05 – Quatro de Julho

A noite do 4 de Julho foi memorável. Mas não no sentido positivo – foi memorável pelo absurdo que foi. Havia um espetáculo de fogo de artifício junto ao rio (a propósito, o rio que banha Nova Iorque chama-se Hudson) e a polícia começou desde cedo, ainda umas quatro da tarde, a bloquear os acessos à margem. Ou seja: nós que fizemos nessa tarde um passeio de barco podíamos ter ficado ali na margem até às nove e meia da noite. Se saíssemos, não poderíamos voltar a entrar. Fomos aconselhados por um dos marinheiros do barco a ficar ali, pois o espetáculo é muito bonito, disse ele, entusiasmadíssimo.

Nós estávamos completamente estafados. Havia por estes dias uma vaga de calor anormal para a época, com temperaturas na ordem dos 36 e 37 graus. Claro que não queríamos ficar cinco horas e meia ali sentados à espera dum fogo de artifício. Nem havia onde comprar água, pois a polícia encerrou todos os estabelecimentos comerciais, cafés e restaurantes inclusive. Mas pairava já no ar uma autêntica loucura dos norte-americanos por este espetáculo. Será que nunca viram fogo de artifício? As pessoas levavam banquinhos e estavam já sentadas, às quatro da tarde, à espera.

Fomos embora para o hotel. Chegar e não chegar – a propósito, quando digo “fomos embora”, a coisa não é assim tão rápida quanto parece. As deslocações de um ponto ao outro dentro de Manhattan são coisa para levar perto de uma hora. O metro não existe em todas as ruas, é necessário andar bastante, percorrer grandes distâncias, e apanhar porventura algum autocarro pelo meio, dependendo se se quer enfrentar o trânsito intenso, ou seguir a pé quase à mesma velocidade. Passear em Nova Iorque exige uma excelente condição física.

Como ia a dizer, chegar e não chegar ao hotel, tomar banho, mudar de roupa, e jantar – rapidamente chegaram as nove da noite. E como uma multidão enorme confluía em direção ao rio para ver o fogo de artifício, juntámo-nos a ela. Tínhamos nesta noite um passeio no Hop on Hop off noturno, para ver a iluminação das ruas, mas até desistimos, com tanta gente a entupi-las. Um atentado no dia de hoje seria um sucesso para terroristas, com tanta gente nas ruas de Nova Iorque, nesta zona da Times Square. Lá fomos andando, no meio da multidão, até que não dava para avançar mais pois a polícia barrava o acesso à margem. E esperámos sentados numa grade.

O mais absurdo de tudo foi quando o fogo de artifício começou e as pessoas (e nós) descobrimos que não se via dali. Estava gente ali sentada, alguns com toalhas no chão onde jantaram previamente, horas à espera, e agora não se vê. Começaram a debandar para trás, a correr para outras ruas, sempre na expetativa de verem o fogo-de-artifício.

Eu e o meu namorado observámos todo este episódio quase de boca aberta. Continuámos sentados, pendurados na  grade, a ver todos a fugirem. Isto não é normal. As pessoas parece que nunca viram fogo de artifício, está tudo louco. A rua, que estava completamente apinhada, de repente ficou vazia. Como uma multidão consegue evacuar tão depressa, é incrível. Nem sei como ninguém caiu e se magoou. Lá desmontámos da grade e fomos andando. Ao passar por uma rua ao lado ainda conseguimos ver uma boa parte do fogo, e fomo-nos embora antes mesmo de acabar.

O espetáculo do 4 de Julho para nós, portanto, não foi o fogo de artifício, foi ver toda esta multidão de nova-iorquinos a entupir as ruas, e a polícia a barrar-lhes o acesso à margem do rio. Compreendemos porquê, o mais provável era caírem todos dentro do rio, com tamanha loucura.

No dia seguinte saiu uma notícia – vimos na internet – sobre um iate que se afundou no rio, tendo morrido três pessoas. O barco estava parado para ver o fogo de artifício e desconfia-se que estava sobrelotado.
Decididamente, isto não é normal.

Na manhã seguinte vimos este grupo de chineses, contrastando tremendamente com o bulício da noite anterior, a praticar o “Falun Dafa”, também conhecido como “Falun Gong”, uma prática que visa cultivar a mente e o corpo através de exercícios. Defendem a verdade, a benevolência e a tolerância. Ao verem-nos interessados, e eu ademais a tirar-lhes fotografias, vieram dar-nos um panfleto e um livro com “Nove Comentários ao Partido Comunista”. Não foi sem algum embaraço que me vi em Nova Iorque com um livro na mão sobre o partido comunista chinês.

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