032 – Entremos em Suas Casas

A caminho da escola passei por estas casas. Cumprimentei as crianças, tirei-lhes uma foto. Adultos – nenhuns, por enquanto. Fiquei algum tempo a olhar. Eles a olhar para mim, eu a olhar para eles. Assim mesmo, em silêncio, os quatro especados, parados, debaixo de um sol ardente. School?, perguntei-lhes finalmente. Yes, responderam-me, apontando para a frente. Continuemos então caminho.

Ena tanta gente, afinal estão todos aqui. Hoje é segunda-feira mas as crianças já entraram de férias. Amanhã vão haver eleições legislativas e as escolas encontram-se cheias de gente à espera delas. Pelo que percebi não se trabalha no dia das eleições e pelos vistos na véspera também. Temos de pensar que a Índia tem um bilião de habitantes e que 700 milhões são eleitores. Não é fácil gerir uma coisa assim. O estado requisita mesmo autocarros para transportar as multidões, e as eleições efetuam-se faseadamente, em vários dias diferentes para cada região do país.

Sobre esta foto, posso dizer que a tirei à quarta tentativa. Há que imaginar a cena para ter bem consciência dela: eu apareci do nada – uma rapariga sozinha, branca. Todos a olhar, naturalmente. Eu saco da máquina e tiro uma foto. Não ficou bem. Eles a olhar. Tiro outra. Desculpem lá, também não ficou bem. Terceira foto – ainda tem muita luminosidade, tenho de reduzir isto. Por esta altura alguns já se riam e eu fiz que não com a cabeça, rindo, para lhes dar a entender que a coisa não estava a ficar bem. É à quarta, meus amigos, é a quarta…
É preciso ter calma.

À vinda passei novamente nestas casas. Agora já se habituaram à ideia – ou melhor dizendo, à minha presença. Já tiveram tempo para pensar que eu não faria mal. E que teria de voltar, pois claro.
E voltei.
E tornei a ficar especada a olhar.
Apetecia-me entrar…
O rapaz que está comigo nesta foto era todo desembaraçado, afinal sabe algumas coisas de inglês. Pediu-me dinheiro. Não tenho. Mostrei-lhe que a única coisa que tinha nos bolsos dos calções era a chave do hotel, a do cadeado – a da minha masmorra. Então fiz-lhe sinal de que gostava de ir ver a sua casa. E ele convidou-me a entrar.
Muito bem, entremos. Ainda aparece o pai ou a mãe dele, os quais já poderão não achar graça à coisa, mas enfim, entremos.
Afinal a mãe estava lá dentro com mais duas crianças. Tratou de oferecer-me logo a de colo, que deve ter pressentido algo menos agradável e berrou a bom berrar todo o tempo. Ora só me faltava trazer um bombom destes para Portugal.

Almoço no hotel. Desta vez escolhi um peixe do rio, não faço ideia qual: Coconut Fish Curry, e cujo menu rezava assim: Fresh water fish fillet simmered with onion tomato gravy flavoured with coconut milk.
É assim o nosso mundo. Uns tentam fazer adotar crianças, outros comem peixe com molho de coco.

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