qual já tinha aparecido na crónica 35, quando cheguei ao resort.
A Virgínia também luta com a frigideira, que cola. Não sou a única, portanto! Mas estes ovos estrelados estão deliciosos com sal. Eu nunca ponho sal, até me esqueço.
A Virgínia pôs-me a mesa cá fora. Eu vi-a levar as coisas da cozinha e quando me ia sentar na mesa dentro, estranhei não estar lá nada. Onde pôs as coisas? Ela, vendo o meu ar espantado, mesmo sem eu ter dito nada, percebeu e perguntou então se eu queria ficar dentro. Não, não, quero ficar lá fora. Eu nem estou habituada a tal, na escuridão da madrugada.
E devorei este pequeno-almoço. Habituada a comer banquetes entre as 4 e as 5h, às sete da manhã estou capaz de comer um bife com batatas fritas. Devorei o pequeno-almoço como se não comesse há uma semana.
Usei marmelada também. Ontem já estava no frigorífico, mas não comi. Hoje comi pão com marmelada e queijo. Também tenho um néctar de frutas, em lata, no frigorífico, mas não quis ainda.
E pela primeira vez bebi café com leite. Já sei tirar cafés na máquina. E hoje há luz!
O açúcar tem de estar no frigorífico por causa das formigas. Na mesa convém despachar-me, porque elas vêm logo ver o que se passa. Na frigideira, antes de fritar os ovos, tenho de tirar uma ou duas formiguitas, se não quero comer omelete de formigas.
Há muitos pássaros. Um amarelo com um chilrear que parece uma cigarra. Outros parecem pardais mas são mais pequeninos.
Têm sido dias muito intensos e puxados, este abrandamento é necessário. Ontem cansou-me mais o dia de carro do que um dia inteiro a pedalar na bicicleta. Aqui em São Tomé e Príncipe não tenho carro de apoio, como estou habituada, não tenho um Valério, um Nong-Bu ou um Kailash para telefonar e virem-me buscar, se eu me cansar. Se o telemóvel ou o GPS falharem tenho que desenrascar-me sozinha. Se me perder na floresta, tenho que desenrascar-me sozinha. Psicologicamente é mais puxado, mais intenso.
Acordar às 7 neste cenário paradisíaco, com a Virgínia a servir-me o pequeno-almoço, com sol e pássaros a cantar, lembra-me que a vida tem momentos sem adrenalina, mas que são suaves e tranquilos para descansar um pouco no “dolce fare niente”. Tudo é importante na vida, tudo tem o seu momento.
Tomei inclusivamente o pequeno-almoço com a roupa com que durmo. Calções e camisola de manga comprida, ambos de algodão. Tudo roupa de usar na rua, mas confortável para dormir, propositadamente comprada para sair a qualquer momento do quarto vestida. Calções de marca, inclusivamente. Foi o que encontrei, de algodão. Hoje em dia é difícil encontrar roupa de algodão ou lã. É tudo fibras baratas. Num resort destes, com portas diretas para o quintal, com pessoas a circular, não convém andar de pijaminhas. Convém estar sempre vestida e pronta para sair a qualquer momento, sem demoras. E apresentável.
Apanhei a Virgínia desprevenida, de olhos fechados. Ela riu-se imediatamente, eu devia ter disparado outra vez. Mas ficou esta foto, consigo ocupada nas lides de lavagem de roupa no tanque. Estive a falar consigo durante algum tempo. Foi duas vezes a Porto Alegre. Numa delas pernoitaram lá e fizeram uma festa. Alugaram um carro para 20 pessoas, contou-me. Nunca foi ao ilhéu das Rolas. Não conhece a praia dos Tamarindos. Foi ao Príncipe há 3 anos com o Célio Santiago, durante 9 dias. Foi a Cabo Verde também com o Célio.
Não sabe onde são as cascatas Vale do Rio. Tenho de perguntar ao Mayke, quem me falou delas na crónica 48. Eu também não sei. No GPS não consta.
Contou-me que roubam os gatos e comem-nos, em São Tomé e Príncipe. E cães?, perguntei. Não, só matam. Contei-lhe a história do bebé atropelado ontem, ficou muito chocada. Eu disse que as estradas são muito perigosas e que aqui não há passeios, que se vêem cães mortos. Não querem saber das pessoas, quanto mais dos cães, respondeu ela.
Perguntei à Virgínia por praias bonitas e seguras para eu passar o dia. As mais perto ficam na cidade, as que eu passei a caminho do museu. Mesmo a praia do museu também. Não havia ninguém, disse-lhe eu. Mas a Virgínia disse que às vezes têm muita gente, calhou nesse dia não terem ninguém. Na praia do museu, recordo-me, estavam duas mulheres e um homem, aparentemente turistas de alguma nacionalidade africana.
A Virgínia ensina-me que antes de comer jaca deve-se molhar mãos e boca com óleo.
Esta foto foi a Virgínia quem ma tirou. Tirou-me uma dúzia delas, ficou esta. Eu estou a estrear um óculos escuros, desportivos, que afinal não gosto, apercebo-me. Desde que cheguei a São Tomé e Príncipe que está quase sempre nublado, não os tenho usado.
Hoje tenho um programa ligeiro: visitar o cemitério da Trindade, aqui perto. Tenho-o visto da janela do táxi. Nem sei bem onde é, vou ver se aparece no GPS. Porque há vários caminhos para chegar a Belém, os táxis nem sempre vêm pelo mesmo. Depende de onde os passageiros querem ficar. Aqui em São Tomé e Príncipe já vi dois cemitérios, o do Príncipe sempre fechado, e outro a caminho do Morro Peixe também fechado. Vamos ver se é desta que consigo entrar num. Ontem passámos na carrinha por um funeral, ao regressar de Porto Alegre. Havia imensa gente na rua. Ao que parece morreu um senhora. Perguntei do quê, às pessoas que vinham comigo no táxi do Nelson, mas não souberam dizer-me.
Vou ver se os travões já estão melhores, depois da limpeza que lhes fiz ontem à noite. Vinha um pano debaixo do selim, velho e rasgado, cheio de gordura. A bicicleta terá sido limpa com ele, por isso está tão brilhante. Mas gordura e bicicletas nem sempre se dão bem.
Entretanto a Virgínia ensinou-me o caminho para o cemitério de Trindade. Não consta no GPS, já verifiquei. Este mostra-me dois cemitérios nos arredores: o do Alto de São João, a 9,2 km (curiosamente tem o mesmo nome de um em Lisboa, perto da minha casa) e outro de Santana, a 16 km. O de Trindade não consta.
São 10h10 e dou início ao tranquilo passeio de hoje.
Infelizmente a bicicleta não trava como é suposto. Decididamente, espero que esta tenha sido a última vez em que eu deixei a bicicleta sem supervisão. Serve-te de lição, Rute. Agora vais tentar resolver a situação.
Esta é uma oficina em Trindade. Fui questioná-los sobre os travões, e sobre o horário de funcionamento. Eles estiveram a ver a minha bicicleta e dizem-me que as pastilhas também estão gastas. Estão abertos entre as 8 e as 17h.
Eu trouxe pastilhas de Portugal, aconselhada pelo mecânico que me fez a revisão na bicicleta, antes de eu partir para São Tomé e Príncipe. Mas agora não vou voltar a Belém para ir buscá-las, primeiro vou ao cemitério. Além de que continuo com receio – esta é uma oficina de motos, não de bicicletas.
Escola de condução de Trindade.
É a primeira mulher que vejo a conduzir uma mota em São Tomé e Príncipe. Aqui ainda em aprendizagem. Sim senhora, grande mulher! (Ou menina, ainda é uma menina).
Cá está ele, cheguei. São 10h43.
Está aberto!
Em inglês, para os leitores estrangeiros, já que o Google Translator (ainda) não traduz fotos:
“The one we love doesn’t absent, it translates itself into eternity and longing.
Dear mother (grandmother)”
(Continua na próxima crónica)