106 – O Maravilhoso Gajner Palace Hotel

O Gajner Palace é mais grandioso e sofisticado do que o Shikarbadi, em Udaipur, porém trouxe-me as suas doces recordações – a tranquilidade, o contacto com a natureza, a beleza da paisagem, os animais a circular em redor. Uma vez mais passeei de bicicleta pelos seus largos domínios. Uma vez mais sentei-me no baloiço e ali fiquei, enquanto anoitecia, ouvindo os chacais a uivar. Um morcego enorme, com uns trinta centímetros, quase quebrava o ramo onde estava pendurado, na árvore à minha frente. Eu observava-o. Morcegos, gosto tanto de morcegos, nem sei porquê. Talvez por serem animais noturnos, talvez pela sua mitologia de animais agressivos que sugam o sangue, ligados aos vampiros. Coitadito do morcego, era tão grande e gorducho que o ramo se ia dobrando cada vez mais. Ele agitava-se, fazia as folhas da árvore mexerem-se. Eu baloiçava-me, entretida com a sua azáfama e com os uivos dos chacais, prevendo que ele ainda se estatelaria no chão, com aquele peso todo, se não batesse rapidamente as asas. Que criatura desajeitada, esta.
Pus uma dose reforçada de anti-mosquitos – estas águas paradas do lago são uma nascente de melgas e outros que tais. E não fui picada, que eu me recorde.
Havia mais um quarto ocupado, no palácio, e vi à noite duas raparigas passarem para o restaurante, estava eu no baloiço. Muito brancas, talvez fossem inglesas ou de algum país nórdico. Não nos falámos. Eu tinha a bicicleta estacionada atrás de mim, tinha acabado de chegar do passeio, ainda ia tomar um duche e só de seguida fui jantar. Nessa altura já não encontrei ninguém.

Tenho aqui outra refeição ocidental (por esta altura já estou na fase de variar sempre que posso). Desta vez é peixe frito com batatas fritas. Horrível. Fiquei tão maldisposta que não jantei nesse dia (deixei tudo no prato) nem tomei o pequeno almoço no dia seguinte. Ou melhor, comi qualquer coisa, porque com o exercício físico sinto fome, mas a má disposição conseguia sobrepôr-se. Durante toda a viagem – um mês de viagem – foram aqui as piores refeições que tive. Sim, porque não acabou no almoço. Talvez tenha sido mero azar, este palácio é caro e elegante, tem bons cozinheiros, pela foto apercebem-se do requinte com que servem, o chefe de mesa recebeu-me e serviu-me de luvas brancas (eu era a única hóspede a jantar naquela altura) portanto assumo que tenha sido um azar momentâneo. Que continuou ao jantar. Ora eu estando maldisposta, mas com fome, procuro comida bem sedutora. Vamos para uns brownies de chocolate com gelado de baunilha, acompanhado de um lassi de manga. É só sobremesa, hoje ao jantar, não há refeição propriamente dita.
E trazem-me uns brownies duros que nem pedra, e queimados na base. Bom. Ao tentar cortá-los com a faca, quase que voavam do prato. (Eu na esplanada). Nem estava sozinha: o chefe de mesa – outro diferente, agora à noite – veio fazer-me companhia. Foi ele que salvou o jantar de ser a catástrofe total: comi mal, mas tive boa companhia, pois fomos falando de tudo e mais alguma coisa; ele em pé, à minha frente. Teve sorte em não ser agredido com um brownie de chocolate, enquanto eu lutava para cortá-los no prato.
Mas no final deram-me o habitual cartão para pontuar os serviços do hotel, nomeadamente a comida. Claro que dei pontuação severamente negativa a esta. O almoço deixou-me maldisposta durante dois dias, e os brownies de chocolate, à noite, vinham naquele belo estado.
Para minha grande surpresa, ia eu embora depois do jantar, veio o cozinheiro atrás de mim. Com o seu grande chapéu branco. Um homem novo, grande, alto. E vinha furibundo. De facto estava a ver que ainda me agredia, outros dois empregados quase que tiveram de agarrá-lo.
Ficámos frente a frente, ele com o cartão na mão, dizendo-me que eu tinha de mudar a pontuação.
Eu encarei-o e expliquei-lhe a pontuação negativa, pausadamente, para que não existissem dúvidas:
Nunca comi uns brownies tão maus em toda a minha vida.
O pobre cozinheiro fez-se de todas as cores ali à minha frente. Eu fui-me embora, com fome e maldisposta ainda do almoço; não vomitei, mas pouco faltou.

Acontece.

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