54 – Camping no Chile

Três da manhã.
Silêncio absoluto. Escuridão total.

– Da-me la llave!

Aqui andava a ovelha negra, de lanterna em punho, no meio das tendas.

– Da-me la llave!, sussurrei novamente.
– Qué pasa? Qué pasa? – perguntou o Flávio estremunhado e assustado, de dentro da tenda.
– No pasa nada! Da-me la llave!

A questão é que o silêncio não era assim tão grande. De facto havia um ruído insistente que não me deixava dormir.
E esse ruído eram os meus dentes a bater.
Em desespero resolvi sair da tenda e tentar a minha sorte no minibus, que estava estacionado ao nosso lado. Foi o mesmo. Não dormi nada, dentro daquela chapa fria.

Eis a etapa mais temida de toda a viagem, para mim. Eu que, confesso, não aprecio dormir em tendas, ainda para mais com um frio de rachar. E mesmo assim corri para a tenda que tinha um telhado, ao chegarmos (que falta de educação a minha, eu sei, correr logo para o melhor que há, mas eu já sei como sou – muito friorenta e salve-se quem puder).
A agência de viagens aconselhou-nos um saco-cama para zero graus, no entanto se fôssemos friorentos, para menos cinco. E de facto um amigo emprestou-me precisamente um para menos cinco (os meus agradecimentos, pois ele deve estar a ler esta crónica). Ora se eu tenho frio em quartos de hotel aquecidos durante toda a noite, um saco-cama seja lá de que temperatura for, de nada me serve.

Foram três noites em acampamento, com trekking intenso durante o dia.
Não havia eu de voltar mais magra. Ou eram borgas ou era frio – dormir foi coisa que não fiz durante estas férias, com exceção das treze horas de vingança em Calafate.
O resto do grupo não se queixou. Dormiram todos bem. E de facto nas minhas andanças noturnas, qual fantasma no meio da floresta, ouvia ressonar. Até receei que ainda me saltasse algum puma para cima, no meio daquela escuridão.

E o pior de tudo é que a água do banho estava sempre quase fria. Andei permanentemente gelada e tomei três banhos frios. Gritei na casa de banho, podem crer. Soltei berros que ecoaram pelas florestas em redor. E ainda disse umas valentes asneiras, confesso. Hoje penso que não devia mas é ter tomado banho, porém a fazer trekking (e três dias) é complicado. Uma das noites, ao jantar, exclamei “Maldita terra chilena!”, para os guias, sentados ao meu lado, que não conseguiram deixar de rir (eram argentinos, pudera…).

Na última noite eu já tinha aprendido a lição. Estão a ver o boneco da Michelin, muito gordo, de braços abertos, quase sem conseguir mexer-se? Assim parecia eu, com tanta roupa vestida. Nem conseguia baixar os braços.

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