158 – Chegada ao Topo & Gandhi

A grande alma.
É o significado de “Mahatma”, e foi o prenome dado a Gandhi.
Passar umas crónicas da Índia sem falar de Gandhi, o porta voz do país na primeira metade do século XX, seria uma lacuna, naturalmente. Receio porém não poder sair muito do que já se disse, do que já se sabe, dado ser uma figura tão badalada, alvo se inúmeras biografias, filmes, séries, artigos; e por isso talvez tenha andado a rodear o tema. Já o citei uma ou duas vezes, até agora, e mais nada. Mas é desta. Enquanto subo pelas montanhas – uma subida física – parece-me adequado falar de quem procurava uma subida espiritual, na sua vida e na dos outros.
Mohandas Karamchand Gandhi, nascido a 2 de Outubro de 1869 numa cidade costeira em Gujarat, era descendente de brâmanes, filho de um magistrado e de uma religiosa. Casou-se, a exemplo de todos na sua casta e nação àquele tempo, no final da infância com uma prima, Kasturbai. Ambos com 13 anos. O casal teve quatro filhos, todos rapazes: Harlal (1888), Manilal (1892), Ramdas (1897) e Devdas (1900).
Com o objetivo de seguir carreira idêntica à do pai, Gandhi foi para Londres estudar Direito, aí permanecendo de 1888 a 1891. Teve para tal de obter permissão da mãe, prometendo abster-se de vinho, mulheres e carne, apesar de ter desafiado os regulamentos da sua casta, que proibiam a viagem para Inglaterra.
Regressado à Índia, não se deu bem na profissão de advogado, e acabou por partir para a África do Sul, em 1893, para trabalhar numa empresa hindu de familiares.
A discriminação de que era alvo a minoria indiana nesse país foi o que despertou nele a consciência social, tendo organizado um movimento de luta contra as desigualdades. Acabaria por ficar na África do Sul muito mais tempo do que previra, só regressando definitivamente à Índia em 1915.
Enquanto esteve na África do Sul, Gandhi foi preso pelas suas atividades políticas, e foi na prisão que travou contacto, por carta, com Tolstoi, um dos seus ídolos. As semelhanças entre as suas atitudes e o modelo de Tolstoi são evidentes, de tal maneira que o primeiro ashram, ou quinta colectiva, que fundou, nos arredores de Durban, na África do Sul, recebeu o nome desse escritor russo. Da mesma forma, é influenciado pelas teses do norte-americano Henry Thoreau, indicado por Tolstoi. Gandhi descobriu então a Desobediência Civil, conceito formulado por Thoreau – um método de oposição e resistência a um poder político, seja pacífico ou violento.
Gandhi viria a ganhar notoriedade internacional pela sua política de desobediência civil e pelo uso do jejum como forma de protesto.

Em 1915 regressa à Índia em definitivo e dá início à luta pela independência do domínio britânico. Gandhi seguia uma forma de hinduísmo que propunha um ideal de vida austera, levada com desprendimento dos bens terrenos, com humildade e equanimidade. De abnegação e sacrifício, aliás, daria largas provas ao longo dos anos. Durante a sua vida Gandhi passou cerca de 6 anos preso. Nunca recebeu o Prémio Nobel da Paz, apesar de ter sido indicado 5 vezes entre 1937 e 1948.
O seu programa continha cinco pontos básicos: igualdade; nenhum consumo de álcool ou droga; unidade hindu-muçulmana; amizade; e igualdade para as mulheres.

(Continua).

Porventura já começam a ficar cansados de tanto trekking. Eu não. Foi um dos meus dias preferidos em toda a viagem, durante este mês na Índia. Passaria a vida nisto. Não sentia cansaço, andava satisfeita e contente da vida, cheia de energia. Não me canso de ver estas fotos e de recordar o magnífico dia que passei nas montanhas de Munnar.

Aqui estou a caminho do pico, o nosso objetivo. O Senthal disse-me para ir à frente, para usufruir do momento. Como se eu ligasse a isso. Ir à frente deles ou atrás, chegar ao pico ou não chegar… Enjoy everything. Ainda por cima chegar ao pico é mau sinal, significa que a partir de então começamos a descer e que este maravilhoso dia começou portanto a acabar. Mas lá fui. Acho que nas fotos não nos apercebemos de quão íngremes eram as subidas, apesar de curtas (felizmente).

A paisagem ao redor, se já era espetacular antes, aqui era de cortar a respiração.

Este declive era perfeitamente em linha reta até lá abaixo. Se porventura alguém resvalasse, bem que podia despedir-se desta vida. Com sorte talvez fosse chocar contra os ramos da árvore e conseguisse agarrar-se, mas depois teria de esperar que alguém o içasse com uma corda.

E já que aparece aqui a minha sandália, é agora mesmo que vamos falar de sandálias de trekking para mulher.
Desafio todos os leitores destas crónicas a apresentarem-me uma loja (eu procurei em Lisboa, mas aceito uma loja de qualquer parte do país) onde se vendam sandálias de trekking para mulher.
E não me venham com sandaliazinhas de trekking “urbano”, ou daquelas para ir fazer piqueniques na serra ao lado de casa, no fim-de-semana. Eu falo de sandálias preparadas para condições rigorosas, com proteções e utilidades específicas. Um sistema de escoamento de água, por exemplo, que ao mesmo tempo impede a entrada de terra na parte de baixo da sandália; ou a existência de três fivelas ajustáveis ao pé, em que depois para calçar e descalçar basta usar uma quarta, mais rápida e ergonómica; ou a forte proteção dos dedos – se eu der um pontapé numa pedra, é esta que se queixa, não sou eu. E mais a fibra de que é feita, leve e que seca rapidamente. E depois aquelas coisas que nem nos lembramos: proteção anti micróbios, sistema anti-odor e essas mariquices todas. Só lhes falta terem um motor e andarem sozinhas. É certo que em regimes verdadeiramente rigorosos se usam botas, mas aqui não houve necessidade disso. O guarda florestal foi de chinelos. É oito ou oitenta. Todavia eu precisava de umas sandálias resistentes – para aguentar os 45 graus de temperaturas diários, no Rajastão (morreria de calor se andasse de botas) e ao mesmo tempo andar de bicicleta e meter-me nestas andanças do trekking.
Tive de ir comprá-las diretamente à fábrica, nos Estados Unidos, pois claro. Procurei tudo – corri as lojas de trekking e aventura em Lisboa, bem como as de simples desporto, e espreitei três mil lojas na internet. Procurei em Espanha, em França e em Inglaterra. Nada. Acreditem que é verdade. Só têm de homem. Sinceramente quero lá saber se são de homem ou de mulher – só peço o meu número, por favor. São todas enormes. E queria umas cor de laranjas, mas em desespero de causa já aceito qualquer cor: podem ser lilazes, amarelas ou cor de rosa, quero é umas sandálias!…
Nada.
Foi preciso descobrir esta marca e descobrir que estes meninos têm sandálias que podemos chamar de profissionais, em todas as cores e feitios, para elas. E fabricam os “meios números” – claro, não lhes pode faltar nada, às meninas. E tinham stock do meu número (um meio número!) e cor-de-laranjas!… Quarenta e oito horas depois de eu clicar no botão “Pagar”, elas estavam comigo. Mandaram-nas de avião, os nossos vizinhos americanos. De facto não sei para que ando a perder tempo em centros comerciais em Lisboa.
Esta foi portanto outra vitória idêntica à do relógio, que contei na crónica 46. Uma senhora que me atendeu numa das lojas de aventura & outdoor mostrou-se solidária comigo e exclamou, fazendo-nos rir às duas:
– Os homens quando fazem caminhadas com as mulheres, elas vão de salto alto!…

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