098 – O Fresco Palácio Lalgarh, em Bikaner
Fiquemos então com um artigo do National Geographic sobre o templo Karni Mata, visitado na crónica anterior, na cidade de Deshnoke:
“Este isolado e ornamentado templo hindu foi construído no início dos anos 1900 pelo marajá Ganga Singh, como tributo à deusa dos ratos, Karni Mata. A entrada e o chão são feitos de intricados painéis de mármore, e decorações de prata e ouro são encontradas por toda parte.
Mas, de longe, o aspeto mais intrigante do interior são os cerca de 20.000 ratos que chamam de lar a este templo. Estes animais sagrados são chamados “kabbas”, e muitas pessoas viajam grandes distâncias para prestar-lhes tributo.
A lenda diz que Karni Mata, uma matriarca mística do século XIV, era uma encarnação de Durga, a deusa do poder e da vitória. A certa altura da sua vida, o filho de um homem do seu clã morreu. Ela tentou trazer a criança de volta à vida, mas Yama, o deus da morte, contou-lhe que ele já tinha reencarnado.
Karni Mata fez então um acordo com Yama: a partir deste momento, toda a sua tribo iria renascer como ratos até que pudessem renascer de volta no clã.
No hinduísmo, a morte marca o fim de um capítulo e o início de um novo no caminho para a eventual união da alma com o universo. Este ciclo de transmigração é conhecido como samsara e é precisamente por isso que os ratos Karni Mata são tratados como realezas.
Gautam Ghosh, professor de antropologia e estudos asiáticos na universidade da Pensilvânia, em Filadélfia, notou quão raro este templo de adoração aos ratos é. “Na Índia, como no Ocidente, os ratos não são tratados com veneração especial”.
No hinduísmo, muitas deidades assumem formas animais. “O principal ponto teológico é que não há nenhuma linha divisória sobre as formas que os deuses e deusas podem usar”, disse Rachel Fell McDermott, professora de culturas Asiáticas e Médio Oriente no Barnard College, em Nova York. “Nada diz que não podem tomar a forma de um peixe, um pássaro, ou mesmo um rato.”
Ghosh faz notar que este templo está ligado à família real que governou Bikaner, uma cidade próxima [a 30 km]. Quando uma família real hindu está à procura de mais poder, procura um deus patrono nos cultos locais ou, de acordo com o historiador de arte George Michell, sediado em Londres, geralmente procura uma deusa, para ajudá-la a alcançar esse poder. Os deuses do sexo masculino não são tão poderosos no envolvimento direto na vida das pessoas, explicou ele, são os cultos em torno de deusas locais os mais usados para ajudar a influenciar as coisas em seu favor. “Reis que querem ser poderosos na Índia devem ser protegidos por deusas”, afirma Michell. E assim foi criado o Templo de Karni Mata.
Ingerir alimentos ou água que anteriormente foram provados por um rato é considerado uma bênção suprema. Mas há uma bênção rara que chama mais a atenção: o avistamento de um rato branco. Em todos os milhares de ratos do templo, diz-se que existem quatro ou cinco ratos brancos que são considerados como especialmente sagrados. Acredita-se que são a manifestação de Karni Mata e da sua família. O seu avistamento é um encanto especial, e faz com que os visitantes realizem grandes esforços para fazê-los aparecer, oferecendo Prasad, uma guloseima.
Ao contrário do resto do mundo, onde os ratos são normalmente mortos por habitar o mesmo espaço que os seres humanos, neste templo os ratos residentes são tratados com sincera devoção. A veneração é tão completa que, se alguém acidentalmente pisa um rato e o mata, terá de comprar um feito de ouro ou prata, e colocá-lo no templo como expiação.
Para um animal que é comumente associado a pestes e doenças, isto pode parecer estranho. Mas durante um século de existência deste templo, nunca houve um surto de peste ou outras doenças derivadas de ratos entre os seres humanos que o têm visitado, o que pode ser um milagre em si mesmo.” ¹
Sim, e cá estou eu, vivinha da silva, para prová-lo. Saí de lá com um grau superior de loucura ao que tinha dantes, mas voltei.
Chego à cidade de Bikaner, em pleno deserto de Thar, fundada em 1486 por Rao Bika. Nela as temperaturas no verão excedem os 50 graus centígrados, e no inverno descem até às negativas. Acabaram-se os vendedores de rua, acabaram-se as bancadas de fruta – como podem constatar nas fotos. Eu, recém chegada, considerei-a a cidade da desolação, e pergunto-me o que terá dado na cabeça de Rao Bika para fundar uma cidade no meio do deserto, com tanto espaço na Índia.
Palácio Lalgarh, de quartos gigantes e dois ares condicionados, onde pernoitarei. Foi construído nos anos 1920 pelo marajá Ganga Singh, e numa parte do palácio fechada ao público ainda vivem os seus descendentes. Circulei pelos seus corredores, meti-me por pequenas escadas escuras e passagens pelos vistos nunca utilizadas, pois estavam sujas de pó e com mobília partida. Mal sabem eles onde eu ando metida…
Nesta espaçosa sala de banho vinguei-me e tomei um maravilhoso e revigorante duche. Cheguei tão suja a tão elegante palácio que até me senti embaraçada, na receção. Mas que eu me lembre o Indiana Jones nas suas aventuras de safaris e ratos também não andava propriamente limpinho!…
¹ Guynup, Sharon e Nicolas Ruggia (2004), “Rats Rule at Indian Temple”, 29 de Junho. National Geographic. Página consultada a 1 de Novembro de 2009, <http://news.nationalgeographic.com/news/2004/06/0628_040628_tvrats.html>.