16 – Em Busca das Sandálias

O tempo ocupado no Intrepid, mais o almoço a seguir (atacámos um hambúrguer com batatas fritas, às três e meia, como se não comêssemos há uma semana), acabou por cortar-nos o caminho a outras eventuais visitas durante a tarde. Conforme referido atrás, cerca das 16h30 começam as atrações a encerrar. O que vamos fazer então às quatro da tarde?
É desta que vamos procurar as sandálias de uma determinada marca que me agrada.
Será que alguém se lembra do episódio das sandálias, nas crónicas da Índia? Será que alguém se lembra do desafio que eu deixei então, sobre encontrar umas sandálias desportivas, de senhora, boas e resistentes, nas lojas em Portugal? Passaram-se três anos, desde essa viagem à Índia, e ainda ninguém respondeu ao desafio. (Na volta ninguém leu a crónica?…) Passaram-se três anos e na realidade eu continuei sem conseguir encontrar umas sandálias desportivas – dignas desse nome – para senhora. Para homem há muitas. Para senhora só há sandálias de brincadeira. De menina, para ir à praia. Resistentes, como as dos homens, mantendo os traços e os tamanhos femininos, não se encontram. Ora recordemos essa crónica da Índia, pois vai desembocar nesta nossa crónica de Nova Iorque:

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Desafio todos os leitores destas crónicas a apresentarem-me uma loja (eu procurei em Lisboa, mas aceito uma loja de qualquer parte do país) onde se vendam sandálias de trekking para mulher.
E não me venham com sandaliazinhas de trekking “urbano”, ou daquelas para ir fazer piqueniques na serra ao lado de casa, no fim-de-semana. Eu falo de sandálias preparadas para condições rigorosas, com proteções e utilidades específicas. Um sistema de escoamento de água, por exemplo, que ao mesmo tempo impede a entrada de terra na parte de baixo da sandália; ou a existência de três fivelas ajustáveis ao pé, em que depois para calçar e descalçar basta usar uma quarta, mais rápida e ergonómica; ou a fortíssima proteção dos dedos – se eu der um pontapé numa pedra, é esta que se queixa, não sou eu. E mais a fibra de que é feita, leve e que seca rapidamente. E depois aquelas coisas que nem nos lembramos: proteção anti-micróbios, sistema anti-odor e essas mariquices todas. Só lhes falta terem um motor e andarem sozinhas. É certo que em regimes verdadeiramente rigorosos se usam botas, mas aqui não houve necessidade disso. O guarda florestal foi de chinelos. É oito ou oitenta. Todavia eu precisava de umas sandálias resistentes – para aguentar os 45 graus de temperatura diária, no Rajastão (morreria de calor se andasse de botas) e ao mesmo tempo andar de bicicleta e meter-me nestas andanças do trekking.

Tive de ir comprá-las diretamente à fábrica, nos Estados Unidos, pois claro. Procurei tudo – corri as lojas de trekking e aventura em Lisboa, bem como as de simples desporto, e espreitei três mil lojas na internet. Procurei em Espanha, em França e em Inglaterra. Nada. Acreditem que é verdade. Só têm de homem. Sinceramente quero lá saber se são de homem ou de mulher – só peço o meu número, por favor. São todas enormes. E queria umas cor de laranjas, mas em desespero de causa já aceito qualquer cor: podem ser lilazes, amarelas ou cor de rosa, quero é umas sandálias!…
Nada.
Foi preciso descobrir esta marca e descobrir que estes meninos têm sandálias que podemos chamar de profissionais, em todas as cores e feitios, para elas. E fabricam os “meios números” – claro, não lhes pode faltar nada, às meninas. E tinham stock do meu número (um meio número!) e cor-de-laranjas!… Quarenta e oito horas depois de eu clicar no botão “Pagar”, elas estavam comigo. Mandaram-nas de avião, os nossos vizinhos americanos. De facto não sei para que ando a perder tempo em centros comerciais.
(…) Uma senhora que me atendeu numa das lojas de aventura & outdoor mostrou-se solidária comigo e exclamou, fazendo-nos rir às duas:
– Os homens quando fazem caminhadas com as mulheres, elas vão de salto alto!…

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Então aqui estamos nós na terra das sandálias.
América.
Levei um papel comigo, de Lisboa, com as moradas das lojas em Nova Iorque. Ainda não sabia que Nova Iorque era gigante. Já vamos no quarto dia e eu ainda não encontrei loja nenhuma. Estou a usar umas sandálias velhas à espera de encontrar uma loja das tais.
Aproveitemos então a tarde livre para passear e procurar uma dessas lojas. Vamos de metro, claro.

E foi uma tarde giríssima. É o que eu digo, quanto mais perdidos andamos, melhor. Vamos vendo, vamos descobrindo, vamos falando com as pessoas, perguntando as direções.
Começámos por procurar a 8ª Rua. Só isto. A morada é número 5, Oitava Rua. Estas moradas fizeram-nos alguma confusão, de início. Estávamos habituados a existir uma rua e uma avenida, e pelo cruzamento de ambas, chegamos lá. Esta só tem rua. Ok, apanhámos o metro para o mais perto possível (se bem me recordo ficámos na 12ª rua) e fomos andando a pé. Estamos em Greenwich Village, e eis que damos com a célebre Gay Street. Por puro acaso.

Chegados à 8ª Rua, no número da loja agora existem uns escritórios ou uns armazéns, nem percebemos, um edifício com interior muito escuro, onde estava uma rapaz numa secretária. Sim, antes havia aqui uma loja de sapatos, disse-nos ele, mas entretanto o edifício foi comprado e eles mudaram-se mais para baixo, para o fundo da rua.

Lá fomos nós para o fundo da rua. Pelo caminho damos com uma loja de artigos do exército, uma loja enorme, com tudo e mais alguma coisa. Claro que nos entretivemos lá dentro, e quem acabou por fazer compras foi o meu namorado. Aliás, ele já levava ao pescoço uma corrente comprada no Intrepid, um souvenir vendido por eles, personalizado, com aquelas chapas dos soldados com nome e data de nascimento. Uma brincadeira. (O Intrepid é a perdição do público masculino, claro; qual é rapariga que quer andar com uma chapa ao pescoço com o nome e data de nascimento… Fora todas as fotos dos aviões e helicópteros e navio de guerra onde fez questão de ficar… Eu sem saber que iria escrever estas crónicas e que portanto iria precisar de fotos das máquinas, não do namorado junto às máquinas…) E agora comprou umas excelentes botas creme claras, usadas pelos soldados norte-americanos nos desertos do Iraque e do Afeganistão. Bom, ele já tem botas e uma chapa dos soldados, e eu continuo sem sandálias. Já para não falar da dúzia de t-shirts de alças que foi comprando, pois rapidamente constatou que iria ficar com a marca do sol nos braços se continuasse a usar as suas t-shirts habituais, com mangas. Ele cheio de t-shirts e com umas belas botas, e eu a suspirar pelas sandálias.

E acabou por ser um dos vendedores dessa loja de artigos do exército que nos ajudou a encontrá-las. Revelou-se de uma extrema simpatia (tal como aliás a maior parte das pessoas com quem falámos durante esta viagem – os nova-iorquinos são muito hospitaleiros e descontraídos, conforme referi anteriormente) e não foi de meias medidas: agarrou no telefone e ligou ele próprio para a marca, para saber onde está agora a loja. Já estava mais intrigado do que nós, que estávamos prestes a desistir ou a ir procurar outra. E eis que o informam que está no número 20, o que era ali mesmo ao pé. Resumindo: já tínhamos passado duas vezes pela loja, para cima e para baixo, e não a vimos. É incrível. A loja estava pouco iluminada, quase à luz natural, pelo que nem a vimos.

Só tinham alguns modelos e alguns números, bastante reduzidos em comparação com o website da marca, mas eu já não estava para maçar-me mais e comprei o que havia. Fiquei satisfeita, mesmo assim. O conforto e resistência deste tipo de sandálias é incomparável.

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