137 – O Forte de Agra & O Sistema dos Dotes
Terminamos hoje o tema do controlo da natalidade. Começámos com o Nirodh, avançámos para os dotes, continuámos explicando a seleção de sexos no nascimento, e suas consequências nos casamentos. E terminamos para já com a análise do professor Ahmad, iniciada na crónica 133.
De onde surgiram os dotes? Porque se implantou este sistema nefasto?
Não é claro quando começou a prática do dote na Índia, porém é bastante antiga. Nos tempos antigos, o dote fazia parte do ritual Kanyadanam (Kanya significa filha, e Danam significa presente), particularmente nos casamentos da classe alta, no período antigo e medieval. No período britânico e moderno, engolfou toda a sociedade. Era um presente oferecido de vontade na época medieval, e hoje transformou-se num sistema diabólico.
Uma razão para a existência do dote pode ser talvez que o noivo e a sua família tinham de assumir a responsabilidade onerosa de sustentar a noiva para o resto da sua vida. De forma a que o pai casasse a filha, tinha de pagar uma pesada quantia exigida pela família do noivo. Apesar de ser praticada nas famílias reais e aristocráticas, engolfou a sociedade de um modo alarmante.¹
Num livro publicado pela Oxford University Press, “Dowry Murder: The Imperial Origins of a Cultural Crime”, de Veena Oldenburg, professora de História na Universidade de Nova Iorque, é defendida a tese de que o colonialismo britânico foi o principal responsável pela implantação generalizada desta prática. Veena Oldenburg repensa toda a sua origem, e critica os antropologistas que consideram esta prática como eterna. O argumento do livro é que no Punjab pré-colonial as mulheres participavam nas economias locais e eram sócias nos arranjos de propriedade. A tentativa britânica de racionalizar a economia implicou a homogeneização e codificação das leis, sobretudo as que regulavam a posse da terra, e nesse processo as mulheres tornaram-se invisíveis, tornaram-se dependentes dos homens. Assim, a lei colonial, o que os historiadores chamam de lei anglo-indiana, fez com que emergisse uma economia mais masculina. Os rapazes também se tornaram mais importantes nesta economia, o seu valor social mais alto significou que o dote se tornou numa espécie de transação económica, através da qual a família do noivo faz exigências à família da noiva – i.e. nós vamos tomar conta dela, ela vale menos, não é capaz de trabalhar numa economia de mercado, etc. Assim o dote nos anos 1850 passou de um modo de mostrar apreciação que a família tinha pela filha, para uma exigência.²
Este rapaz estava a pedir boleia para Delhi, na portagem. Eu estou a regressar a Delhi, para apanhar um voo para o sul. O Kailash de início disse-lhe que não, mas ele terá insistido, juntamente com os amigos da portagem, que terão torcido a seu favor, pelo que o Kailash remeteu a responsabilidade da decisão para mim. Fui eu que contratei o carro e o motorista, afinal. Olhei-o (de dentro do carro), vi que era um rapaz com bom aspeto, e acedi. Não fez companhia nenhuma, é pena. Não sabia inglês e foi muito sossegado toda a viagem. Até me esqueci que ele ia no carro connosco.
¹ Ahmad, Dr. Nehaluddin (2008), “Dowry Deaths (bride burning) in India and Abetment of Suicide: A Socio-Legal Appraisal”, Journal of East Asia and International Law. YIJUN Institute of International Law. Página consultada a 8 de Dezembro de 2009,
<https://www.academia.edu/76265703/Dowry_Deaths_bride_burning_in_India_and_Abetment_of_Suicide_A_Socio_Legal_Appraisal>
² Rao, Anupama (2003), comentando o livro “Dowry Murder: The Imperial Origins of a Cultural Crime” de Veena Oldenburg. Asia Society, 18 de Março. Página consultada em 19 de Dezembro de 2009, <https://asiasociety.org/dowry-murder-imperial-origins-cultural-crime>.