064 – 20º Dia, a Caminho da Praia das Conchas e Santa Catarina

Chegou a hora de ir conhecer a parte oeste da ilha de São Tomé! Hoje vou a Santa Catarina. Será um dos maiores percursos feitos até agora, na bicicleta.

Despertador às 4. Comi desta vez com uma luz de presença, do resort. Não há eletricidade. Há uma lâmpada na cozinha que se aguenta uns tempos sem eletricidade.
Tive uma noite um pouco atribulada, hoje. Acordei às 23h45 com um grande estrondo, talvez uma porta a bater. Seria o vento? Telefonei imediatamente ao Célio Santiago, o dono do resort, e ele apareceu e fomos de lanterna tentar descobrir o que se passou. Indicou-me que luz tinha faltado há uns 15 minutos.
Depois acordei às 2h15 com alguém a atirar uma bola ao chão repetidamente, talvez no quarto por cima de mim. Bom, será o Célio a jogar com uma bola? Pus uns tampões nos ouvidos, que andam sempre comigo nestas viagens, e continuei a dormir.
Choveu muito esta noite, ou então era o vento, já nem sei. Os cortinados incham com o vento. O meu quarto (e todos os restantes) não têm vidros, têm apenas umas ripas de madeira. Ao tomar banho à tarde já faz frio, sem vidros.
Está tudo aberto na casa, até o jipe do Célio tem as janelas abertas.
A luz dentro da casa do guarda está acesa novamente. O Célio Santiago riu-se e não disse nada quando eu o questionei sobre isso, mais tarde. Se calhar é só para fazer a ilusão de que o guarda está lá.

As esfoladelas nos meus pés já estão fechadas, mas tenho medo de abri-las novamente, pelo que continuo a fazer os pensos todas as manhãs. Também cumpro o ritual de pôr repelente de insetos no corpo.

Os meus amigos do resort estão a esquecer-se de tratar do meu pequeno-almoço. Isto de eu ser uma hóspede-vampira dá nisto. Tenho pão no frigorífico (sem eletricidade) com 2 e 3 dias, esqueceram-se de renová-lo. Tenho de combinar isto com o dono do resort, o Célio Santiago, ou com a Virgínia. Ontem à tarde o Célio Santiago ensinou-me a tirar café na máquina, mas não há luz. No entanto dão-me bananas com fartura e lavam-me algumas peças de roupa sem custos. Hoje deixei uma t-shirt e uma camisola de alças.
(E a frigideira cola, como dá para perceber).

Eis os planos:

  • De bicicleta até à cidade de São Tomé. São uns 8 km sempre a descer.
  • Depois apanho um táxi partilhado até Guadalupe.
  • A partir daqui faço o resto do caminho na bicicleta. Primeiro até à Praia das Conchas, depois sigo rente ao mar até Santa Catarina.

Não há caminho direto entre Belém e Santa Catarina – é preciso dar esta volta.
Eu faria todo o caminho sem problemas (na China fiz cento e poucos km num dia, por duas vezes pelo menos, se bem me recordo), mas teria de acelerar. E eu quero parar muitas vezes. Não quero andar com pressas. Além disso já conheço o caminho até Guadalupe – fi-lo na bicicleta (nas crónicas 40, 41 e 42).
E ainda tenho a preocupação do almoço, que não faço ideia onde é que vou almoçar. Mas se me desenrasquei nos outros dias, hoje também alguém me venderá um peixe frito com banana frita ou fruta-pão assada.

Vou levar uns 25 minutos até à cidade, por aqui abaixo, com muitas paragens pelo caminho para tirar fotos. São 8,8 km até à praça de táxis.

São 6h24. Encontrei o taxista de cabelos brancos, o Pastor – que me trouxe de Guadalupe no outro dia – a lavar a sua carrinha. Apontou-me para esta atrás de si. É esta carrinha, e este seu colega, que irão levar-me. O Pastor ainda esteve a apregoar ao rapaz sentado ao meu lado, através da janela. É respeitado, e o rapaz ouviu tudo. E eu por arrasto.
Entretanto três polícias patrulham a pé a zona e vêm espreitar-me; aproximaram-se um pouco, curiosos, e continuaram o seu caminho. Eu estou bem, amigos, eu estou muito bem entregue.

Os taxistas em grande galhofa. Perguntam-me se sou casada e tenho filhos. São sempre as perguntas fatais. Raras foram as pessoas que me perguntaram o que faço na vida, em que trabalho. Ninguém me perguntou o que estudei, na universidade, ou qual a minha vocação. O que interessa é marido e filhos. Isto é fulcral na sociedade tradicional de São Tomé e Príncipe.
É muito bonita, diz-me um deles, com simplicidade e simpatia. Eu agradeço.
Dizem-me que regressar de táxi de Santa Catarina é complicado porque vem muita carga. Já estão a assustar-me.

Partimos às 6h50, eu no lugar da frente, ao meio, com um rapaz ao meu lado. O taxista gritou a chamar o último cliente. “Vamos parrrtir! Saiu-lhe uma rifa!”, disse ele à última passageira que entrou. Todos nos rimos, e aí vamos nós para Guadalupe com a carrinha cheia. A música em altos berros – muito lamechas, só histórias de amor e namoros atraiçoados.

Chegámos ao cruzamento de Guadalupe. Fim de viagem. São 7h17, fizemos 13,7 km. Paguei 20 dobras, dez para mim, dez para a bicicleta.
Eu já fiz o caminho para Morro Peixe (à direita), na bicicleta. Agora vou conhecer o caminho para a Lagoa Azul (à esquerda).

O GPS manda-me já sair da estrada e mete-me pelo caminho da direita.

Quando cheguei ali à frente, parei um pouco e falei com as pessoas. Há um chafariz à esquerda, que não se vê nesta foto. “O caminho para a Praia das Conchas é por ali”, diz-me um homem, apontando em direção à estrada. “Não, o GPS está a indicar-me que é por aqui”, respondi eu. “Sim, este caminho vai lá dar” – elucidou uma mulher. E desapareci no meio do mato.

Muito gostava eu de saber por onde é que o GPS está a mandar-me. Eu continuo a obedecer.

A fazer carvão.

As raparigas ouviram os ramos a estalar, à minha passagem na bicicleta. Eu parei e fui ter com elas, e elas também vieram ter comigo.
“Estao a capinar?” – perguntei-lhes. Não. Estão a apanhar lenha.

São 7h47. Eu já tenho as pernas todas riscadas das ervas queimadas. E ficámos todas a sorrir exceto a rapariga atrás de mim. Ficou tão séria, que estranho. Mas esta rapariga é que quis ficar na foto. Efetivamente íamos tirar as cinco, quando ela apareceu e quis ficar também. Eu nem dei conta, no momento, senão ter-lhe-ia perguntado se está tudo bem. Ou teríamos repetido a foto.
Estas raparigas têm entre 12 e 16 anos, disseram-me. Perguntei uma por uma e anotei para não me esquecer.

Cheguei à Praia das Conchas. São 8h e tenho 13 km na bicicleta. Tudo corre bem.

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