126 – O Magnífico Cinema Raj Mandir

Voltemos porém um pouco atrás: fiquei de boca aberta quando entrei. Entrei noutro mundo. Não estou na Índia. E não me deixaram tirar fotografias. Que parvoíce, são regras destes seguranças de meia tijela, aposto que o dono do cinema ficaria orgulhoso e não se importaria que o magnífico interior fosse fotografado. Mas tive de obedecer senão ainda me expulsavam.
No intervalo do filme andava toda a gente a tirar fotos. Era flashes por todo o lado. Estão a brincar comigo ou quê? Se eles tiram, eu também tiro. E vá de disparar a máquina. Os seguranças olhavam-me de soslaio. Pois é, meus amigos, se me expulsarem, têm de expulsar o público quase todo…

Quanto ao filme, ficou combinado com o Kailash esperar meia hora. Eu sem perceber nada do que diziam, com certeza não quereria ficar toda a noite.
Enganei-me.
Vim outra vez a constatar que eles misturam o hindi com o inglês, nos filmes e na televisão. Na cidade de Jodhpur tinha visto 5 ou 10 minutos de televisão, no hotel, e conseguia ir percebendo. Pois no cinema é igual. Eles vão falando inglês, e assim não se perde o fim à meada. Para agravar as coisas, o ator principal era um borracho. Pois é assim mesmo. O gajo é um borracho e quero um poster dele no meu quarto!!!! De início parecia branco, e estranhei: então mas eu venho ver um filme indiano e o ator principal é branco? Depois  percebi que não. Deve ter antecedentes ocidentais, talvez, o seu cabelo e as suas feições têm um estilo ocidental. A sua foto está na entrada do cinema, por debaixo das luzes de néon com “Raj Mandir”. Chama-se Akshay Kumar, nasceu em 1967 (tem agora 42 anos, portanto), e informações sobre ele podem ser encontradas na Wikipédia, entre outros websites.

E ali estou eu no meio de um dilema: o Kailash está lá fora à espera, quer ir-se embora, amanhã tem de acordar cedo e conduzir, e não está para ficar na rua à espera da menina. Os serviços de motorista têm um limite. E agora? O filme dura quase três horas, só acaba à meia-noite, vou sozinha para o hotel, na capital do Rajastão – uma cidade estranha? Já não estou numa aldeiazinha, estou numa grande cidade, as coisas são diferentes. Ainda por cima não faço sequer ideia para que lado é o hotel, nem tenho nenhum mapa comigo. A pé nunca iria, de qualquer forma, estava pelo menos a meia hora de distância a caminhar.

Rute, pensa nisto: estás na Índia, não sabes se alguma vez cá voltarás, estás no melhor cinema que alguma vez estiveste, seja em que país for, e o filme está a ser bastante engraçado. Tu não te vais embora. Desenrasca-te.
Levantei-me, impaciente e com receio de perder alguma parte importante do filme, (recordemo-nos que eu estava no lugar X1, ou seja, o primeiro lugar, na última fila, junto à porta…), saí e fui falar rapidamente com o Kailash.
Estou a gostar e quero ficar, disse-lhe sem rodeios.
O seu ar era de poucos amigos. A meia hora tinha-se transformado em cinquenta minutos de espera – tempo que usei para ver se me decidia e se porventura tinha a sorte de deixar de gostar do filme. Qual quê, quanto mais tempo passava, mais embrenhada estava. Eu nunca conto a história dos filmes, porém calculo que ninguém chegue a ver este… indiano… de Bollywood… Só talvez numa adaptação de Hollywood, pois estes é sabido que copiam e adaptam alguns dos seus filmes.
O filme passa-se no Canadá e começa com um casal que tem dois filhos gémeos, dois rapazes felizes e saudáveis que brincavam à bola, ainda na Índia. Pois um deles caiu duma ravina e morreu. Foi um belo começo. Não, de facto o começo foi com o borracho do ator principal a saltar de uma ravina, já no Canadá, e a mergulhar nas águas lá em baixo. Um salto esplendoroso, uma paisagem esplendorosa, que despertou logo toda a gente com a adrenalina. Entretanto começaram a haver uns assassínios pelo meio, na vida desta personagem principal. O pai dele, CEO numa empresa petrolífera canadiana, foi o primeiro a morrer, num passeio de iate com amigos e família. Ora o filho, com umas visões pelo meio, não acreditou que tivesse sido um acidente e começou a investigar. Tantas voltas a história deu, que viemos a descobrir que as duas crianças que brincavam no início do filme eram ele próprio e o seu irmão gémeo. E afinal o irmão gémeo não morreu – foi sim encontrado por gente que o tratou mal na infância. Cresceu violento e agressivo. E voltou para se vingar dos pais o terem abandonado, e para se vingar da vida boa que o irmão gémeo tinha, enquanto ele tinha sofrido e sido maltratado todos aqueles anos.
Causou um bom efeito surpresa, o filme. Aposto que cada pessoa no público punha as culpas dos assassínios em qualquer outra personagem que estava no iate, todos a congeminar quem seria, e eis que aparece o irmão gémeo que vimos morrer no início do filme. Agora eram dois borrachos – é o mesmo, claro, mas a dobrar. Um faz papel de bom, outro faz papel de mau. Eu toda contente, com a visão a dobrar.
Curiosamente aquele website da Wikipédia diz que o filme, que se chama “8 x 10 Tasveer” foi um fracasso crítico e comercial. Pois deve ser esse o segredo de eu ter gostado… os gostos cinematográficos indianos e europeus não costumam andar a par. Outra notícia curiosa aqui apresentada é ter sido registada uma queixa na polícia, em Abril de 2009, pelo facto da sua mulher, Twinkle Khanna, lhe ter desabotoado os jeans em público, durante uma tal “Lakme Fashion Week”. A queixa foi apresentada contra os dois. Enfim, dadas as circunstâncias, parece-me que a impaciência da sua mulher é compreensível…

O ator Akshay Kumar

Mas voltemos à saída do cinema. Como se resolveram as coisas. O Kailash chamou um segurança, um velhote magrito que se levasse um sopapo caía para o lado, grande segurança temos aqui, o que vale é que os cinéfilos são gente pacífica; e deixou-lhe instruções para me chamar um riquexó no final. Pronto, menos mal, ao menos o segurança verá o condutor do riquexó, e haverá uma testemunha se eu desaparecer à meia-noite e nunca mais for vista.
O que eu não contava é que à saída fosse uma balbúrdia tal, e uma multidão tal, todos atrás de riquexós – além de ter saído por outra porta – que nem sequer avistei o segurança. Sei lá onde anda ele. Sinceramente também já não interessa, estão ali imensos riquexós, todos a caçar clientes, e toda a gente me está a ver (mais do que ver – a observar com muita curiosidade), pelo que quando um rapaz me ofereceu os serviços do seu riquexó, eu disse-lhe o nome do hotel, negociei o preço e fomos embora. O riquexó tinha um condutor, um homem dos seus quarenta anos, e mais o rapaz, que era o responsável por captar os clientes.
São riscos que têm de se correr na vida. Muita gente me viu, eles seriam facilmente identificados, e uma branca dá muito nas vistas. Coitados, isto é terrível uma pessoa desconfiar assim das outras, gente inocente que não se calhar não faz mal a uma mosca, mas o mundo em que vivemos não está para brincadeiras, e as notícias menos agradáveis, nos media, são frequentes.
Paguei 80 rupias (1,25€) e foi com um largo sorriso que eles se despediram de mim, à porta do hotel, encantados por terem sido contratados, e eu encantada com a sua paciência, pois eles não sabiam onde era o hotel e ainda andaram perdidos, à procura.
Mais outra vitória. Um belo serão passado no Raj Mandir.

Um simpático casal que meteu conversa comigo, no intervalo. Eram assistentes sociais, vieram de outra povoação propositadamente ao cinema, e foram eles que me explicaram que este é o melhor cinema da Índia. O melhor cinema de Jaipur, corrigi eu. Não, o melhor cinema da Índia, insistiram – o Raj Mandir é famoso em todo o país. E assim descobri também que era, por conseguinte, uma atração turística na cidade de Jaipur, e afinal esta gente deve estar bem habituada a receber turistas.

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