107 – Investigando os Arredores, de Bicicleta
Durante hora e meia andei entretida nos domínios do palácio, sobretudo atrás dos pássaros. Havia um lindíssimo, azul, com uns dez centímetros ou menos, mas nunca consegui uma foto sua minimamente nítida, apesar de andarem junto a mim, entre os ramos das árvores. Muito melindrosos, fugiam sempre. Lindos. Subi também a um pequeno monte com uma casa no topo, fazia lembrar um farol. Mas estava abandonada, com a porta fechada, e os vidros todos partidos. Também não fui de meias medidas: entrei pela janela. Tinha uma vista enorme, era sem dúvida um espaço de lazer pertencente ao palácio. Vi as várias divisões, só paredes, chão e vidros partidos. Se porventura estivesse alguém lá dentro apanharia um susto desgraçado.
Crianças a trabalhar. Fábricas de tijolos, com chaminés altas, fumos negros e malcheirosos. Aqui vive-se mal, aqui vive-se muito mal. Saí do luxo do palácio, e da tranquila vila de Gajner, e pedalei uns cem metros até uma bifurcação. Tinha duas estradas à escolha: uma em frente, outra para a direita. Segui por esta última. Pedalei um pouco, e descobri então que ia dar à vila seguinte, ou o que tomei por vila seguinte, após uma linha de comboio. Aqui não há turismo, não há nada – aqui é o Rajastão profundo, as pessoas estão cansadas a ir ou vir do trabalho, senão no próprio trabalho, e vivem numa miséria nítida.
Voltei para trás. Ninguém sabe que estou aqui, o Kailash foi à sua vida, nem sei eu dele também. Voltei para Gajner, a vila onde fica o hotel.
Algumas crianças, despenteadas, rotas, magrinhas, ainda abandonaram o seu trabalho nos tijolos e vieram ter comigo. Vieram todas a correr. Queriam que eu lhes tirasse fotos e que lhes desse qualquer coisa depois. Eu não ando com dinheiro comigo, como é sabido, nem me apeteceu tirar fotos, ao ver crianças tão pequenas, já com um ar tão pesado, a trabalharem em funções tão duras. De facto queria sair dali. Tive pena de não ter trazido os pequenos frascos de shampoos e sabonetes que dão nos hotéis – eu já tinha um saco cheio, por esta altura, e vim a dá-lo mais tarde. Mas se eu desse agora alguns, não me deixariam mais sair dali. Os miúdos são muito audazes, agarram-se à bicicleta, gritam, nunca mais eu me desembaraçaria dali. Já assim custei a sair, eles não queriam deixar-me ir embora.
Este episódio marcou-me. Se em vilas anteriores, como Narlai ou Dhamli, ou mesmo ali na vila de Gajner, vi crianças lindas, gordinhas, descontraídas, a brincarem nas ruas – e fui chamada a atenção para isso – aqui nesta zona, pela qual enveredei inesperadamente na bicicleta, não vi nada disso.
De volta à vila do palácio. Jogavam críquete.