070 – Visita a uma Comunidade Bishonai

A descriminação social baseada nas castas é de tal forma grave, que a própria Constituição da Índia contemplou a matéria:
Parte III
Direitos Fundamentais
Artigo 15. (2) Nenhum cidadão poderá, com base apenas na religião, raça, casta, sexo, local de nascimento, ou qualquer um deles, ser sujeito a qualquer incapacidade, desvantagem, restrição ou condicionamento em relação a:
(a) acesso a lojas, restaurantes públicos, hotéis e locais de entretenimento; ou
(b) uso de poços, tanques, banhos em rios ou lagos sagrados, estradas e locais mantidos total ou parcialmente por fundos estatais, ou dedicados ao uso do público em geral.
Artido 17. A “Intocabilidade” é abolida e a sua prática sob qualquer forma é proibida. A aplicação de qualquer incapacidade com base na “Intocabilidade” será uma ofensa punível de acordo com a lei.¹

Ou seja, oficialmente, desde que a Índia adotou a constituição em 1950, o sistema de castas foi abolido em todo o território. Contudo, as tradições e a forte religiosidade ainda resistem às ações governamentais e às transformações económicas que atingem atualmente os indianos.
Além de que, de acordo com o relatório mundial de 2008 da Human Rights Watch, organização não-governamental líder no mundo dedicada à investigação, defesa e promoção dos direitos humanos, estas medidas tomadas pelo governo indiano têm ajudado e têm sido importantes, todavia não estão a ser aplicadas pelas autoridades locais. Em vez de abordar essas preocupações, o governo indiano insiste que casta não é o mesmo que raça e consequentemente a descriminação baseada em castas e tribos sai fora do mandato do CERD (Committee on the Elimination of Racial Discrimination).²

A comunidade Bishonai que hoje visito pertencerá às “Scheduled Tribes”, o nome oficial para intocáveis, dado às tribos. E ainda bem que fiz o guia escrever o nome da tribo no meu bloco, porque senão nem isso tinha. Não encontro nada na internet sobre eles. Espero que ele tenha escrito bem… Efetivamente andou ali tudo envolvido, a tentarem descobrir como se escrevia. Eu sentada à espera, a observar. Melhor assim. Enquanto estão entretidos com as suas coisas não se lembram de mim, ali sentada, a observar sobretudo o ancião à minha direita, com os seus movimentos lentos e pacientes, condescendente com toda a azáfama que ali se gerou.
Bishonai significa “29”, se bem me recordo porque se regem por 29 princípios, dos quais retive: não matar animais (são vegetarianos), casam-se entre si, e cada aglomerado tem uma família apenas: avós e descendentes.

Só no final da viagem vim a descobrir porque pintam os olhos às crianças, e às vezes com uma pintura tão carregada. Foi um representante da agência de viagens no sul, em Cochim, que me levou a sua casa, apresentou-me a sua mulher e a mãe, e mostrou-me a sua filha, uma bebé ainda de colo. Também com os olhos pintados de negro. O objetivo é deixá-la feia – literalmente – para que não atraia qualquer atenção agora, mas que venha a tornar-se numa mulher bonita, quando for grande. Curioso, não é? Eu disse-lhes que era uma menina muito bonita (e era) por mais que quisessem torná-la feia… Na volta ofendi-os.


¹ India.Gov.In, The National Portal of India, “Constitution of India: English”. Página consultada em 27 de Setembro de 2009, <http://india.gov.in/govt/constitutions_of_india.php>.

² World Report 2008, “India Events of 2007 – Rights of Dalits and Indigenous Tribal Groups”, Human Rights Watch. Página consultada em 27 de Setembro de 2009, <http://www.hrw.org/legacy/englishwr2k8/docs/2008/01/31/india17605.htm>.

<< >>