031 – Príncipe – Décimo Dia, Subida do Pico do Príncipe
Hoje é domingo e vou subir o maior pico do Príncipe, com 947 metros de altitude, o qual se chama precisamente “Pico do Príncipe”.
Despertador às 4h. A eletricidade é desligada agora. Acendo a luz portátil da minha máquina fotográfica, como é hábito. Todos os dias lhe carrego a bateria, claro.
O Wilton vem buscar-me na mota às 5h30. Eu estou despachada às 5h15, pelo que me sento no degrau de entrada do hotel, na rua, à espera.
Aquele pico atrás da igreja é o Pico Papagaio, com 680 metros de altitude. É lá que as excursões se fazem habitualmente. Acima dos 500 metros existem outros três picos no Príncipe: Mesa (537 m), Pico Mencorne (921 m) e o Pico do Príncipe (947 m).
Nisto aparece o atleta que eu já tinha fotografado no sexto dia, na crónica 18. São 5 e meia da manhã. Mas desta vez conseguimos falar um pouco, e eis que descubro que é uma personagem ilustre aqui do Príncipe: chama-se Ilídio Vaz e é atleta profissional com participação em competições internacionais. Eu quis logo tirar-lhe uma foto de recordação, claro. Às 5 e meia da manhã o flash ilumina tudo. E a nossa conversa na rua deve ter acordado os restantes hóspedes do hotel, aposto. Contou-me que já esteve em Macau, Congo Brazzaville, Portugal, Gabão, Etiópia e África do Sul.
Entretanto, posteriormente, fui investigar na internet e descobri que é um atleta fundista – ou seja, especialista em distâncias acima de 5.000 metros, e que em Macau ganhou a medalha de ouro na meia-maratona, em 2010. Vejo também esta notícia de 2014: “O fundista internacional da Ilha do Príncipe, Ilídio Vaz, e a meia-fundista, Dulce Conceição, de São Tomé, venceram a segunda corrida pedestre do Banco Internacional de São Tomé e Príncipe (BISTP). Cada um dos atletas levou para casa mil dólares como prémio por ter cortado a meta num percurso de 10 quilómetros.”¹
O atleta Ilídio Vaz contou-me que agora já não participa em competições internacionais. Creio que agora é treinador, se bem me recordo da nossa conversa. Neste momento está a aguardar por dois colegas para irem correr. Mas nem os seus dois colegas aparecem, nem o meu motoqueiro aparece também. Isto de acordar cedo a um domingo nem sempre é fácil.
O Wilton chegou às 5h38, já eu estava preocupada a telefonar-lhe. “Já estou a caminho” – tranquilizou-me ele. Foi o Ilídio Vaz quem nos tirou esta foto. Depois de carregarmos água, mochila, e frango com arroz dentro dum recipiente de plástico, atado num saco plástico no guiador, partimos às 5h45 em direção a São Joaquim, terra que eu ainda não conheço.
O caminho de carro ou de bicicleta é o mesmo. São 8,7 km. O guia Monuna do Parque Natural está à minha espera lá em São Joaquim, pois vive ali. A partir daí irei a pé consigo até ao Pico do Príncipe, que se vê neste mapa abaixo. Ainda temos um grande esticão a pé pelo meio da floresta.
Chegámos a São Joaquim às 6h20. Levámos 35 minutos. O Wilton é muito cuidadoso a conduzir. Passámos por buracos, poças de água e subidas íngremes cheias de lama e rochas que me causaram apreensão e receio, mas este bem cheiroso e perfumado motoqueiro deixou-me no meu destino em segurança. Logo à tarde virá buscar-me cerca das 17h, hora indicada pelo guia Monuna.
Partimos às 6h25.
Do lado direito está o guia Monuna – cujo verdadeiro nome é Manuel Sebastião, e do lado esquerdo está o seu filho Deolindo, de 21 anos. O pai decidiu trazê-lo para ele aprender o caminho. “Um dia não estarei cá” – disse o Monuna – “É preciso ensinar as novas gerações”. Eu já conhecia o Monuna dos escritórios do Parque Natural, e também tínhamos falado ao telefone para combinar os últimos detalhes antes da partida.
Como eu ainda estou tão contente nesta foto e com um ar tão vivaço (apesar de ensonado). Não faço a mínima ideia do que me espera. Só sei que vai ser duro. A minha grande preocupação neste momento são as esfoladelas em ambos os pés. Preparei uns pensos de combate hoje de manhã, e trago o adesivo e as compressas comigo, bem como a tesoura, para preparar novos pensos se for necessário. O que a brincadeira na praia do Bom Bom deu.
Meia hora depois do início da caminhada temos já este riacho. Ou rio, nem sei. Vou já ficar com os pensos nos pés todos molhados, começamos bem.
Mas o guia Monuna sugeriu passar este pedaço comigo à cavalitas. Foi lindo de se ver e infelizmente, no meio da azáfama, não fiquei com nenhuma fotografia. Teria de ser o Deolindo a fotografar, e eu teria de passar-lhe a máquina e explicar como funciona. Ora ninguém esteve para isso. Temos é que despachar-nos, pois espera-nos uma longa jornada.
O Monuna indica que em tempos havia uma estrada aqui. Agora com a proteção da biosfera deixaram tudo para a floresta crescer livremente. Indica que daqui a dois anos vai ser difícil reconhecer o caminho.
Uma cobra! Agora é que temos de parar mesmo. Tenham lá paciência, eu tenho de ver bem o bicho e fotografá-lo.
Perguntei ao Monuna se pode apanhar a cobra e passar-ma. O Monuna acedeu.
Não fizemos mal nenhum à cobra, isto que fique bem claro. Eu sinto-lhe a força, o Monuna deu-me instruções sobre como agarrá-la bem. A passagem das suas mãos para as minhas foi uma operação delicada. Eu tinha de agarrar exatamente onde ele estava a agarrar, na cabeça e na cauda. Quem tirou esta foto foi o Deolindo.
Depois tive que soltar a cobra. Como é que a solto?, perguntei ao Monuna. (Eu com uma cobra nas mãos sem saber como me livrar dela…) É atirar para longe, respondeu-me. E eu atirei-a, com as duas mãos ao mesmo tempo, para o meio dos arbustos. É preciso ter cuidado para ela não ficar agarrada a nenhuma mão. Morder-me-ia apenas com o medo, para defender-se. Mas correu bem, ela fugiu e escondeu-se.
Já tive várias vezes cobras vivas na mão, e à volta do pescoço – e muito maiores do que esta, tão pequenita. Nomeadamente na Austrália.
Questionei o herpetólogo Peter Uetz, da Reptile Database, sobre esta cobra – perguntei-lhe qual é a espécie, mas ainda não recebi resposta. Procurei todas as espécies em São Tomé e Príncipe, vi as fotos uma por uma, mas não encontrei nenhuma igual a esta. Não sei que bicharoco é este.
Eu toda contente pensando que ia agarrar noutra cobra, mas esta é pura ilusão!!
O Monuna dá instruções ao filho para passar à frente. Doravante será o Deolindo a guiar-nos. Eu vou ao meio, o Monuna vai atrás. É uma maneira do Monuna ensinar o filho a identificar o caminho. E o Deolindo vai de chinelos de enfiar no dedo, é espantoso. Leva na mão um saco preto com comida para si e para o pai. O Monuna faz o favor de levar-me o meu saco preto com o meu frango e arroz, preparado pela Kita.
O Deolindo e eu já estamos em cima, o Monuna vem aí atrás. Já estamos a trepar muito, mas estamos longe do Pico do Príncipe, diz-me o Monuna.
São 8h10, caminhamos há quase duas horas – ainda nem sequer chegámos ao Pico, quanto mais começar a subi-lo – e o Monuna dá instruções para pararmos e tomarmos o pequeno-almoço. Temos rede de telemóvel. Eu por esta altura lembrei-me de passar-lhes o meu seguro de viagem. Afinal de contas se tropeçar e cair tenho um seguro que me paga as despesas todas, mas é preciso que o seguro seja avisado imediatamente, na altura em que me levam para o hospital. Eu pago a chamada, disse-lhes, e passei o número de telefone e o número da apólice, por sms, ao Monuna. É nestas ocasiões que os seguros têm utilidade, é bom que sejam usados. (Ou não, esperemos que não…).
O Monuna tem 56 anos e há 23 que faz este caminho. Normalmente uma vez por ano, indica-me. Já esteve 8 anos sem vir, porém. “Força e coragem é o que é preciso”, diz. “Ir ao Pico do Príncipe não é para quem quer, é para quem pode”, acrescenta. Eu não disse nada, fiz silêncio, mas pensei: Bom, vamos ver se eu posso. Eu estou determinada, pelo menos. Hei-de ter força e coragem!
Questionei o Monuna sobre a existência de vacas. Hoje é o décimo dia em que estou aqui no Príncipe, e ainda não vi nenhuma. Respondeu-me que há vacas na zona da Maria Correia. Contou-me que um dia foram andando até São Joaquim e que o dono teve de pagar uma multa pelos estragos, pois comeram as plantas. Agora tem uma pessoa para cuidar delas e é ele que terá de pagar se deixá-las fugir. Indicou-me que um bezerro de 6 meses custa 15 a 20 milhões de dobras. E que antes, nas roças, no tempo do colonialismo, haviam umas 500 vacas.
O pequeno-almoço do Monuna e do filho é peixe frito com pão. Bem nutritivo, fazem-me concorrência. Eu já comi uma das minhas duas sandes pelo caminho, em andamento, e agora vou comer a segunda. Ambas de fiambre, ovo cozido e uma dose generosa de açúcar. Era o açúcar que havia na chávena que me deixaram no hotel, para o pequeno-almoço. Aqui não o poupei.
Fizemos uma pausa de 20 minutos, sentados junto à cascata.
¹ Mamata, Inter (2014, 9 Junho) “Ilídio Vaz e Dulce Conceição ganharam a II corrida pedestre do BISTP”. Téla Nón. Página online consultada a 8 Outubro de 2019,
https://www.telanon.info/desporto/2014/06/09/16670/ilidio-vaz-e-dulce-conceicao-ganharam-a-ii-corrida-pedestre-do-bistp/