172 – 26º Dia, Adeus Munnar
Entro hoje no 26º dia. O fim aproxima-se. Se bem que ainda faltam quatro dias – ainda há algumas coisas para ver e para acontecer. Ainda falta por exemplo uma noite num barco de bambu. Ainda falta o parque natural de Periyar, com mais um dia de trekking e passeio em jangadas.
Por esta altura eu já me esqueci da minha casa em Lisboa; do meu quarto. Apontei estes pensamentos no meu pequeno bloco: já nem me lembro bem de como é a disposição dos móveis. Quando acordo, para que lado me viro para acender a luz? Dei por mim a pensar nisto e a ter dificuldade em recordar-me com rapidez. Há 26 dias que mudo quase diariamente de quartos, já não sei para que lado estão as luzes. De facto uso sempre uma lanterna – não para alumiá-los, mas precisamente para encontrar os interruptores das luzes. A aventura de cada dia começa logo aí, ao despertar: em que quarto estou?, em que hotel estou?, em que país estou?… E onde estão as luzes?!…
E o mesmo se passa com o inglês: há quase um mês que falo inglês todo o dia. Também já penso em inglês, gradualmente o português vai desaparecendo. Neste último dia em Munnar pensei: You must pack your things, Rute. Porque não pensei: “Tens de fazer as malas, Rute”? Pensei em inglês. Já pensava tudo em inglês. Imaginava-me a contar as peripécias da viagem, em Portugal, esforçando-me por encontrar as palavras. Mas porque estou eu a descrever a viagem em inglês?, dei por mim a perguntar.
E não estou cansada nem desejando de regressar. Esta vida é demasiado boa para querer regressar. Bons hotéis, motorista particular, refeições sempre prontas, todos os confortos possíveis aliados à descoberta permanente de um país distante. Quem é que se cansa de uma vida destas? Pelo contrário, é com bastante apreensão que encaro os últimos dias de viagem.
O último jantar no hotel de Munnar, em regime de buffet. O restaurante esteve bastante cheio, havia muitas crianças e eu era a única estrangeira, todos olhavam. A comida estava realmente picante e custei a comê-la.
Adormeci a chover copiosamente, eram onze da noite, e às seis e meia da manhã, como já é hábito, acordei de livre vontade. O despertador não tocou uma única vez, durante este mês inteiro. Uma coisa espantosa, pois em viagens anteriores eu dormi muitas vezes até ter de ser o despertador a acordar-me. Seis e meia é hora de alvorada, portanto. E continua a chover torrencialmente.
O motorista Taha mostrou-se tão paciente quanto o Kailash perante os meus constantes pedidos para parar. Desligava o motor, saía e encostava-se ao carro. Face a paisagens destas seria até um crime passar de carro como se nada fosse, ou como se voltasse aqui para a semana, ou para o mês que vem. Se calhar munca mais aqui voltarei. Pare, pare, por favor, quero respirar este ar húmido e fresco da manhã, quero respirar o ar das montanhas verdes e abraçá-las com braços e olhos.