039 – Sétimo Dia, a Logística da Bicicleta
Ao sétimo dia, finalmente, vi reunidas as condições para arrancar de bicicleta. Em Delhi nem sequer a tinha, em Udaipur fiz pequenos passeios de bicicleta no recinto do Shikarbadi, e ontem era uma zona montanhosa, não quis.
Ora bem, a partir de agora tenho retas e ando no campo. Toca a tirar a bicicleta do tejadilho do carro, um gesto que vai repetir-se muitas vezes doravante. Apetece-me agora andar de bicicleta, dizia eu ao paciente Kailash. Parávamos debaixo de alguma sombra e descíamos a bicicleta. O Kailash não queria ajuda mas eu fazia o que podia. Não muita coisa porque ele não me deixava. Também no final da viagem dei-lhe uma boa recompensa, acima dos cem euros. Bem merecidos. Na Índia vive-se muito de gorjetas, e no caso dos motoristas têm mesmo definido um montante médio por dia.
Eu pedalava o que me apetecia e o carro seguia-me dez ou quinze minutos atrás. Hoje fiz uns oito quilómetros numa hora – se tivermos em conta que ainda estou sob o efeito do jetlag (isto vai de mal a pior: hoje dormi entre as 21.30h e as 23.30h. Depois adormeci às 5 até às 7.30h… o organismo está completamente desorientado, esta noite vou tomar o segundo e último comprimido que trouxe para dormir, para ver se encarrila de vez) e se tivermos igualmente em conta que estavam 44 graus – bebi um litro e meio de água nessa hora, tendo transpirado tudo até à última gota – não me parece mau de todo.
De facto o objetivo da bicicleta, contrariamente ao que muita gente me pergunta tanto, não são os quilómetros feitos. Não é a quantidade. É a qualidade. Esta hora de bicicleta, em que passei pelo meio de uma vila, valeu por três dias de carro. Estou sozinha, e estou mesmo no meio da população e em plena Índia. Toda a gente a olhar, pois claro. Já é raro ver turistas brancos por aquelas bandas, quando passam vão de carro, ainda por cima uma rapariga de bicicleta. O Mukesh, o guia de Udaipur, contou-me que uma mulher, com uma criança pela mão, estava a rir-se porque em toda a sua vida só tinha visto homens a andar de bicicleta. Então estava muito espantada a olhar para mim, e ria-se. (Quantas mais terão achado graça à coisa, mas eu não tinha ninguém para me traduzir a língua?…)
Pequena pausa para descansar um pouco. Procurava sombras para descansar de vez em quando. Eram raras. Aqui é um cafezito, e um dos homens lá atrás veio gentilmente trazer-nos duas cadeiras para nos sentarmos, eu e o Kailash, pois estávamos em pé, sem querer perturbá-los.
Nestes passeios de bicicleta levava comigo a bolsa à cintura – e a qual continha apenas uma fotocópia do meu passaporte, um papel com o nome e telemóvel do motorista Kailash, umas poucas rupias, e a garrafa de água. Se me assaltassem não iam longe. Cartões é algo impensável, naturalmente que ficavam no carro. A máquina fotográfica ia comigo. E também o relógio.
Urnas. Hoje é dia de votação! Nem sei como aguentavam estar ali a torrar ao sol, e o que é certo é que depois vim a ler notícias sobre as eleições na Índia, onde contavam que tinham morrido funcionários com o calor!
Foi debaixo desta árvore que parei, à espera do motorista Kailash. Acabou-se por hoje, estou cansada. Uma das raras sombras que encontrei e que partilhei com um vagabundo (ou ele partilhou comigo, pois estava lá primeiro…), o que vêem deitado. De facto ainda esperei que ele se levantasse e viesse bisbilhotar, ele bem olhava. Eu um pouco indecisa, se ele o fizesse eu montaria a bicicleta e fugiria, ou ficaria? Coitado, tão magrito, tão enfezadito, um sopapo fá-lo-ia cair para o lado. Também não deve ter tido muita paciência nem vontade, porque continuou estendido à sombra, sem se levantar. Finalmente apareceu o Kailash e entretanto os dois outros ciclistas surgiram também e vieram espreitar o que se passava por ali.
Et voilà, já está outra vez em cima do tejadilho. Regressemos ao ar condicionado do carro…