072 – Na Vila de Rohet
Enquanto dou um giro de bicicleta pela vila, ao amanhecer (tal como ao entardecer do dia anterior, mas sem fotos), segue a tradução de parte do segundo artigo prometido, sobre a vida dos intocáveis, retirado desta vez do Correio da Unesco, uma revista mensal online da Unesco.
O “apartheid escondido” da Índia
Gopal Guru, com Shiraz Sidhva, professor de estudos Políticos na Pune University and Fellow, Centro para o Estudo das Sociedades em Desenvolvimento (Delhi). Shiraz Sidhva é um jornalista do Unesco Courier.
O antigo sistema de castas na Índia persiste, sujeitando milhões a pobreza degradante e abusos dos direitos humanos. As atitudes permanecem, apesar da legislação do governo no sentido de mudar.
Durante séculos, os intocáveis de Paliyad, uma vila indeterminada na Índia ocidental, distrito de Ahmedabad, souberam qual era o seu lugar. Muitos deles são varredores de ruas, limpam as casas-de-banho dos habitantes das classes altas ou trabalham a terra, às vezes por menos de uma mão cheia de arroz por dia.
“Nós sabemos que temos de manter-nos longe deles [pessoas da classe alta] desde o dia em que nascemos”, diz Rajesh, que vai com 19 anos. “Nas lojas de chá, temos chávenas separadas para beber, lascadas e cobertas de sujidade, e é suposto sermos nós a limpá-las. Temos de andar durante 15 minutos para levar água para nossa casa, pois não estamos autorizados a usar as torneiras na vila que as castas altas utilizam. Não nos é permitido a entrada em templos, e quando frequentei a escola, os meus amigos e eu éramos forçados a sentarmo-nos fora da sala de aula… as crianças das castas altas não nos deixavam sequer tocar na bola de futebol com a qual brincavam… nós jogávamos com pedras.”
(…)
Embora a Índia tenha procurado superar as iniquidades das castas e da descriminação através de ações afirmativas – reservando quotas na educação, empregos no governo e corpos políticos – estas políticas beneficiaram apenas uns poucos. (…) todos os horrores do sistema de castas na Índia persistem na população: tentativas de desafiar esta rígida ordem social resultam invariavelmente em violência ou retaliação económica.
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Claramente, a descriminação por castas foi uma construção ideológica criada pelas classes mais altas para manterem o seu monopólio sobre o capital cultural (conhecimento e educação), capital social (status e domínio patriarcal), capital político (poder), e capital material (riqueza).
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E ainda assim, a uma mulher Dalit, cuja simples sombra é poluidora, é-lhe permitido massajar o corpo das mulheres das castas altas que serve. Os homens das castas altas, entretanto, só pensam em violar mulheres Dalit, ou estar com prostitutas de castas baixas, ainda que tocar-lhes por acidente na rua seja um sacrilégio.
Uma das principais razões pelas quais o sistema de castas sobreviveu deve-se ao facto de a noção hierárquica de bem social que perpetua ser legitimada pelas próprias castas baixas. Elas replicam esta hierarquia imitando os valores culturais das castas altas, impondo descriminação em castas ainda mais baixas do que a sua própria. (…)”¹
¹ Guru, Gopal e Shiraz Sidhva (s.d.), “India’s ‘hidden apartheid’”, The Unesco Courier. Página consultada a 14 de Setembro de 2009,
<https://arquivo.pt/wayback/20091222165045/http://www.unesco.org/courier/2001_09/uk/doss22.htm>